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Acesso à justiça via meios consensuais: substitutos da adjudicação?

CAPÍTULO 1 MEIOS CONSENSUAIS, ACESSO À JUSTIÇA E LITIGIOSIDADE

1.8. Acesso à justiça via meios consensuais: substitutos da adjudicação?

Os levantamentos quantitativos vêm confirmar que o perfil da litigiosidade presente nos tribunais brasileiros hoje é marcado por uma predominância numérica dos litigantes repetitivos em disputas com litigantes eventuais. Sendo esse o cenário, não seria de se estranhar se as políticas de promoção de meios consensuais fossem capturadas por esses litigantes como uma forma de gerenciar os casos que se tornaram disputas visíveis e ingressaram em algum canal formal de solução de disputas.

Nesse cenário, em que se conjugam (a) o enfraquecimento da concepção ampliativa do acesso à justiça e sua gradual perda de espaço para uma concepção economicista e um discurso de eficiência, (b) o desenvolvimento da institucionalização dos meios consensuais acompanhando esta mudança de discurso, e (c) a vigência de um discurso de explosão de litigiosidade, desafiado por dados empíricos que demonstram a concentração da litigiosidade em alguns poucos atores envolvidos em litígios de massa, qual o papel que os meios consensuais ocupam no sistema de justiça brasileiro?

Em uma aproximação temática, Laura Nader, ao final da década de 90, apontou que o sistema de justiça americano se afastou ao longo das décadas da função adjudicatória, limitando, pela própria prática forense estabelecida, o pronunciamento judicial. Em aguda observação sobre o cenário, afirma a autora:

183 Os NUPEMECs foram criados pela Resolução n. 125/2010 do CNJ, com o objetivo de desenvolver a Política

Judiciária de Tratamento Adequado de Conflitos estabelecida na resolução. Na verdade, a unidade que presta atendimento ao cidadão e efetivamente é o CEJUSC, também previsto na Resolução n. 125/2010 do CNJ.

184 SILVA, Paulo Eduardo Alves da (coor.). Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis, cit., p. 71. 185 SILVA, Paulo Eduardo Alves da (coor.). Perfil do acesso à justiça nos juizados especiais cíveis, cit., p. 88.

“Em 1999, a população americana está progressivamente perdendo o seu direito de acesso às Cortes ao serem obstados por cláusulas de arbitragem mandatórias em centros de saúde e em relações do trabalho. Chief Justice Burger arguiu que os americanos ‘civilizados’ deveriam abandonar a centralidade da adjudicação como meio de solução de conflitos, esquecendo que em casos de visível disparidade de poder, a adjudicação é o meio mais judicioso de composição de conflitos186”.

Analisando o contexto norte-americano, o discurso da eficiência e a preocupação com a “explosão de litigiosidade” orientaram os estudos de processo a abrirem novas portas ao lado da adjudicação judicial, com a finalidade de oferecer, no ambiente judicial, outros instrumentos que não a sentença.

A já conhecida perspectiva do Tribunal Multiportas, propagada por Frank Sander na Pound Conference187, passou a ser estudada com mais interesse pela academia brasileira, e os próprios processualistas incorporaram o estudo de outros mecanismos de solução de conflitos, reconhecendo-os como meios aptos e adequados à promoção de pacificação social visada pela jurisdição estatal e que se contrapõem à formalidade do processo.

Uma ideia de inadequação do processo judicial para determinadas disputas se disseminou, acompanhada da ideia de que é necessário apreender novos modelos e técnicas para desenvolver soluções mais adequadas188.

Em verdade, existe até mesmo uma confusão entre o modelo proposto por Frank Sander na ocasião e a prática dos Tribunais Americanos. O Tribunal Multiportas tal como concebido é menos uma prática efetiva e estabelecida no sistema de justiça norte-americano, e mais um marco inicial que estimulou uma série de arranjos dos mais variados nas Côrtes ao longo do território norte-americano. Assim, algo que é um modelo propositivo muitas vezes é confundido com um dado da realidade.

No sistema brasileiro, a conciliação, entendida como a atividade de promover a autocomposição entre as partes, esteve presente em diplomas legais desde o século XIX. Com alguns hiatos causados pela omissão do termo na Constituição de 1891 e pela ausência de menção no Código de Processo Civil de 1939, foi retomada gradualmente a partir da Lei n. 968/49, nas causas de desquite e alimentos, e incorporada de forma definitiva ao Código de

186 NADER, Laura. The Globalization of Law: ADR as "Soft" Technology. Proceedings of the Annual Meeting

(American Society of International Law), Vol. 1. American Society of International Law, p. 304-311, mar./1999, p. 309.

187 SANDER, Frank E. A. Varieties of Dispute Processing. LEVIN, Leo A.; WHEELER, Russell R (edit.). The

Pound Conference: Perspectives on Justice in the future. St. Paul, MN: West Publishing, 1979.

188 A ideia de adequação é mais bem desenvolvida por Frank Sander em artigo publicado anos depois: SANDER,

Frank. E. A., GOLDBERG, Stephen B. Fitting the Forum to the Fuss: A User-Friendly Guide to Selecting an ADR Procedure. Negotiation Journal. Cambridge-MA, v.10, p. 49-68, 1994.

Processo Civil de 1973, que a estendeu para todos os tipos de litígio, de forma não obrigatória189.

Assim, o uso de meios consensuais para solução de disputas na via judicial não é novidade. Todavia, a visão sobre a conciliação não tinha grande sofisticação em nossa doutrina, não havendo exatamente discussões sobre técnicas e princípios, e o instrumento muitas vezes era relacionado com o exercício de pressão pelo juiz ou por seus auxiliares na celebração do acordo190.

A mediação, como instrumento de retomada do diálogo e de possível composição de disputas pela atuação de um terceiro imparcial mediante aplicação de técnicas dialógicas é de estudo e assimilação mais recentes, propiciadas por um aprofundamento no estudo do movimento das ADR nos Estados Unidos.

Há ainda a disseminação das ideias de cuidado procedimental da mediação mediante institutos especializados, com apoio também em literatura argentina focada em mediação familiar191 e, ainda, com o gradual reconhecimento de que o que se toma por mediação pode significar diferentes procedimentos com diferentes objetivos, o que chega até a literatura nacional como a descrição de diferentes escolas de mediação, com destaque para o “Modelo de Harvard”192, que propugna uma mediação baseada em interesses e solução de problemas, e a chamada “avaliação transformativa”, que vê a mediação como uma oportunidade de transformação do conflito e não necessariamente de composição de interesses com vistas a dar- lhe um desfecho193.

De toda forma, floresceu a partir desses estudos um debate sobre técnicas adequadas de mediação, e sobre os princípios que devem orientar a atuação do mediador.

Como explica Juliana Demarchi, a partir da divulgação e prática, surgiram variações na abordagem do conflito e no desenvolvimento da mediação, com aplicação de técnicas fundadas em diferentes critérios194. A mediação, todavia, até meados da década de 2000,

189 SILVA, Érica Barbosa e. A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação. Tese

(doutorado), São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012, p. 157.

190 SILVA, Érica Barbosa e. A efetividade da prestação jurisdicional civil a partir da conciliação, cit., p. 137. 191 SUARES, Marines. Mediación. Conducción de disputas, comunicación y tecnicas. Buenos Aires: Paidós, 1997. 192 Tal modelo de mediação é uma extensão da ideia de negociação colaborativa, cujo maior expoente é a obra

“Getting to Yes”, gerada a partir das constatações dos professores à frente do Harvard Negotiation Program (FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Getting to Yes: Negotiation agreement without giving in. 3. ed. New York: Penguin Books, 2011)

193 Essa abordagem da mediação tem como expressão literarária mais conhecida a obra ensaística de Joseph P.

Folger e Robert A. Baruch Bush, em que os autores discorrem sobre as potencialidades da mediação (Cf. BUSH, Baruch Robert A.; FOLGER, J. P. La promesa de mediación: Como Afrontar el Conflicto a Través del Fortalecimiento Propio y el Reconocimiento de los Otros. Buenos Aires: Granica, 1996).

194 DEMARCHI, Juliana. Mediação: Proposta de implementação no processo civil brasileiro. Tese (doutorado).

permaneceu desregulamentada e sua operação dependeu muito da prática privada e de iniciativas judiciais isoladas, como os projetos-piloto de gerenciamento de processos desenvolvidos junto ao CEBEPEJ (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais)195.

Paralelamente, na toada das reformas processuais culminantes na Emenda Constitucional n. 45/2004, do estabelecimento da duração razoável do processo (art. 5°, inc. LXXVIII, da CF), e da criação do CNJ, a direção do Poder Judiciário viu no acordo uma via de redirecionamento do seu contingente processual, que proporcionaria à magistratura números de produtividade e lhe pouparia de uma atividade mais complexa de julgamento, passando a apoiar a institucionalização via Poder Judiciário dos meios consensuais, especialmente a conciliação196. Expressão disso é o “Movimento Conciliar é Legal”, criado em 2006, com o CNJ à frente.

O movimento deu origem à “Campanha pelo Acordo” do CNJ, presente nas chamadas Semanas de Conciliação, que denotam a primazia desta concepção. Os slogans da Campanha são marcados pela tônica do uso dos meios consensuais como forma de imprimir eficiência à resolução de conflitos, mas também destaca que a conciliação é boa para o jurisdicionado e também atribui a ele uma responsabilidade individual e social de priorizar os meios consensuais para solução de seus conflitos197.

Na crescente de entusiasmo com os meios consensuais, explicam Maria Cecília de Araújo Asperti e Michel Roberto Oliveira de Souza, que as pautas dos diversos atores, em um primeiro momento se confundiram, mas, ao longo de seu desenvolvimento, diferentes perspectivas se tornaram claras: enquanto determinados grupos defendem centralidade e regulação do procedimento de conciliação e mediação, outros defendem a sua descentralização e deformalização. Desse embate, prevaleceu a centralidade do Judiciário na institucionalização dos meios consensuais, sendo indicativos disso a reserva aos tribunais de um papel central na

195 GAJARDONI, Fernando da Fonseca; ROMANO, Michel Betenjane; LUCHIARI, Valéria Ferioli Lagrasta. O

gerenciamento de processo. GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano.

Mediação e gerenciamento do processo: revolução na prestação jurisdicional e guia prático para instalação do

setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2008, p. 18-34.

196 Ver: ASPERTI, Maria Cecília de Araújo; SOUZA, Michel Roberto Oliveira de. Desmistificando a “Cultura do

Acordo”, p. 30.

197 Alguns exemplos são: Campanha de 2008 – “Conciliar é querer bem a você”; 2009 – “Ganha o Cidadão. Ganha

a Justiça. Ganha o País”; 2011- “Conciliação é a forma mais rápida para resolver seus conflitos”; 2014 – “Conciliação é um acordo bom e justo para todos”; 2015/2016 – “Conciliação: o Caminho mais curto para resolver seus problemas”. Na campanha de 2017, existe uma mudança na mensagem: “Conciliar: nós concordamos. A conciliação é um serviço judiciário a sua disposição todos os dias. A decisão de conciliar é sua”. (http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-e-mediacao-portal-da-conciliacao/semana-nacional-de- conciliacao/campanhas).

instalação de centros de resolução de conflitos, capacitação de mediadores e conciliadores e criação de um cadastro unificado 198.

Já a Lei n. 13.105/2015 (CPC/15) é pautada pelo elogio ao consenso e pela visão de que as partes, mesmo procurando o Judiciário, terão melhores resultados se forem pelas vias autocompositivas, como se nota da exposição de motivos do PL n. 166/2010199:

“Pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”

As mudanças legislativas e o impulso de institucionalização via poder Judiciário vêm de fato embaladas por uma compreensão cada vez mais difundida na literatura jurídica de que a solução consensual é preferencial em relação à solução adjudicada, a qual, por sua vez, deve ter no processo judicial uma via residual.

Rodolfo de Camargo Mancuso, afirma que “a judicialização não deve ser a opção imediata, mas deve se apresentar como ultima ratio, em não havendo outros modos e meios de resolver o conflito, ou quando este tenham sido esgotados” 200.

Outro elemento dessa ideia é que “a jurisdição estatal não significa, nem garante, que o conflito será resolvido em modo justo e eficaz” e que “a inserção da justiça estatal como um

prius, deslocando os demais meios para um posterius, ou um segundo plano, exacerba a

contenciosidade social e estimula o demandismo judiciário”201.

O autor prossegue afirmando que a adjudicação estatal não deve ser o remédio único para qualquer tipo de interesse resistido, nem deve protagonizar a cena jurídica, mas sim preservar-se como função estatal de índole substitutiva e operar residual e subsidiariamente, o que permite várias externalidades positivas, dentre as quais o fato de os conflitos serem trabalhados e não apenas eliminados antes de atingir o seu ponto de maturação, com a reflexão das partes envolvidas quanto às possibilidades de êxito das respectivas posições202.

Desta ideia, surgem ilustrações a respeito de como deveria funcionar o sistema de solução de disputas.

198 ASPERTI, Maria Cecília de Araújo; SOUZA, Michel Roberto Oliveira de. Dismistificando a “Cultura do Acordo”, p. 32-33.

199 SENADO FEDERAL. Código de Processo Civil e Normas Correlatas, p. 30. Disponível em :<

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf>. Acesso em 25.09.2018.

200 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça, cit., p. 121. 201 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça, cit., p. 188. 202 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à Justiça, cit., p. 191.

Parte da doutrina recorre à figura de uma “pirâmide de resolução de conflitos” para indicar que os conflitos devem passar por um iter de resolução, adotando-se antes as bases da pirâmide, estando o processo judicial no topo, como uma última ratio. Roberto Ferrari Ulhôa Cintra, por exemplo, concebe a “solução” de conflitos em uma estrutura piramidal, na qual as instâncias judiciais ocupariam o ápice da pirâmide em termos de adequação do instrumento, após as partes envolvidas no conflito terem passado por outras formas não-adversariais e extrajudiciais de solução de conflitos203.

Em verdade, parece-nos que as explicações que adotam a figura piramidal estão se baseando na “pirâmide dos conflitos” descrita por Marc Galanter no já mencionado artigo “Reading the Landscape of Disputes?”204. No entanto, tal estrutura não é um indicativo prescritivo.

Em verdade, buscou Galanter desconstruir o discurso do excesso de litigiosidade, ao demonstrar que os conflitos existentes no seio da sociedade percorrem vários degraus antes de culminar em uma ação judicial, e, uma vez judicializados, enfrentam ainda diversos degraus para que cheguem à adjudicação completa (“full-blown adjudication”). Descreve, ainda, que a maior parte dos conflitos de interesses não progride em todos os degraus dessa pirâmide, resolvendo-se em algum de seus estágios iniciais, e que quando judicializados, raramente chegam à adjudicação completa205.

Assim, trata-se de um modelo de descrição e análise das disputas ocorrentes no seio da sociedade, consonante com uma linha de pesquisa socio-jurídica, e não uma proposta de modelo de política de tratamento dos conflitos, como sugere Roberto Ferrari Ulhoa Cintra.

Em observação assemelhada, Boaventura de Sousa Santos e outros explicam que a forma geométrica é utilizada para dar conta, por recurso metafórico, do modo como as relações litigiosas são geridas socialmente. Pois, as que chegam aos tribunais e a julgamento são a ponta da pirâmide, e é preciso entender a trama social entre esta e a base206.

De toda forma, a apropriação prescritiva e ressignificação da ideia do iter dos conflitos demonstra uma tendência na literatura processual de enxergar o processo judicial como uma via residual, discurso que ganha força diante de constatações de sua inadequação para lidar com

203 CINTRA, Roberto Ferrari de Ulhôa. A pirâmide de solução de conflitos: uma contribuição de sociedade civil

para a reforma do Judiciário. Brasília: Senado Federal, 2008, p. 74.

204 GALANTER, Marc. Reading the Landscape of Disputes, cit.

205 GALANTER, Marc. Reading the Landscape of Disputes, cit., p. 11-18.

206 SANTOS, Boaventura de Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais na

determinados tipos de disputa , bem como pelas conhecidas mazelas da composição judicial de conflitos, como a morosidade, a imprevisibilidade das decisões, e a qualidade da cognição.

Ganha força também, se não a substituição da adjudicação estatal pelo consenso, o condicionamento do acesso à primeira à tentativa de utilização do segundo. A audiência prevista no art. 334 do CPC/15, em tese, é de realização obrigatória mesmo antes do oferecimento de resposta pelo réu. Mas, essa obrigatoriedade vem sendo desafiada tanto pela realidade da escassez de recursos para realização de audiências consensuais em todos os processos e pelas constatações de inadequação da designação da audiência para certas disputas207.

A substituição da adjudicação pelos meios consensuais, o condicionamento da ação judicial à tentativa prévia de autocomposição, ou mesmo a existência de uma mediação ou conciliação obrigatórias, não obstante todo o discurso enfático construído em torno dessas ideias, ainda esbarram em uma leitura tradicional, ampliativa e universalista do acesso à justiça208.

Ademais, como já anotamos anteriormente, a proposta de tornar o processo judicial como instância residual de resolução de conflitos passa, necessariamente, pela análise da adequação dos instrumentos que correspondem aos diversos degraus dos conflitos submetidos e aos objetivos da sua resolução, de forma que não é uma ideia que pode ser utilizada indistintamente209.

Como proporemos mais tarde, é necessário entender o impacto que a adjudicação estatal exerce sobre o percurso dos conflitos, e de que maneira ele pode alterar a composição de forças, os comportamentos, procedimentos e resultados nos “degraus” mais baixos da pirâmide.

Há de um lado a preocupação de que a dita ineficiência da jurisdição estatal, com sua lentidão, onerosidade, imprevisibilidade, conspira contra a parte assistida pelo bom direito e favorece o mau pagador, o descumpridor contumaz de obrigações e o cliente habitual do

207 Em verdade, o CPC/15 optou por uma generalização da designação da audiência consensual, ressalvando apenas

casos que não são passíveis de autocomposição, contrariando uma evidente falta de factibilidade para tanto. A opção legislativa vai na contramão de modelos mais racionais, como o de estipulação de técnicas de screening, ou seja, seleção do mecanismo mais adequado para processamento de determinada disputa (a respeito do screening, conferir: LORENCINI, Marco Antônio Garcia Lopes. “Sistema Multiportas”: opções para tratamento de conflito de forma adequada. LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Negociação,

Mediação e Arbitragem: Curso básico para programas de graduação em Direito. São Paulo: Método, p. 57-86,

2012, p. 75-78).

208 Nesse sentido: “no estado atual, à luz da garantia de acesso à justiça efetivamente se revela inadequada a

previsão de prévia submissão a instâncias consensuais para o esgotamento das tentativas de acordo entre as partes” (TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis, cit., p. 318-319).

209 BERGAMASCHI, André Luís. A resolução dos conflitos envolvendo a Administração Pública por

Judiciário210. Todavia, a supressão da interferência judicial tende a eliminar essa vantagem do “cliente habitual” ou intensificar esse favorecimento?

Em um contexto de litigiosidade que se desenvolve em relações assimétricas, há indicações de que a adoção sistemática de meios consensuais pode enfraquecer potencialidades distributivas e equalizadoras e propagar ou intensificar desigualdades, seja do ponto de vista material, impedindo reconhecimento de direitos, seja do ponto de vista do acesso a meios adequados de se promoverem.

A propagada relação de subsidiariedade entre adjudicação e consenso deve ser olhada com maior cautela, a partir de advertências já feitas sobre seus possíveis efeitos, do que trataremos nos próximos dois capítulos.

CAPÍTULO 2 - CRÍTICA AOS MEIOS CONSENSUAIS SOB A