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O acordo pode ser utilizado como instrumento de transação ou de renúncia

CAPÍTULO 2 CRÍTICA AOS MEIOS CONSENSUAIS SOB A PERSPECTIVA DO

2.3. Fundamentos e anatomia da crítica

2.2.3. O acordo pode ser utilizado como instrumento de transação ou de renúncia

Terceira e última crítica direcionada aos meios consensuais é que seu resultado acaba resvalando na transação (“compromisse”) ou renúncia de direitos.

Em outra oportunidade, já defendemos não haver associação necessária entre autocomposição, transação e renúncia. No direito brasileiro, a transação é negócio jurídico normalmente relacionado à composição em juízo e à extinção de processos, ao lado das figuras do “reconhecimento jurídico do pedido” e da “renúncia ao direito que se funda a ação”. Enquanto no reconhecimento jurídico do pedido a concessão feita pelo réu é total, na renúncia ao direito em que se funda a ação, o autor realiza uma concessão integral. Na transação, as concessões são mútuas, conforme a definição legal dada pelo art. 840 do Código Civil Brasileiro296.

Nessa oportunidade, argumentou-se que não é elemento essencial da transação a concessão sobre direitos objetivamente reconhecidos: para se falar seguramente em existência de direitos que estejam sendo concedidos, é necessário que eles já estejam reconhecidos em caráter de definitividade. Assim, considerando que, em regra, o litígio existe exatamente para suprir uma crise de incerteza sobre a existência de um direito, a maioria deles não se encontra em tal grau de maturação quando ocorre a transação. Dessa forma, a transação se dá sobre as

294 BERGAMASCHI, André Luís. A resolução dos conflitos envolvendo a Administração Pública por

mecanismos consensuais, cit., p. 222.

295 BERGAMASCHI, André Luís. A resolução dos conflitos envolvendo a Administração Pública por

mecanismos consensuais, cit., p. 222.

296 BERGAMASCHI, André Luís; TARTUCE, Fernanda. A solução negociada e a figura jurídica da transação:

associação necessária? MEDEIROS NETO, Elias Marques; SIMÃO FILHO, Adalberto (coor.). Direito dos

pretensões das partes. Pode operar, assim, como uma forma consensual de reconhecimento de

direitos, mais do que de concessão sobre eles297.

Ademais, em uma composição consensual dos conflitos, não há necessariamente concessões recíprocas de direitos subjetivos, pois estes ainda não estão reconhecidos. Também não há necessariamente concessões a respeito de interesses, pois é possível a construções de arranjos diferentes daqueles que a solução adjudicada estatal, mediante aplicação de normas aos fatos processualmente constatados, poderia prover.

Propôs-se, assim, que o termo “transação” fosse reservado para aquelas autocomposições em que efetivamente se observam concessões sobre situações objetivamente reconhecidas – como quando já há reconhecimento oficial de uma dívida, ou reconhece-se no ato do acordo e, na sequência, confere-se um desconto ao devedor mediante pagamento à vista298.

Isso implica desassociar a figura da transação como resultado obrigatório da autocomposição bilateral, permitindo que haja construções diferentes daqueles resultados inicialmente imaginados pelas partes envolvidos. Tal compreensão auxilia na explicação de uma autocomposição em matéria de interesses transindividuais: em uma ação civil pública que possui como objeto a tutela do meio ambiente – interesse do qual o legitimado não pode abrir mão – a Lei permite que se celebre termo de ajuste de compromisso (art. 5°, §6°, da Lei n. 7.347/85), em que a forma de tutela desse bem ambiental pode ser discutida com o causador do dano, sem que com isso haja concessões recíprocas, mas apenas uma construção diferente daquela que a sentença judicial poderia trazer299.

Endereçando este ponto específico, Carrie Menkel-Meadow afirma que o acordo não implica necessariamente em concessões recíprocas pelas partes (“compromise”). Para ela, a adjudicação é que promove soluções binárias, em que tanto as partes quanto o próprio sistema devem abrir mão de certas demandas legítimas com a finalidade de solucionar o litígio. As soluções produzidas são monetizadas, como é natural ao litígio judicial, dizem respeito a questões jurídicas mais restritas, e são intensamente recortadas para que caibam na lógica adjudicatória, deixando de fora inúmeros interesses e necessidades das partes300.

297 BERGAMASCHI, André Luís; TARTUCE, Fernanda. A solução negociada e a figura jurídica da transação, cit., p. 52-3

298 BERGAMASCHI, André Luís; TARTUCE, Fernanda. A solução negociada e a figura jurídica da transação, cit., p. 54.

299 BERGAMASCHI, André Luís; TARTUCE, Fernanda. A solução negociada e a figura jurídica da transação, cit., p. 54.

O acordo, por sua vez, permitiria alargar o espectro da solução, para contemplar outras questões que não as jurídicas e, assim, ampliar a gama de bens e valores que podem ser negociados. Desse modo, partes que identificam seus interesses e necessidades complementares e não competitivos podem atingir mais daquilo que desejam ao negociar aquilo a que dão mais valor e que a outra parte valoriza menos. Se as pessoas não valorizam as mesmas coisas da mesma forma, então o acordo seria mais democrático do que a própria adjudicação, pois permite a completa representação dos verdadeiros interesses e necessidades das partes, permitindo soluções que não são apenas a divisão da diferença entre as posições301 apresentadas pelas partes302.

Assim, seria o sistema legal e a adjudicação que teriam levado a uma restrição do escopo das disputas, que é o que acaba direcionando a soluções binárias (ganha-perde) ou de divisão da diferença entre os pleitos. É a lógica do julgamento que reduz as disputas a uma questão monetária – reparatória, diríamos –, que conduz à transação. Para a autora, ainda, parafraseando John Coons, quando não há clareza sobre os fatos ou quando valores legais conflitantes podem levar a soluções diferentes e até opostas, a transação pode significar um resultado mais justo do que o julgamento, que resulta em uma solução ganha-perde303.

De fato, a literatura a respeito dos meios consensuais destaca como uma de suas grandes vantagens, ao menos dentro de uma concepção “problem-solving”, a possibilidade de elaboração de soluções integrativas, que levam em consideração possibilidades de ampliação de ganhos possíveis (“aumentar a torta antes de dividir”), com soluções mais criativas e satisfatórias304 . É possível que uma solução consensual apresente resultados superiores em termos de satisfação mútua das partes do que a solução adjudicada.

Contudo, trata-se aqui de mais um elemento que deve ser contrastado com a realidade da utilização dos meios consensuais, especialmente no contexto de litigiosidade em que são frequentes as disputas entre litigantes ocasionais e litigantes habituais, sobretudo em contextos de litígios repetitivos.

Marc Galanter, sob tal perspectiva, aponta que, de fato, o acordo permite maior inventividade e flexibilidade na elaboração de soluções, e, quando as partes estão envolvidas

301 A noção de “posição” surge em contraposição à de “interesse” no livro “Getting to Yes”, sendo utilizada para

designar o que um dos envolvidos na negociação afirma objetiva e superficialmente, sem uma investigação mais clara sobre os interesses e necessidades subjacentes (Cf. FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce.

Getting to Yes, cit., p. 42.

302 MENKEL-MEADOW, Carrie. Whose Dispute Is It Anyway, cit., p. 2674.

303 John E. Coons, Approaches to Court Imposed Compromise: The Uses of Doubt and Reason, 58 Nw. U. L.

REV. 750 (1964) apud Carrie Menkel-Meadow, Whose Dispute Is It Anyway, cit. , p. 2674.

em um relacionamento contínuo, ele pode levar à restauração ou À manutenção desse relacionamento, bem como a soluções ditas integrativas. Todavia, a institucionalização dos meios consensuais pode se dar sem o aproveitamento dessas características, e é provável que assim se dê305.

Dessa forma, diferenciam-se genuínas soluções integrativas inovadoras daquelas fruto de “integração fraca”, ou seja, daquelas que só apresentam como vantagens em relação ao litígio menores custos e tempo para solução. Segundo Galanter, as integrações verdadeiras são raras306, mas a existência acordos em que há economia de tempo e recursos ajuda a nutrir uma ideologia de que o acordo é intrinsecamente bom. Todavia, em qualquer negociação, se há a possibilidade de reduzir os custos de transação e, portanto, consumir menos do bolo total, há também a possibilidade de aumentá-los (aumentar o tempo do litígio pela interposição de sucessivos recursos, por exemplo) para obter vantagem estratégica307, o que pode ser utilizado com maior habilidade por um litigante repetitivo.

A realidade ainda apresenta dados segundo os quais o acordo é usado não de forma integrativa, mas de forma sistêmica para obtenção de uma economia de recursos que favorece apenas a um dos lados.

Nesse sentido, Marco Aurélio Serau Júnior, ao tratar da prática da conciliação entre o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e os segurados, afirma que a percepção dos magistrados nas conciliações em ações previdenciárias é de que o que efetivamente ocorre é uma barganha de direitos ou “mercado de descontos”. Assim, não ocorre sequer uma negociação, quanto menos uma integrativa. Tampouco se poderia falar em transação, pois, nesses casos, o prejuízo é experimentado apenas por um dos lados do conflito, que teria na solução adjudicatória célere uma situação muito mais benéfica308.

305GALANTER, Marc; CAHILL, Mia. "Most Cases Settle", cit., p. 1375.

306 A esse respeito, confira-se também as anotações de Nancy Welsh segundo as quais, não obstante a mediação

seja promovida como um processo que permite construção de soluções criativas e não-monetárias que atendam aos interesses únicos entre as partes, dados empíricos revelam que mediadores dificilmente estimulam esse tipo de acordo e que poucos advogados adotam o meio para explorar o seu potencial criativo. Pelo contrário, a mediação produz em geral resultados tradicionais. Isso pode ser explicado pelo fato de que a negociação integrativa é utilizada na medida em que as partes exploraram suficientemente suas preferências e prioridade, o que depende de os disputantes se reconhecerem como indivíduos únicos, com interesses e necessidades (WELSH, Nancy A. Making Deals in Court-Connected Mediation: What´s Justice got to do with it? Washington University Law

Quarterly, v. 79, p. 787-861, 2001, p. 815-816.

307 GALANTER, Marc; CAHILL, Mia. "Most Cases Settle", cit., p. 1376.

308 SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Apontamentos críticos às conciliações realizadas em ações previdenciárias.

GABBAY, Daniela Monteiro; TAKAHASHI, Bruno (coor.). Justiça Federal: inovações nos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014, p. 443-453, p 447-448.

A prática narrada do INSS é o típico exemplo de uma falsa integração. Diante de uma demanda em que o segurado tem nítida razão, resiste a pretensões legítimas apenas para fazer surgir obstáculos de tempo e custo ao segurado, incentivando realização do acordo, para, então, obter um desconto no valor a ser pago. Tal situação chega a ser tachada de “calote chancelado pelo Poder Judiciário”, sendo que a solução consensual seria apenas verdadeiramente integrativa se houvesse margem para dúvidas no reconhecimento do direito do segurado, balanceada por uma negociação sobre os valores envolvidos309. Não obstante, a própria Advocacia-Geral da União divulga números a respeito da economia de recursos com conciliações previdenciárias, expondo que elas apenas são realizadas quando não houver dúvidas sobre o direito do segurado310.

Assim, parece-nos que a solução consensual não é nem intrinsicamente boa, nem ruim. Todavia, a sua incorporação pelo sistema de justiça deve endereçar as questões distributivas ora colocadas: a promoção do acordo serve para a construção de soluções integrativas verdadeiras ou, ao menos, transações genuínas em que ambas as partes abrem mão de parte de suas pretensões em favor de um consenso legítimo? Ou a prática consensual está sendo estimulada em um cenário de criação de incentivos artificiais para a promoção do acordo e desincentivos de custo e tempo para o litígio? A reiterada realização de acordos está gera benefícios econômicos apenas para uma parte (litigante repetitivo) sem qualquer contrapartida para a outra (litigante ocasional)? O “desconto”, ao menos, justifica-se pela escassez de recursos para satisfação de direitos do demandado e pela necessidade de distribuição isonômica desses recursos?

Em nossa visão, um sistema de justiça comprometido com o “acesso à ordem jurídica justa” deveria estar atento a programas consensuais que veiculam soluções não integrativas e desequilibradas, baseadas em dificuldades de tempo e custo fomentadas pelo próprio litigante repetitivo, e coibir tais práticas.

309 VAZ, Paulo Afonso Brum. Conciliações nos conflitos sobre direitos da seguridade social. Revista do Tribunal

Regional Federal da 4ª Região. Porto Alegre TRF4, n. 80, 2012, p. 29-40, p. 36.37.

310 AGU ECONOMIZA R$ 879 MIL EM 362 ACORDOS PREVIDENCIÁRIOS. Disponível em:

<http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2014/01/agu-economiza-r-879-mil-em-362-acordos-

previdenciarios>. Acesso em: 10.09.2018. Destacam-se os seguintes trechos da matéria: “A Advocacia-Geral da União (AGU) assegurou a economia de R$ 879.100,00 aos cofres do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com a celebração de 362 acordos homologados em ações envolvendo a 1ª Região, que reúne 13 estados e o Distrito Federal”. (...) “as atividades da Central de Conciliação do JEF/DF tem como função avaliar casos de doenças graves (pré-processual) ou com incapacidade reconhecida por laudo judicial com perícias prévias conciliatórias conduzidas por médico-perito do INSS. Os acordos são propostos em situações em que não haja controvérsia quanto à qualidade de segurado autor da ação. Os acordos também podem ser efetuados se a AGU identificar que não existe controvérsia quanto ao direito aplicado em relação à atividade da autarquia previdenciária por decisão da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS (PFE/INSS). Em outras ocasiões, a conciliação é celebrada quando o segurado preenche os requisitos para a percepção do benefício, nos termos da legislação”.

2.2.4 - A crítica ao consenso no Direito Penal.

As críticas acima colocadas, especialmente a dissociação entre direito e acordo, e o desaparecimento dos precedentes, de forma mais ou menos paralela, podem ser distinguidas também em bibliografia de Direito Penal, guardadas suas particularidades da área. Antes de adentrar às críticas propriamente ditas do uso do consenso no processo penal, é importante diferenciar suas diversas manifestações.

Um primeiro caso de uso do consenso no âmbito penal é a chamada Justiça Restaurativa, que, segundo seus partidários, não é apenas uma técnica de resolução de conflitos, mas sim um feixe de ações coordenadas para resolução e transformação de conflitos, prevendo ainda ações que levem à mudança da instituição onde as práticas são desenvolvidas, assim como a articulação de redes sociais em torno dessas ações311.

A Justiça Restaurativa pode empregar uma diversidade de técnicas, mas todas têm em comum um encontro entre o ofensor, a vítima e pessoas afetadas, direta e indiretamente, como a família ou a comunidade. Nesse encontro, o coordenador busca que os participantes encontrem novas formas coletivas para a transformação da situação312. É, portanto, um espaço de consenso dentro de questões penais que envolve vítima, ofensor e comunidade, fortemente influenciado por um viés transformativo da mediação, no sentido de permitir aos envolvidos um espaço para exercício de autorreconhecimento e reconhecimento do outro, e buscar uma responsabilização ativa na reparação do dano causado e na recomposição do tecido social313.

Não é exatamente a esse método que as críticas sistêmicas são mais direcionadas, mas sim às negociações que envolvem de um lado o Estado, enquanto titular dos poderes investigatórios e punitivos, e de outro o acusado.

311 PENIDO, Egberto de Almeida; MUMME, Monica. Justiça Restaurativa e suas dimensões empoderadoras.

Revista do Advogado, n. 123, São Paulo, AASP, ago./2014, p. 76-77.

312 PENIDO, Egberto de Almeida; MUMME, Monica. Justiça Restaurativa e suas dimensões empoderadoras, cit.,

p. 77.

313 A Justiça Restaurativa deu um primeiro passo de institucionalização com a edição da Resolução n. 225/2016

do Conselho Nacional de Justiça, que prevê atribuições do CNJ e dos Tribunais de Justiça em direção à implantação dessas práticas de forma judicial e extrajudical. Ainda há uma definição da prática como “um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturados (...)” (art. 1°) (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n. 225, de 31 de maio de 2016. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/atos_normativos/resolucao/resolucao_225_31052016_02062016161414.pdf>.

No Brasil, a Lei n. 9.099/95 institui a transação penal em seu artigo 76, que permite que “Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. A transação penal, portanto, eliminaria o trâmite do processo e evitaria a aplicação de pena mais severa ao acusado, sendo apresentada como um benefício a este314.

Aqui se trata de acordo entre acusação e acusado, por meio do qual a acusação oferece a possibilidade da aplicação de uma pena restritiva de direitos ou multa, diferente aquela prevista para o tipo penal em abstrato, de forma que o acusado sequer tem que passar pelo risco de vier a ser condenado e ser submetido aos efeitos penais e extrapenais da condenação.

Uma crítica ao instituto é que ele dá abertura à aplicação de pena sem sequer haver processo, forçando o acusado, que pode estar representado de forma deficiente, inclusive por defensor dativo, a aceitar imediatamente a punição sem prévio exercício da defesa. Chega-se a afirmar que a pena é aplicada a crimes tão somente supostos, pois sequer há o desenvolvimento do processo para que fique comprovada a materialidade do delito, não havendo, portanto, uma investigação e declaração oficial sobre os fatos315. Há a aplicação de pena com supressão do devido processo legal e seus desdobramentos, como direito à defesa, à prova, a ser julgado por uma autoridade judicial imparcial, etc.

No Brasil, este é o instrumento consensual existente entre acusação e defesa para lidar com a criminalidade de menor potencial ofensivo. Há outros ordenamentos, como o americano, em que os institutos consensuais podem levar à fixação de pena privativa de liberdade. Especificamente neste ordenamento, o plea bargaining é instituto muito utilizado no qual é possível uma ampla negociação entre a acusação e a defesa, em que concessões são feitas pela acusação com o objetivo de obter uma declaração de culpa ou, em alguns estados, de não contestação da acusação316.

As concessões podem ser várias: desde a não apresentação de denúncia por um crime, quando há elementos para mais de uma imputação, até a recomendação de pena mais branda ao

314 Destaque-se, ainda, que, quanto aos crimes de ação penal pública condicionada e nos de ação penal privada, a

fase procedimental associada ao oferecimento de transação penal é alcançada apenas nos casos em que não haja previamente a composição dos danos civis. Nessas hipóteses, a composição civil implica renúncia ao direito de representação e de queixa, conduzindo a extinção do proccedimento (AVENA, Norberto. Processo Penal. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 874).

315 SILVA, Carlos Augusto Cenêdo Gonçalves, da; MYSSIOR, André. Da transação penal prevista no artigo 76

da Lei 9.099/95 e as consequências de seu descumprimento. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 50. Belo Horizonte, p. 75-92, jul./2007, p. 77.

316 LEITE, Rosimeire Ventura. Justiça Consensual como instrumento de efetividade do processo penal no

ordenamento jurídico brasileiro. Tese (doutorado). São Paulo, Faculdade de Direito da Universidade de São

juiz. Em troca dessas concessões, o imputado renuncia a direitos assegurados na Constituição, como o de julgamento por júri ou o de confrontamento das testemunhas317.

As críticas direcionadas a esse modelo consensual são diversas. A primeira a ser destacada é que o abreviamento do processo penal e, consequentemente, da instrução probatória, pode representar um incentivo para a defesa realizar acordos em vez de defender seus clientes em um julgamento: o advogado privado pode querer concluir a causa mais rapidamente e receber o pagamento correspondente; o defensor público tende a recorrer à negociação como decorrência do excesso de trabalho; ou, simplesmente, o preço da defesa pode levar o acusado a preferir encerrar logo a causa, aceitando o acordo318. Nesse tocante, é possível acrescentar ainda o interesse do defensor em manter boas relações com os atores do campo jurídico- penal.319.

Um segundo ponto destacado diz respeito à atuação da própria acusação: no sistema norte-americano, o “prosecutor” ocupa um cargo eletivo, e possui, portanto, um interesse de imagem, consistente em ostentar um grande número de penalizações em pouco tempo, ainda que estas sejam fruto de acordos. Ainda haveria uma distorção, em que o órgão acusador oferece maiores concessões em casos em que a absolvição for mais provável e quando tiver mais dificuldade em produzir provas320. Além disso, a acusação pode apresentar “blefes”, ameaçando o acusado de processá-lo por crimes mais graves, apenas para que este aceite o acordo.

A preocupação com a ausência de consenso genuíno é especialmente acentuada nos casos em que os acusados estejam assistidos por defesa técnica de menor qualidade321. Vinicius Gomes de Vasconcellos chega a falar na obtenção da condenação por coerção, assemelhando a proposta da acusação à tortura, apenas substituindo a ameaça de sofrimento físico pela ameaça