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A institucionalização de políticas governamentais em SAN

CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO POPULAR E O AGIR CRÍTICO EM NUTRIÇÃO: FUNDAMENTOS E ANTECEDENTES

4.3. Antecedentes do agir crítico em Nutrição

4.3.8. A institucionalização de políticas governamentais em SAN

Nesse percurso de resgate histórico de precursores e sementes de um agir crítico em Nutrição, devemos finalmente ressaltar a guinada trazida com o início do Governo Federal sob a gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), com o presidente Lula, em 2003, onde se configuraram novas políticas públicas e sociais de SAN. De acordo com Vasconcelos (2013), foram marcos históricos nesse contexto: o ressurgimento do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), a formulação e operacionalização do Programa Fome Zero, a instituição do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e as consequentes realizações da II e III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CNSAN). A definição de SAN, já citada anteriormente nesse trabalho, merece aqui novamente ser destacada, uma vez que ilustra decisivamente o quanto foi significativa para o amplo histórico de movimentos e práticas sociais de nutrição numa perspectiva crítica, na medida em que consensuou e institucionalizou uma concepção efetivamente ampliada e crítica para o agir em Nutrição. Na LOSAN, define-se SAN como:

a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade

suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo por base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (LOSAN, 2006, p.1).

Assim, podemos dizer que, a partir da instituição desse contexto no âmbito governamental, todo o trabalho social historicamente ancorado e inspirado em um agir crítico em Nutrição passou a ser valorizado, respeitado, reconhecido e até apoiado pelo Estado. O que era subversivo, nos anos de 1970, ou pulverizado na discussão de promoção e direito à saúde nos anos 1980, ou excluído da agenda política governamental nos anos 1990, em 2000, passou a ter força e a se difundir e se qualificar ainda mais. Através do conceito de SAN, o agir crítico em Nutrição finalmente foi contemplado como uma questão de interesse social e de prioridade na agenda pública do país. Vasconcelos (2013, p.35) entende que a SAN implica que a Nutrição e sua abordagem educacional sejam compreendidas:

de forma integrada em todas as suas dimensões (produção, comercialização, acesso, cultura, valores sociais) e não apenas no componente mais específico do consumo individual. (...) tendo como norte a noção da alimentação como prática social e relacional. A história, a identidade cultural, a organização social, o poder político e econômico de um povo são expressos pela alimentação. Por meio dela, manifestam-se desejos e afetos, além de se promover a saúde, o fortalecimento dos vínculos sociais e do sentimento de pertença a um grupo.

Com a expansão do debate sobre a SAN e sua institucionalização em políticas públicas, um importante movimento social se difundiu pelo país, mobilizando educadores populares para agirem no contexto dos enfrentamentos e das lutas contra a insegurança alimentar das pessoas - foi a Rede de Educação Cidadã (RECID). Sobre esse aspecto, Caisan (2011, p. 30) assevera:

cabe destacar a atuação da Rede de Educação Cidadã, inicialmente denominada Talher, que conta com uma rede nacional de educadores populares que já atinge 1.500 municípios brasileiros, chegando a envolver cerca de 300 mil pessoas em processos de formação e capacitação em SAN e em direitos sociais e humanos.

No campo acadêmico, diferentes intelectuais e docentes vêm, desde a década de 1990, contribuindo significativamente com bases teóricas e reflexivas para um agir crítico em Nutrição a partir de seus estudos e pesquisas, com relevância nacional e internacional. Dentre eles, podemos citar Maria Cristina Faber Boog, Maria do Carmo Soares de Freitas, Eronildes da Silva Lima, Flávio Luiz Schieck Valente, Malaquias Batista Filho, Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos, Rosana Magalhães, Rosa Wanda Diez Garcia, Luciene Burlandy, Lígia Amparo-Santos, Elisabeta Recine, cujas publicações e trabalhos acadêmicos vêm contribuindo para o estabelecimento de um campo de conhecimentos consistente e respeitado em torno de questões como a SAN, a EAN, a Nutrição em Saúde Pública e o DHAA.

Dentre as principais obras dos autores acima citados, acostamo-nos em Amaparo-Santos (2013, p.600) ao citar, especificamente no que tange ao conhecimento em EAN, as seguintes:

Educação Nutricional em Agonia, artigo publicado por [Maria do Carmo Soares de] Freitas, em 1993, na Revista Baiana de Enfermagem em 1993;"Educação Nutricional: passado, presente e futuro", publicado em 1997, por [Maria Cristina Faber] Boog, e o livro"Mal de Fome e Não de Raça: gênese, constituição e ação política da educação alimentar", Brasil, 1934-1946, de autoria de [Eronildes da Silva] Lima, publicado pela Editora Fiocruz em 2000, são algumas das referências das autoras, que marcaram a literatura do tema (...).

Por sua vez, Flávio Valente teve papel decisivo, ao ser pioneiro na sistematização do debate em torno do conceito de "Educação Nutricional Crítica", sobretudo a partir de 1984. Com isso, contribuiu no estabelecimento de novas bases para o debate educacional em alimentação e nutrição na época, particularmente ao integrar diferentes dimensões - até então ignoradas - como a política, econômica, além de questões como “acesso a terra, emprego e renda, educação e serviços de saúde, entre outros, destacando-os como essenciais para a aquisição dos alimentos e a manutenção da saúde” (RODRIGUES, RONCADA, 2010, p.302/303). Esta obra permanece fundante no que diz respeito à explicitação mais elaborada de uma EAN articulada ao enfrentamento dos determinantes da fome no país, bem como ao empoderamento das classes populares acerca dos direitos cidadãos.

Este aporte traz, para a discussão no campo da nutrição, desafios importantes, os quais se impõem diante do crescimento e difusão das experiências de SAN, particularmente quanto a sua efetiva possibilidade de gerar processos de cuidado, participação e exercício de direitos emancipatórios. Não obstante, a persistência de perspectivas conservadoras e tradicionais na formação profissional e nas práticas sociais de EAN configura mais obstáculos para o campo de práticas profissionais e sociais em Nutrição na perspectiva da SAN.

CAPÍTULO 5 – O PROGRAMA DE EXTENSÃO PINAB: UMA