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Abordagens críticas sobre o problema da fome e da desnutrição no campo acadêmico

CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO POPULAR E O AGIR CRÍTICO EM NUTRIÇÃO: FUNDAMENTOS E ANTECEDENTES

4.3. Antecedentes do agir crítico em Nutrição

4.3.5. Abordagens críticas sobre o problema da fome e da desnutrição no campo acadêmico

No cenário acadêmico dos anos 1980, muitas das influências das pesquisas e das ações no campo da nutrição em diálogo com a perspectiva crítica (ou minimamente compromissada e atenta as questões da pobreza, da miséria e das camadas populares), proviram do Departamento de Nutrição da UFPE. Destacou-se também nesse contexto o professor e pesquisador Flávio Valente.

Valente organizou um livro que trazia à tona o debate em torno da Educação Alimentar e Nutricional Crítica, nos anos de 1980, e que reuniu vários intelectuais que estavam dedicados naquele momento a pensar um algo importante no que tange ao agir crítico e Nutrição, que era um salto de perspectiva para o nutricionista naquele período. Um salto de uma ideia assistencialista ou solidária, do ponto de vista a oferecer às camadas populares repostas prontas e imediatas aos seus principais problemas profissionais, para uma perspectiva crítica.

Para Flávio Valente, essa perspectiva crítica exigia alguns pilares, dentre esses o compromisso e uma clareza com a intencionalidade dessas ações. No sentido de que se observasse que o assistencialismo não ia resolver problemas conjunturais ao quais estavam ligadas as questões da fome e da desnutrição no mundo todo, não apenas no Brasil. Neste sentido, o trabalho de Valente foi fundamental porque englobou atores, sujeitos e estudiosos de outros lugares do mundo. Não obstante, sua singularidade se deve ao fato, no início dos anos 1980, ter começado a reorientar a prática da Educação Alimentar e Nutricional, afastamdo-a do “exílio” no qual tinha sido colocada desde os anos 1950 na prática profissional da maioria dos nutricionistas.

Defendia o olhar para o problema da fome como uma alavanca fundamental que era: uma ação que fosse promocional, não apenas institucional, prescritiva e que não fosse culpabilizadora dos pobres e dos que estavam em situação de vulnerabilidade, pela condição de insegurança alimentar em que viviam. Ao contrário do que alguns estudiosos do campo tradicional da nutrição defendiam à época, o problema da fome não existia porque os pobres não sabiam comer.

Tal avanço foi possível, dentre outros elementos, pela divulgação do Estudo Nacional da Despesa Familiar (ENDEF), realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de agosto de 1974 a agosto de 1975, e publicado em 1976, o qual demonstrou que a desnutrição estava, na verdade, relacionada ao baixo poder aquisitivo da população. O principal obstáculo à alimentação adequada era a renda, e somente

transformações estruturais no modelo econômico teriam efetivamente poder de resolutividade frente aos problemas alimentares (BOOG, 1997).

Assim, trabalhos como os de Flávio Valente e seus colegas, a partir dos anos 1980, passaram a trazer a noção fundamental de que não era porque as pessoas não sabiam comer que existia a fome e a insegurança alimentar. Tais processos persistiam porque as pessoas eram, de fato, excluídas socialmente, economicamente e culturalmente. As ações e políticas públicas no campo eram com foco apenas pontual e assistencialista, sem se trabalhar o saber e o conhecimento que as pessoas poderiam ter para tentarem buscar soluções para seus problemas alimentares e nutricionais.

Então, é a partir desta década, com trabalhos como os de Flávio Valente, o aquecimento da discussão sobre Educação Alimentar e Nutricional crítica e de várias experiências percussoras como o próprio Movimento Poular de Saúde, começa a crescer no Brasil essa busca por um agir em Nutrição que fosse efetivamente crítico. Que não apenas tivesse um olhar para os problemas alimentares e nutricionais da nação, mas tivesse uma preocupação com atitudes, posturas, gestos e procedimentos educacionais que conseguissem estabelecer uma relação entre o profissional, o agente social e a população, que não fosse para ensiná-los a comer bem, mas que eles entendessem seus problemas, compreendessem seus lugares, e lutassem juntos na resistência por uma condição alimentar e nutricional efetivamente digna.

Neste sentido, a Paraíba começou a ter várias experiências importantes a partir do Departamento de Nutrição da UFPB, muito em função de várias visitas e estudos compartilhados que foram feitos em palestras e convivências que eram estabelecidas entre referências do Estado de Pernambuco e referências que tínhamos no Estado da Paraíba. Cabe destacar algumas experiências que partiram do Departamento de Nutrição da UFPB. Ressaltamos duas professoras que dialogavam bastante com as perspectiva da Educação Alimentar e Nutricional, numa visão crítica.

A professora Nelsina Dias, que já vinha de uma experiência no interior da Paraíba em Guarabira, a partir da lógica do Movimento Popular de

Saúde e de outras experiências no campo da Educação Popular em Saúde na época. Como pesquisadora, enfatizou o protagonismo das mulheres e suas experiências como agentes de saúde das classes populares. Este tema, evidentemente, se desvelou a partir de suas diversas práticas sociais e buscou ampliar o debate para uma maior compreensäo desse saber e dessa prática em saúde das mulheres, donas de casa, para que a atençäo em saúde nos serviços básicos conseguisse melhor responder às necessidades da população (DIAS, 1987).

Também vale ressaltar a professora Maria Elzabete (Bete) Pessoa Lins, a qual foi também uma das pioneiras no Departamento. De acordo com Lima, Oliveira e Gomes (2003, p.621),

a contribuição do estudo de Lins reside, por um lado, na introdução de novas questões sobre a necessidade do delineamento do enfoque histórico na instrumentalização da análise da educação alimentar como disciplina, e, por outro, na conclusão que aponta para a realização de pesquisa no âmbito da prática educativa. Disso poderia resultar o direcionamento do ensino da educação nutricional tendo em vista a promoção do homem, o que exige a intensificação do diálogo com outras disciplinas afins, como história, filosofia, antropologia e educação.

Ambas contribuíram em grande monta no sentido de fazer uma discussão sobre Alimentação e Nutrição que tivesse como ponto de partida o “agir educacional”, tendo como base a Alimentação e Nutrição que não fosse um agir transmitido ou “transcritivo”, mas que fosse um agir relacional de construção compartilhada de não imposição de saberes, sobretudo de respeito pelo tempo das pessoas.

4.3.6. Movimentos sociais e institucionais de Segurança