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CAPÍTULO 2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

2.1. Bases metodológicas

Esta tese, construída na perspectiva qualitativa, envolveu, em todas as suas etapas, informações, avaliações e considerações sobre os sujeitos da experiência em foco, destacando-se somente aquelas constituídas no próprio desenrolar histórico e cotidiano da experiência.

A dimensão qualitativa desse processo investigativo esteve presente, sobretudo, conforme fundamentado por Gadamer (1999), na busca de compreender os sentidos da comunicação entre os seres humanos. Como ressalta Minayo (2008), valorizamos o universo dos significados, dos motivos,

das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes (CAMARGO JR. e BOSI, 2011).

Nessas condições, a pesquisa qualitativa proposta no contexto desta tese desenrolou-se em consonância com as bases da hermenêutica. De acordo com Habermas (1987), a hermenêutica constitui esforço interpretativo que se configura como um trabalho crítico, onde se busca um método no qual a interpretação seja transformação e vice-versa, o que implica no reconhecimento, por honestidade científica, de um engajamento em todo o trabalho de compreensão.

O tipo de análise desenvolvida nesta pesquisa foi a dialética. Como afirma Holliday (1996), a concepção metodológica dialética é mais do que um mecanismo de análise científica. É, nas palavras desse autor, uma maneira de conceber a realidade, de se aproximar dela para conhecê-la e de atuar sobre ela para transformá-la. Assim, podemos considerar a dialética como um modo de analisar a realidade, considerando-a em sua essência contraditória e em permanente transformação (MELO NETO, 1996).

Assim, a análise dialética se configura num cuidadoso estudo e debruçar sobre a realidade, tomando como ponto de partida a complexidade a ela inerente, suas várias facetas, contradições, aparências e ilusões. Acredita-se que esse tipo de análise conduz, provavelmente, à verdade ou, pelo menos, a uma abordagem da realidade mais condizente com a totalidade de influências, quereres, determinações, objetividades e subjetividades que a circundam (MELO NETO, 2002).

Optamos pela dialética marxista, que parte do real, através de movimentos profundos de reflexão direcionados para a revelação da verdade, ou mesmo da elevação crítica da consciência sobre essa realidade (MARKUS, 1974). A perspectiva marxista da dialética envolve centralmente a tríade de tese, antítese e síntese (conforme estabelecido por seu antecessor, Hegel1), expressas em três movimentos de análise crítica: do real (concreto)

1 Em que pese o ponto de partida, para Hegel, estar nas ideias e não no concreto.Em verdade, Marx

valoriza o movimento dialético estabelecido por Hegel – síntese, análise e nova síntese, mas inverte seu ponto de chegada e seu ponto de partida. Enquanto Hegel, idealista, partia das ideias e as analisava a partir do perceptível no mundo real, para depois retornar às ideias e somente com elas produzir o conhecimento, Marx parte do real e concreto, para depois analisá-lo com as ideias sobre o real e voltar, finalmente, a este real e concreto de uma maneira diferente, mais pensada e aprofundada, tendo então o concreto pensado.

para o abstrato; do abstrato para um novo abstrato; e finalmente desse novo abstrato para um novo concreto (concreto pensado).

Como um dos principais fundamentos que orientam a análise dialética, Holliday (1996, pg.54) destaca a compreensão da realidade como processo histórico, onde se vê “a realidade como uma criação dos seres humanos que, com nossos pensamentos, sentimentos e ações, transformamos o mundo da natureza e construímos a história, outorgando-lhe um sentido”.

Um segundo aspecto metodológico da dialética é a compreensão da realidade histórico-social como uma totalidade. De acordo com Holliday (1996), é a acepção do real como um todo integrado, em que as partes (o econômico, o social, o político, o cultural, o individual, o local, o nacional, o internacional, o subjetivo, o objetivo, entre outros) não podem ser entendidas separadamente, senão em sua relação em conjunto.

Além disso, a dialética recomenda que se considere a historicidade dos fatos, das realidades e dos sujeitos. O olhar histórico surge como condição básica a ser considerada no desenvolvimento do trabalho comunitário. Para um dialeta, não se pode considerar um fenômeno sem historicizá-lo, pois o movimento dialético concebe o materialismo, ou seja: as coisas têm determinações várias que lhe constituem uma síntese. As pessoas, as coisas, as realidades são, em dado momento, sínteses de muitas e distintas determinações. Não se pode pensar numa ação dialética, coerente com a realidade circundante e visando à sua transformação sem considerar sua historicidade.

Nesta pesquisa, utilizamos a metodologia da pesquisa-ação, porquanto foi organizada a partir do concreto vivido na experiência da construção e do desenvolvimento do PINAB. Sua estruturação derivou do próprio desenrolar da ação e do diálogo permanente de seus protagonistas nesse processo. As atitudes e os conhecimentos dos sujeitos da experiência do PINAB contribuíram para delinear a pergunta de pesquisa e as opções metodológicas para buscar suas respostas. A pergunta geradora e os objetivos do estudo nasceram do movimento de construção do PINAB, em seu processo dinâmico e contraditório. O problema de pesquisa consiste de uma dimensão constituinte da experiência em estudo, que não está

necessariamente em debate aberto e explícito, mas constitui efetivamente algo sempre presente na ação cotidiana desses atores, inclusive do pesquisador.

Compreendemos a pesquisa-ação como processo de pesquisa que ganha sentido com o envolvimento ativo de grupos sociais (ou do movimento, setor, coletivo) estudada no próprio processo de pesquisar e sua mobilização para os possíveis enfrentamentos de problemas comunitários (BONILLA et al, 1987). De acordo com Melo Neto (2003), trata-se de uma metodologia que estimula a participação das pessoas envolvidas na pesquisa e abre o seu universo de respostas, passando pelas condições de trabalho e vida dos grupos sociais. Para Thiollent (1999), nesta modalidade de pesquisa é realizada em um espaço de interlocução onde os atores implicados participam na resolução dos problemas, com conhecimentos diferenciados, propondo soluções e aprendendo na ação. Buscam-se as explicações dos próprios participantes que se situam, assim, em posição de investigadores (MELO NETO, 2003; RICHARDSON, 2003).

Nesse sentido, cumpre destacar que houve a participação ativa de sujeitos da experiência durante as diferentes etapas da pesquisa, seja na reconstituição da experiência, seja em suas etapas de análise e problematização. Assim, o exercício de debruçar-se sobre o estudo e a reflexão crítica necessários não foram ações pontuais, mas estiveram incorporadas em uma dinâmica contínua, dentre situações marcadas pelo diálogo e pelo conflito presentes como parte do movimento de construção da experiência em análise.