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A INSTITUCIONALIZAÇÃO E A POLÍTICA DE ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 86-90)

DESLOCAMENTOS E INVENÇÕES NO TRABALHO EM SAÚDE MENTAL

A INSTITUCIONALIZAÇÃO E A POLÍTICA DE ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL

Um breve olhar para a história da atenção em saúde mental (REIS et al., 2010) nos mostra que a institucionalização foi historicamen- te a forma de crianças adolescentes e famílias com demandas de atenção em saúde mental receberem atendimento especializado.

No entanto, a mudança do tipo de atenção para os serviços co- munitários e territorializados exige mais do que o simples desloca- mento geográfi co e implica ação de vários atores para fazer aconte- cer uma nova forma de atenção.

Vejamos. A consideração da criança e do adolescente como sujeito de direitos é um dos pilares desta nova forma de atenção (BRASIL, 2005). No entanto, no estatuto que os defi ne juridicamente como sujeitos de direitos, observamos defi nições e posicionamentos claros

em relação a práticas institucionalizantes quanto aos atos infracio- nais cometidos por adolescentes, às medidas de privação de liberda- de e à permanência em abrigos, porém em relação às crianças com transtornos mentais e defi ciências, observamos que nada de novo se propõe e, sim, a confi rmação de práticas já existentes.

A brevidade com que o art.11 trata da questão no atendimento à saúde, “A criança e o adolescente portadores de defi ciência recebe- rão atendimento especializado” (Art.11. Paragrafo1º), soa como se os direitos não tivessem nada a questionar nestas práticas, como se crianças, adultos, especialistas e instituições estivessem em paz nas práticas do assim chamado atendimento especializado. Como se ali não houvesse produtos questionáveis tais como estigmas, segregações e mistifi cação das práticas de saúde. Claramente, as práticas públicas de saúde mental voltadas para crianças e adoles- centes foram desresponsabilizadas deste tipo de prestação pela preferência/comodidade dada ao atendimento pelo setor fi lantró- pico, que melhor se coadunava com os ideais higienistas, até então hegemônicos. Merece consideração também os efeitos sociais da longa duração destas práticas que, em parte, não incluiu o tema nas discussões para a formulação do que seriam os direitos da criança e do adolescente.

Além da concepção como sujeito de direitos, as normativas da política nacional de atendimento à saúde mental têm como pilares o contexto histórico do Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê a integralidade, a equidade e o acesso à saúde e a Reforma Psiquiátri- ca Brasileira, construída sob a crítica à instituição asilar como for- ma de resposta ao sofrimento psíquico. Na junção das diferentes ações destas políticas públicas, foi cunhado o nome de apoio/aten- ção psicossocial para as práticas em saúde mental nos serviços ter- ritorializados, incluindo os serviços para a infância e adolescência.

A III Conferência Nacional de Saúde Mental Cuidar Sim, Excluir Não, realizada de 11 a 15 de dezembro de 2001, apontou a necessi- dade de, por um lado, conhecer a complexa realidade da institucio- nalização de crianças (Resolução 179 - Realizar um censo nacional, operacionalizado pelos municípios, para mapeamento dos serviços existentes, contemplando o perfi l clínico, social e epidemiológico

da clientela infantojuvenil que vem sendo atendida nos serviços de saúde mental públicos, fi lantrópicos e contratados e instituições de assistência social e judiciárias) e, por outro, a necessidade de regulamentar a existência de serviços públicos para esta população nos moldes da Reforma Psiquiátrica e do Estatuto da Criança e do Adolescente.

São dois os dispositivos previstos pela política pública de saúde mental para atenção psicossocial em saúde mental infantojuvenil: o Centro de Atenção Psicossocial infantojuvenil, CAPS I, previsto pela portaria 336, de 2001 e o Fórum Nacional sobre Saúde Men- tal Infantojuvenil, previsto na Portaria n.º1608, de 2004 (BRASIL, 2005), para orientar o trabalho no sentido da mudança de serviços institucionalizantes para serviços de base comunitária.

Este Fórum esteve reunido por nove vezes desde a sua criação, tendo produzido Documentos/Recomendações (BRASIL, 2007; 2010; 2013) para diferentes políticas públicas visando à implemen- tação da política pública de saúde mental nesta faixa etária.

Quadro 1- Cronologia das reuniões do Fórum Nacional de Saúde Mental infantojuvenil

Agosto 2004 Implantação do Fórum.

Dezembro 2004 Linhas gerais para uma política intersetorial de Saúde mental.

Maio 2005 Os desafi os da desinstitucionalização. Dezembro 2005 Articulação saúde e justiça.

Julho 2006 Criança e adolescente em situação de risco. Dezembro 2006 Sofrimento psíquico na criança e adolescente e a

estratégia de cuidado em rede. Junho 2007 Rede de cuidados na perspectiva da

intersetorialidade.

Março de 2009 Álcool e outras drogas: atenção integral e inclusão. Novembro de 2012 Desafi os para o campo da infância e juventude no âmbito da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS.

Destacamos, na Recomendação 01/2005 “Diretrizes para o Pro- cesso de Desinstitucionalização de Crianças e Adolescentes em Ter- ritório Nacional” (BRASIL, 2005), a ênfase colocada no papel dos CAPS I em desenvolver ações de desinstitucionalização consoan- tes com os princípios da reforma psiquiátrica. O documento ainda indica, entre outras, a necessidade de criação de serviços de base territorial e a “reestruturação de toda a rede de atendimento exis- tente no sentido de afi ná-la às atuais diretrizes da política pública de saúde mental” (BRASIL, 2005).

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015), atualmen- te os serviços de saúde mental infantojuvenil existem em número insufi ciente sendo 201 no país.

Ao CAPS I é previsto ser o articulador das ações de saúde mental em seu território, esboçando-se então a concepção de intersetoria- lidade e as estratégias operacionais da atenção psicossocial que foram então defi nidas:

Reconhecer aquele que necessita e/ou procura o serviço – seja a criança, o adolescente ou o adulto que o acompanha -, como o portador de um pedido legítimo a ser levado em conta, implicando uma necessária ação de acolhimento;

Tomar em sua responsabilidade o agenciamento do cuidado, seja por meio dos procedimentos pró- prios ao serviço procurado, seja em outro disposi- tivo do mesmo campo ou de outro, caso em que o encaminhamento deverá necessariamente incluir o ato responsável daquele que encaminha; Conduzir a ação do cuidado de modo a sustentar em todo o processo a condição da criança ou do adolescente como sujeito de direitos e responsabi- lidades, o que deve ser tomado tanto em sua di- mensão subjetiva quanto social;

Comprometer os responsáveis pela criança ou adolescente a ser cuidado – sejam familia- res ou agentes institucionais – no processo de

atenção, situando-os igualmente como agentes da demanda;

Garantir que a ação do cuidado seja o mais possí- vel fundamentada nos recursos teórico-técnicos e de saber disponíveis aos profi ssionais, técnicos ou equipe atuantes no serviço, envolvendo a discus- são com os demais membros da equipe e sempre referida aos princípios e às diretrizes coletiva- mente estabelecidas pela política pública de saúde mental para a construção do campo de cuidados; Manter abertos os canais de articulação da ação com os outros equipamentos do território de modo a operar com a lógica da rede ampliada de atenção. As ações devem orientar-se de modo a tornar os casos em sua dimensão territorial, ou seja, nas múltiplas, singulares e mutáveis confi - gurações determinadas pelas marcas e balizas que cada sujeito vai delineando em seus trajetos de vida (BRASIL, 2005, p.15-16).

O que seria deste novo papel que a política pública de saúde mental assume para si, se não trabalhar no sentido de promover transformações nos locais instituídos para a infância e as suas produções?

Na confi guração da nova lógica do atendimento proposta para a atenção em saúde mental infantojuvenil (BRASIL, 2005), enfati- za-se, então, o papel dos serviços para a construção de práticas desinstitucionalizantes e estes, por sua vez, encontram diversos tipos de difi culdades enraizadas no cotidiano e nas diferentes sig- nifi cações que as queixas assumem no cotidiano das instituições e em virtude de um histórico bastante atual de segmentações e nor- matizações, sempre disponíveis nesta área.

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 86-90)