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IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PLANTÃO DE ESCUTA PSICOLÓGICA NO CAPS

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 125-129)

ESCUTA PSICOLÓGICA NA SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE ACOLHIMENTO NO

IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PLANTÃO DE ESCUTA PSICOLÓGICA NO CAPS

Com a expansão dos programas de políticas públicas do Governo Federal que visam, entre outros aspectos, intervir sobre os proble- mas que afetam a saúde e a qualidade de vida do cidadão, os es- forços têm sido na direção de oferecer a comunidade serviços de saúde com mais qualidade, amplitude e efi cácia para os problemas emergentes na população. Dentre estes serviços, estão os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que após os debates e movimentos de luta antimanicomial que perpassaram vários anos da década de 1980 foram instituídos no Brasil em 1992, com a fi nalidade de subs- tituir o atendimento em hospitais psiquiátricos por atendimentos oferecidos em unidades regionais/ locais por profi ssionais consti- tuintes de uma equipe multiprofi ssional.

Com a fundação do CAPS em Campina Grande, em dezembro de 2003, os portadores de transtorno mental passaram a ter acesso a um serviço de saúde mental mais humanizado e direcionado para

a reinserção social. Nesta modalidade de serviço as intervenções são planejadas em reuniões entre os profi ssionais que integram a equipe, como médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, recreadores, ofi cineiros, técnicos de nível médio, e outros. As intervenções podem ser individuais ou grupais (BRASIL, 2001; 2004) e atendem tanto aos usuários quanto aos seus familiares - cuidadores, através de projetos terapêuticos para os primeiros e da criação de estratégias para orientar e cuidar dos familiares.

A oferta do Serviço de Escuta Psicológica em um CAPS da cida- de de Campina Grande (PB) teve como intuito atender a elevada demanda dos usuários do serviço e de seus familiares para atendi- mento psicológico na Clínica- Escola de Psicologia da Universidade Estadual da Paraíba e a difi culdade de deslocamento destes para usufruto de atendimento psicológico.

Em 2010, quando foi implantado o Serviço de Escuta Psicológica no CAPS, eram atendidos neste Centro cerca de 350 usuários adul- tos, de ambos os sexos, portadores de transtornos mentais severos, em grande parte egressos de hospitais psiquiátricos. A modalidade de intervenção predominante neste serviço são os grupos, os quais são planejados a partir de diferentes objetivos e com características favoráveis ao desenvolvimento de habilidades entre os participan- tes. Todos têm acompanhamento psicológico, entretanto, o atendi- mento psicoterápico é comumente oferecido apenas aos usuários com elevado grau de comprometimento psíquico.

Através de visitas institucionais, conversas com os profi ssionais e observação dos usuários e familiares na sala de espera do CAPS foi identifi cada a necessidade de criação de um espaço/momento favorável à escuta individual, principalmente entre aqueles que não se enquadravam ao perfi l indicado para o atendimento psicoterá- pico no CAPS. Assim, foi proposta para a coordenação do CAPS a implantação de um Serviço de Escuta Psicológica a ser realizado por estudantes de Psicologia da UEPB, do 4º e 5º anos, através da ação extensionista do projeto sobre Plantão de Escuta Psicológica. Após a preparação teórica e prática das alunas extensionistas foi implan- tado o serviço de Escuta Psicológica, através da sistematização de

escalas de plantão entre as quatro extensionistas envolvidas. O número de extensionistas e o limite nos horários disponibilizados pelas estudantes, devido à necessidade de cumprirem com outras atividades acadêmicas em pelo menos um dos turnos, impossibili- taram a garantia da oferta do Plantão em todos os turnos de fun- cionamento do CAPS. Assim, tomamos como prioridade a presença das plantonistas nos dias/turnos de maior número de usuários no serviço e oferecemos o Plantão semanalmente, em três manhãs e três tardes. Cada extensionista permanecia no Plantão de Escuta Psicológica em pelo menos dois turnos semanais. Em cada turno, foi garantida a presença de pelo menos duas plantonistas, para as situações de maior demanda e para a necessidade de realização da escuta em grupo.

O espaço preferencial destinado à realização da escuta psicoló- gica, diferente do formato oferecido nas clínicas-escolas, foi o pátio de entrada do Centro de Atenção Psicossocial. Nos assentos distri- buídos entre a área externa e uma área coberta próxima à entrada, usuários e seus familiares-cuidadores permaneciam aguardando o início das atividades planejadas para o dia. Inicialmente, as planto- nistas se apresentaram e anunciaram a disponibilidade para atendê -los, caso quisessem. A equipe de profi ssionais também apresentou

o trabalho aos usuários como mais uma das possibilidades de aten- dimento disponível. Após algumas semanas, já com conhecimento sobre o serviço de escuta, usuários e familiares passaram a buscar o serviço de escuta espontaneamente e esta se efetivava no próprio pátio, algumas vezes em um recanto mais reservado; em outras, se- melhante à escuta em leito hospitalar, ocorreu ao lado de outras pessoas.

A urgência de atenção e a necessidade de compartilhar o sofri- mento com uma ou mais pessoas parecem ser fatores que orien- tam a busca pela escuta psicológica, seja em local reservado ou em situação grupal. O sofrimento comum aos que buscaram a escuta psicológica, usuários ou cuidadores, possibilitou momentos de es- cuta em grupo, quando os presentes compartilharam experiências, necessidades e alternativas encontradas frente às difi culdades e buscaram apoio mútuo. Em algumas situações, durante a escuta

psicológica em grupo, a intervenção foi direcionada a facilitação da comunicação entre familiares e usuários, possibilitando aos pri- meiros a melhor compreensão sobre as condições e necessidades do usuário. A escuta em grupo ocorreu, na maioria das vezes, na sala de espera e a constituição do grupo se deu de forma espontâ- nea, através de usuários e cuidadores que se integravam aos poucos. Portanto, os grupos eram heterogêneos, abertos e fl uidos.

Para as situações de necessidade de estabelecer um “diálogo” individualizado e reservado com as plantonistas, havia uma sala disponível no fi nal do corredor de entrada do CAPS. Em ambas as condições, em espaço reservado ou em espaço aberto, a escu- ta foi realizada com qualidade e atenção, respeitando os limites e as necessidades de quem a procurava. Encaminhamentos também eram realizados em situações nas quais os profi ssionais da equipe CAPS identifi cavam a necessidade da escuta psicológica. Nestes ca- sos, a escuta psicológica realizava-se individualmente na sala, des- de que fosse manifestada a disponibilidade e interesse da pessoa encaminhada.

Assim, as escutas psicológicas foram realizadas na modalidade individual, em sala reservada ou na recepção próximo a outras pes- soas; e em grupo. Por meio da busca espontânea ou através de enca- minhamentos. Em quaisquer destas, prevaleceu a escolha e desejo das pessoas sobre o modo e o local onde preferiam compartilhar suas necessidades.

Ao longo da realização das atividades do projeto de extensão do serviço de Escuta Psicológica no CAPS, além do treinamento das extensionistas plantonistas e do acompanhamento e supervisão das atividades pela professora coordenadora, três fatores concor- reram para o desenvolvimento efi caz desta proposta: a) a presença de uma psicóloga de referência no CAPS; b) A abertura e o apoio da equipe multiprofi ssional que possibilitou a participação das ex- tensionistas plantonistas nas reuniões entre os profi ssionais e nos grupos e ofi cinas terapêuticas direcionados aos usuários; c) O aces- so aos prontuários dos usuários.

A presença de uma psicóloga do CAPS foi fundamental para dar suporte e orientação às extensionistas em relação à rotina e regras

do Centro de Atenção Psicossocial, dar suporte em alguns procedi- mentos e fomentar informações importantes sobre os usuários. A participação nas reuniões de equipe possibilitou conhecer e dialo- gar sobre as necessidades dos usuários e seus projetos terapêuticos. A inclusão das extensionistas plantonistas nas ofi cinas terapêuti- cas facilitadas por profi ssionais da equipe do CAPS se consolidou como prática relevante para o conhecimento sobre as relações so- ciais, afetivas e familiares e as habilidades e difi culdades pessoais de cada usuário, favorecendo a compreensão mais abrangente so- bre as condições destes. Além disso, a participação das plantonistas nas ofi cinas terapêuticas também se efetivou como um espaço de fortalecimento do vínculo usuário – plantonista. Era comum, ao término de ofi cinas terapêuticas, os usuários buscarem o Plantão de Escuta Psicológica para falar sobre assuntos não expostos du- rante a ofi cina, mas que teriam sido mobilizados durante a mesma. A ampliação do conhecimento das plantonistas sobre os usuá- rios do CAPS se deu através do acesso aos prontuários destes, per- mitindo conhecer o histórico pessoal e familiar, a terapêutica far- macológica e outras informações relevantes.

Sistematizadas as atividades, foi possível atender à necessidade de escuta dos usuários e de seus familiares-cuidadores, cumprindo a meta de viabilizar o desenvolvimento de terapêuticas que favore- çam, em curto prazo, a minimização do sofrimento e atendam a um dos princípios básicos da psicologia da saúde que é o direcionamen- to da ação ao desenvolvimento da saúde humana, e não necessaria- mente a doença ou a “cura” desta (REY, 1997).

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 125-129)