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PERFIL DOS USUÁRIOS DA ESCUTA PSICOLÓGICA NO CAPS

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 129-132)

ESCUTA PSICOLÓGICA NA SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE ACOLHIMENTO NO

PERFIL DOS USUÁRIOS DA ESCUTA PSICOLÓGICA NO CAPS

A Lei 10.216 (BRASIL, 2001), que estabelece os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assis- tencial em saúde mental, em seu Art. 2o, Parágrafo Único, defi ne

como direitos dos portadores de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

interesse exclusivo de benefi ciar sua saúde, visan- do alcançar sua recuperação pela inserção na famí- lia, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração.

Por meio de serviços terapêuticos, como os oferecidos pelo CAPS, a equipe profi ssional busca meios de minimizar o sofrimen- to psíquico de seus usuários e restabelecer as condições favoráveis à inserção social destes. Na mesma direção, considerando que os cuidadores de usuários da saúde mental, neste caso, os acompa- nhantes e familiares, também necessitam de atenção específi ca, os serviços oferecidos pelo CAPS também são direcionados a estes, a fi m de proporcionar-lhes uma melhor condição de saúde e oferecer orientação específi ca para lidar com as necessidades dos usuários- familiares. Assim, coerente com a proposta de assistência em saúde mental, implantada principalmente através dos CAPS, o Plantão de Escuta Psicológica é direcionado tanto aos usuários quanto aos seus acompanhantes.

Em relação aos usuários, é importante o conhecimento das ne- cessidades específi cas de cada um, inclusive daquelas decorrentes da patologia diagnosticada, já que o transtorno psicológico pode provocar disfunções que podem prejudicar ou interromper o fun- cionamento comportamental, cognitivo e emocional do sujeito, ge- rando angústia e diminuindo a capacidade adaptativa deste (BAR- LOW; DURAND, 2008). Embora o foco da intervenção, durante a escuta psicológica, não seja as patologias diagnosticadas ou prová- veis, é importante considerar que pessoas em situação de quadro psicótico, por exemplo, apresentam, como parte da sintomatolo- gia, alucinações, delírios, processos de pensamento perturbados e inundações cognitivas (HOLMES, 1997), e é relevante identifi car os sintomas característicos de determinados quadros clínicos para fi ns de entendimento sobre as reais condições e necessidades de cada pessoa.

Do mesmo modo, é necessário também o conhecimento sobre o uso da medicação prescrita para os usuários e seus efeitos. Em

geral, para a inibição de sintomas psicóticos, a terapêutica medica- mentosa é bastante efi caz. Mas, apesar desta ser também utilizada para a minimização de sintomas negativos, como o embotamento ou rigidez afetiva, isolamento social e desmotivação, os resultados são bem menos evidentes, com variações de acordo com a pessoa e o antipsicótico aplicado. Além disso, é comum a observação de efeitos colaterais como tremores, salivação, sonolência que devem ser também discriminados, para melhor compreensão daquilo que corresponde à sintomatologia do quadro clínico, ao efeito da medi- cação ou consequência de outros fatores (A. P. A., 1995; BRANDÃO; ARAÚJO; MÁXIMO, 2011). Tais considerações são especifi camente relevantes por se tratar de usuários de serviço de saúde mental, na maioria egressa de hospitais psiquiátricos.

A realização de intervenções adequadas às condições de vida de pessoas no contexto da saúde mental requer a compreensão acerca da interação da pessoa com o ambiente, seus vínculos afetivos, a identifi cação dos fatores de risco à saúde física, emocional e social, bem como dos fatores de proteção, os quais estão relacionados a condições geradoras de mudanças positivas nas respostas pesso- ais ao meio. Dentre os usuários do CAPS, uma parcela considerável vive com familiares, participam de atividades terapêuticas com os profi ssionais e se encontram sob acompanhamento psiquiátrico e/ ou psicológico. Alguns apresentam condição para agir de forma au- tônoma na sociedade; tem capacidade de realizar cuidados pessoais sozinhos; apresentam e desenvolvem atividades artísticas, como desenhos, pinturas e artefatos manuais. Contudo, percebe-se a im- portância da ajuda da família para a continuidade do tratamento, bem como de apoio comunitário para que possam ser reinseridos na sociedade como cidadãos de direito.

A efetivação do apoio familiar e comunitário merece mais aten- ção por parte das políticas de saúde mental não apenas por ser fundamental para a inclusão social dos portadores de transtorno mental, mas também pela necessidade de cuidados e de apoio aos familiares dos usuários dos serviços. É comum entre os familiares a percepção de ociosidade na rotina dos usuários do CAPS, em ge- ral, justifi cada por limitações decorrentes do ‘adoecimento’ e pela

não aceitação da sociedade. Mas, a própria família não se encon- tra preparada para lidar com as necessidades do familiar portador de transtorno mental, buscando estratégias para mantê-lo ‘quieto’ como forma de facilitar os cuidados. (MORAES; NASCIMENTO; BRANDÃO, 2015).

O cuidado é um processo que envolve aspectos emocionais, so- ciais e materiais, na relação entre quem cuida e quem recebe os cui- dados. Contudo, a prestação de assistência ao familiar - cuidador por parte das equipes de saúde, em geral, é direcionada a informar sobre o tratamento e cuidados necessários ao usuário, com pouco ou nenhum espaço para ouvir as experiências da família durante o cuidar. Comumente, quem assume a condição de familiar- cuidador são mulheres, não raro com necessidades de cuidados com a pró- pria saúde e que tem sob sua tutela responsabilidades domésticas, outros familiares adoecidos e crianças, caracterizando uma condi- ção de sobrecarga (PEGORARO; CALDANA, 2008). Isso revela a necessidade não só de orientação aos familiares dos usuários de serviços de saúde mental, mas de cuidar dos cuidadores.

Além dos usuários e de seus familiares, não podemos deixar de registrar a necessidade de cuidados destinados aos trabalhadores da saúde mental. Responsabilidades, situações de tensão, cobran- ças de resultados do ‘tratamento’, expectativas relativas aos cuida- dos com os usuários e prevenção aos possíveis riscos à saúde des- tes, estão entre as situações que provocam estresse e geram culpa quando não se obtém o que é esperado. O risco de suicídio, bastan- te elevado entre portadores de transtornos mentais, constitui um dos fatores que causa medo, culpa e sofrimento entre os profi ssio- nais de saúde mental, haja vista a falta de preparo para lidar com a perda da vida (MOURA; BRANDÃO, 2014). As situações adversas emergentes no cotidiano de um CAPS apontam a necessidade de suporte técnico e emocional sistemáticos aos profi ssionais.

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 129-132)