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CARACTERÍSTICAS DO PLANTÃO DE ESCUTA PSICOLÓGICA: PROMOVENDO SAÚDE ATRAVÉS DO

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 119-125)

ESCUTA PSICOLÓGICA NA SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE ACOLHIMENTO NO

CARACTERÍSTICAS DO PLANTÃO DE ESCUTA PSICOLÓGICA: PROMOVENDO SAÚDE ATRAVÉS DO

ACOLHIMENTO

O Plantão Psicológico é pensado e praticado, basicamente, como um modo de acolher e responder a demandas por ajuda psicológi- ca, disponibilizando àquele que o procura um tempo e um espaço de escuta abertos à diversidade e à pluralidade dessas demandas. Acolher, nesse contexto, refere-se à atenção para a experiência do cliente no momento em que procura ajuda e não, necessariamente, a queixa ou problema. O modo como a pessoa vive a queixa, os re- cursos subjetivos e do entorno sociopsicológico de que dispõe para cuidar de seu sofrimento e as expectativas e perspectivas que se apresentam a partir da busca de auxílio são os aspectos centrais fo- cados durante a Escuta Psicológica (SCHMIDT, 2004; YEHIA, 2004). A escuta, meio pelo qual a prática de plantão psicológico se efe- tiva, é compreendida como aquilo que dá sentido. É na relação com o outro que o sentido se constitui, pouco a pouco, de modo

transitório, no encontro aqui-agora. A escuta aqui, entendida como forma de cuidado, possibilita ao homem cuidar de si e reconfi gurar a sua forma de ser no mundo através da relação que este estabelece consigo e com o mundo, constituindo as bases para a própria exis- tência. De acordo com Lima, Yehia e Morato (2012, p. 190):

(...) a Escuta propicia abertura de possibilidades para que os sujeitos encontrem uma morada viável e mais apropriada para seu modo de ser no mundo, dispondo de elementos da cultura e dos seus pró- prios questionamentos existenciais.

Neste sentido, entende-se que escuta e fala encontram-se indis- sociáveis e, por meio desta última, o homem se revela, para si e para o outro, evidenciando sua cultura, seus costumes e crenças, sua for- ma de ser. Portanto, torna-se inegável o comprometimento social das práticas de base fenomenológico-existencial (YEHIA, 2004), haja vista a busca da compreensão do homem em interação, na re- lação e na produção de conhecimentos sobre si e sobre seu mundo.

Os princípios fenomenológicos – existenciais subjantes à práti- ca da escuta psicológica, bem como os objetivos desta modalidade de intervenção clínica se coadunam com perspectivas teórico-me- todológicas que compreendem a saúde humana não apenas a partir da ausência de doenças, mas por meio da avaliação do bem-estar, das possibilidades de mudanças, das relações estabelecidas com o meio, da busca da autonomia, enfi m, do movimento em direção ao crescimento e ao bem-estar físico, psíquico e social por meio de recursos pessoais e subjetivos. Assim, é necessário que se compre- enda a saúde como um processo de constante revelação da qualida- de do desenvolvimento do sistema como um todo, considerando, desta forma, tanto os elementos biológicos, quanto os subjetivos e sociais (REY, 1997). Em sua defi nição de saúde, Augras (1986) con- templa os aspectos acima mencionados e acrescenta que:

A saúde não é um estado, mas um processo, no qual o organismo vai se atualizando conjuntamente

com o mundo, transformando-o e atribuindo-lhe signifi cado à medida que ele próprio se transforma. Melhor seria falar de um processo de construção mútua, pois indivíduo e mundo, organismo e meio coexistem necessariamente. “Desse ponto de vis- ta, o organismo aparece como um ser em “ordem”, o seu signifi cado aparece como sendo o seu ser, a sua atualização, que vai juntamente com a conquista, isto é, a inclusão do mundo e a sua transformação (AUGRAS, 1986, p.11, grifo nosso).

Nesta direção e numa perspectiva assaz, diferente de uma visão tradicional de psicologia clínica pautada na análise estrutural da personalidade e de aspectos psicopatológicos do indivíduo, o Plan- tão de Escuta Psicológica tem como foco a atuação de base preven- tiva (PALMIERI; CURY, 2007) e, pelas características geradoras de bem-estar, também pode ser considerada como uma intervenção que promove saúde, já que, na prática, se aproxima da defi nição de promoção da saúde postulada por Leavell e Clarck (1976, apud CZE- RESNIA, 2003, p.45), que defi nem a promoção da saúde como “me- didas que ‘não se dirigem a uma determinada doença ou desordem, mas servem para aumentar a saúde e o bem-estar gerais’” (Grifo dos autores).

Através da compreensão do homem em situação de enfrenta- mento de difi culdades, a atividade no Plantão de Escuta Psicológica visa minimizar o sofrimento psíquico e ampliar as possibilidades da pessoa para lidar com as queixas apresentadas. Assim, o Plantão de Escuta Psicológica se insere em uma modalidade de intervenção clínica que rompe com as amarras do atendimento clínico tradicio- nal, norteado pelo estabelecimento de regras que incluem a conti- nuidade sequencial dos atendimentos, em geral, em longo prazo. Ao contrário, durante a Escuta Psicológica, a direção da interven- ção é o momento e as necessidades atuais de quem procura o servi- ço, podendo a intervenção ocorrer em apenas um encontro, sem a obrigatoriedade de continuidade. Outros encontros para a realiza- ção da escuta psicológica poderão ocorrer caso o usuário necessite

e deseje buscar o serviço. Desse modo, a ação do plantonista, seja ele estudante ou profi ssional de psicologia, se sobrepõe a possíveis quadros psicopatológicos (MAHFOUD, 1987). Apesar destes não serem negligenciados, o foco da intervenção é a compreensão sobre o modo como o usuário do serviço se relaciona com suas queixas. Assim, a escuta psicológica tem a fi nalidade de acolher a pessoa e escutá-la buscando compreendê-la no seio de suas experiências. O sentimento de compreensão contribui para a minimização do so- frimento psíquico e, consequentemente, também facilita naquele que busca o serviço de escuta psicológica a avaliação e compreen- são (ainda que parciais) sobre suas vivências, possibilitando uma refl exão mais clara acerca dos confl itos presentes. Os princípios da promoção da saúde direcionados à transformação de processos indi- viduais de tomada de decisão favoráveis à saúde, qualidade de vida e condições de bem-estar (CZERESNIA, 2003) coadunam-se com a proposta da escuta psicológica, que busca fomentar a melhoria das condições psi dos usuários dos Serviços de Escuta Psicológica através de uma relação pautada no cuidado.

O acolhimento e o cuidado durante a escuta terapêutica delineiam a atividade de Plantão de Escuta Psicológica possibilitando a mini- mização do sofrimento àquele que se utiliza do serviço. Entretanto, para que ocorra a diminuição da tensão e dos confl itos emergentes e geradores de angústia é importante que o usuário do Plantão de Escuta Psicológica se sinta acompanhado e compreendido, sem ser julgado ou discriminado por seus atos e sentimentos. Assim, são necessários a atenção, o respeito e a confi ança na relação com o profi ssional que exerce tal função, a fi m de facilitar o usuário no contato com suas experiências e na ampliação de uma percepção de si mais integrada (ANDRADE, 2002; CAUTELA JR, 1999). A clarifi - cação do quadro perceptual possibilita àquele que usufrui da Escuta Psicológica uma visão mais nítida e abrangente sobre si e sobre as possibilidades e estratégias de ação diante da questão-problema vi- venciada (TASSINARI, 2012).

As únicas condições necessárias por parte dos usuários para usufruto desta modalidade de intervenção é que haja demanda para compartilhar com o profi ssional/ estudante de psicologia em

exercício, podendo esta ser caracterizada pela expressão verbal ou por outras formas de comunicação, como o choro e até mesmo o silêncio. Quaisquer que sejam as formas de comunicação estabe- lecidas nesta situação, o mais importante é que o usuário esteja em condições emocionais e psíquicas de estabelecer um contato interpessoal e dele tirar proveito. Para tanto, é fundamental que o plantonista tenha disponibilidade para acolher e acompanhar a ex- periência do outro e não apenas seu sintoma; esteja disposto para atuar de modo diferenciado das psicoterapias tradicionais; esteja isento de preconceitos, valores e padrões discriminatórios que re- dundem em julgamentos em relação ao usuário; tenha uma escuta profunda, aguçada, centrada na experiência do outro; estabeleça uma relação profi ssional ética e que inspire confi ança; não ofereça caminhos, conselhos ou dirija as escolhas do usuário; esteja cons- ciente das suas próprias difi culdades, confl itos e questões não (mal) resolvidas buscando evitar que estas últimas interfi ram negativa- mente na relação com o outro e nas suas intervenções (CAUTELA JR, 1999; MAHFOUD, 1999).

Assim, a intervenção durante o Plantão de Escuta Psicológica tem como base a escuta profunda, ou seja, o psicólogo deve escu- tar, ao invés de apenas ouvir sensorialmente. A capacidade de ouvir sensorialmente poderá estar limitada à captação de sons emitidos, enquanto que escutar envolve a ampla compreensão dos signifi ca- dos e a aceitação da experiência do outro. Compreensão e aceitação são constituintes da escuta profunda, portanto, o foco é a percep- ção do usuário do serviço sobre suas próprias experiências, visando identifi car o modo como este se sente e se situa no mundo. Nesta perspectiva, aceitar não signifi ca concordar, pois o primeiro remete a capacidade compreender o signifi cado das situações e sentimen- tos compartilhados pelo usuário independentemente da veracida- de factual, ou não, e das diferenças entre os pontos de vista das pes- soas que se encontram na relação durante a escuta. Concordar, por outro lado, refere-se à convergência de opiniões entre duas ou mais pessoas, em geral, pautadas em valores e crenças comuns a ambos. Assim, com base nos conteúdos captados e signifi cados nesta rela- ção, o platonista deve intervir indicando que está acompanhando

a fala, os sentimentos, a experiência ampla do usuário durante a escuta, auxiliando-o na clarifi cação dos sentimentos comunicados.

Concomitante a atividade de escuta profunda, cabe ao profi ssio- nal identifi car, orientar e, se for o caso, o encaminhamento do usuá- rio para outros profi ssionais, para atendimento em outros serviços de saúde, ou para uma psicoterapia convencional Para tanto, se faz necessário ter disponíveis as informações sobre serviços de saúde na região e que poderão ser úteis às necessidades dos usuários. Ex- clui-se, aqui, a emissão de opiniões pessoais, conselhos ou suges- tões sobre as questões abordadas durante a escuta (MAHFOUD, 1987; 1999).

Assim caracterizado, o Serviço de Plantão de Escuta Psicológica, quando exercido por estagiários e extensionistas de psicologia, além de cumprir com seus objetivos terapêuticos também representa um canal de interlocução entre a universidade e a sociedade, possi- bilitando aos professores e estudantes o contato direto com as de- mandas da comunidade. Isso permite pesquisar, planejar e oferecer serviços coerentes com as necessidades sociais, articulando ensino, pesquisa e extensão; avaliar a relevância dos conhecimentos produ- zidos pela e na universidade e fomentar a refl exão sobre o papel da universidade pública na sociedade brasileira. Dessa forma, conside- rando a viabilidade de implantação do Serviço de Plantão de Escuta Psicológica nas mais diversas instituições (clínicas, hospitais, pos- tos de saúde, escolas, universidades, empresas, programas de assis- tência social e de saúde, etc.), este se consolida como um serviço de atendimento de urgência que se constitui como via de mão dupla en- tre universidade e sociedade, já que a primeira através da produção e aplicação de seus conhecimentos serve à sociedade e esta última gera informações que possibilitam avaliar a produção da universida- de. Nesta direção, Schmidt (2004), em sua refl exão sobre a atividade de Plantão de Escuta Psicológicae universidade pública, destaca que: (...) o Plantão Psicológico é, também, uma forma de consubstanciar a crítica a uma mentalidade que concebe a clínica-escola como lugar de treino e de aplicação de modelos e técnicas psicológicos

consagrados e que adere a uma intensa insti- tucionalização e burocratização das formas de transmissão do saber, bem como das práticas de atendimento, e, na qual, anula-se o espírito de investigação. Esse contraponto crítico tem como base, justamente, a inclusão do espírito investiga- tivo e a pesquisa como mediações fundamentais na articulação entre formação e prestação de ser- viços à comunidade. A prática do Plantão Psicoló- gico tem como uma de suas metas a constituição da clínica-escola como lugar de criação e invenção (SCHMIDT, 2004, p.19).

Assim, no exercício desta intervenção psicológica, estudantes e professores também atualizam seus conhecimentos sobre os ser- viços existentes na comunidade, as demandas emergentes e a ne- cessidade de criar e recriar estratégias de acesso à comunidade aos serviços e de atenção e cuidados com a população.

IMPLANTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO PLANTÃO DE

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 119-125)