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REFORMA PSIQUIÁTRICA E REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 148-151)

BEM-ESTAR SUBJETIVO DE IDOSOS EM SOFRIMENTO PSÍQUICO

REFORMA PSIQUIÁTRICA E REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

Ao longo dos séculos XV ao XX, do Renascimento à Modernidade, o fenômeno da loucura foi percebido e representado de maneiras diferenciadas. Foucault escreve sua obra História da Loucura em 1961 e relata que, no período renascentista, por não ser considerada

doença, a loucura não era abordada pela medicina. Na literatura, teatro, iconografi a e nas artes em geral, a loucura era representada de forma enigmática, relacionada a um saber proibido e, muitas ve- zes, vista como a substituição da própria morte. Essa liberdade de expressão facilitaria o desenvolvimento de um “tratamento” para a loucura (FOUCAULT, 2005).

Somente a partir do século XVII, Era Clássica, a loucura passa a se contrapor à razão e a ser associada aos internamentos em hospi- tais, os quais não apenas ofereciam o tratamento médico, mas de- tinham o direito sobre os loucos, julgando-os e decidindo por eles quando necessário. Tais estabelecimentos passaram a ser local de reclusão de todos os marginalizados, constituindo numa forma de repressão dos socialmente excluídos.

Nesse contexto, são inaugurados hospitais especialmente para loucos (asilos) e a loucura passa a ser considerada uma doença mental. Pinel (1798 apud FOUCAULT, 2005) propõe a separação dos doentes em lugares mais apropriados e seus devidos cuidados medicamentosos. Com esse advento, tem-se a primeira “revolução” psiquiátrica (FOUCAULT, 2005). O Século XIX passa a ser conside- rado o século dos manicômios como consequência da grande quan- tidade de hospitais que foram construídos para os doentes mentais (CAMARGO, 2003).

Como alternativa à realidade das internações de longo prazo, faz-se necessário se deter um pouco na contribuição de Goff man (1961). Este autor apresenta seu estudo sobre a vida em “institui- ções totais” - expressão criada pelo autor para referir-se a lugares onde os indivíduos eram isolados da sociedade, como hospitais psi- quiátricos, mosteiros, algumas escolas internas, entre outros.

Uma instituição total pode ser defi nida como um local de residência e trabalho onde um grande nú- mero de indivíduos com a situação semelhante, se- parados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e for- malmente administrada (GOFFMAN, 1961, p.11).

No Brasil, na década de 70, o modelo hospitalocêntrico ainda estava em plena expansão, motivado em parte pela rede privada de atendimento dessa natureza. Entretanto, nessa mesma década, acontece o surgimento dos primeiros clamores de indignação com os serviços oferecidos às pessoas com transtorno mental e questio- namentos sobre as implicações pessoais e sociais que a hospitaliza- ção acarretava aos pacientes e familiares.

A visita de Franco Basaglia ao Brasil, em 1979, fortaleceu as dis- cussões sobre a construção de um novo modelo psiquiátrico, no país, para as pessoas com transtornos mentais e que fosse capaz de prepará-las para a ressocialização. O pensamento e experiência de Basaglia infl uencia a Reforma Psiquiátrica brasileira, e o seu percurso foi conduzido pelo lema de “uma sociedade sem manicô- mios”. Sendo assim, a reabilitação psicossocial brasileira e os servi- ços substitutivos surgem como uma forma de substituir o antigo modelo manicomial (ROTELLI, 1994; PITTA, 2001; AMARANTE, 2008).

Segundo Amarante (1996), Basaglia teve grande infl uência so- bre o projeto de Reforma Psiquiátrica brasileira com sua crítica sagaz ao saber psiquiátrico e a problematização da função social exercida pela psiquiatria moderna. Sob a infl uência de suas ideias, o movimento brasileiro foi socializado, deixando de se restringir ao coletivo dos profi ssionais de saúde mental. O autor destaca, ainda, a grande contribuição dada por Basaglia ao conceito de desinstitu- cionalização que vigorou enquanto uma “desconstrução”, diferen- temente de mera “desospitalização” ou “desassistência”. Entende- se que na desinstitucionalização ocorre a substituição do hospital por uma rede de assistência, capaz de oferecer os aparatos de cui- dados necessários através de serviços substitutivos inseridos na comunidade (SOUZA; EULÁLIO, 2011).

A partir da promulgação da lei 10.216/2001, consolidaram-se os princípios, diretrizes e estratégias da Reforma Psiquiátrica como políticas governamentais. Com a legitimação dessa proposta, os Centros de Apoio Psicossociais (CAPS) foram reconhecidos como alternativa ao modelo de assistência em vigor na época, incluindo a construção de uma política de saúde mental para os usuários de

álcool e outras drogas, e situando o controle da sociedade como a garantia desse avanço (BRASIL, 2005). Assim, os CAPS tornaram- se um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais qua- dros cuja severidade e/ou persistência justifi quem sua permanên- cia num dispositivo de cuidado intensivo e comunitário.

Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), residências tera- pêuticas ou simplesmente moradias, são casas localizadas no espa- ço urbano e se apresentam como outro importante dispositivo da Reforma Psiquiátrica que surgiu em resposta a uma questão ine- rente à intenção de desmanicomialização do atendimento psiqui- átrico no Brasil: para onde encaminhar portadores de transtornos graves, carentes de condições de moradia mais dignas e que não dispunham de apoio social? Nesse sentido, os SRT se constituíram em oportunidades de moradia para usuários com longo histórico de internações em Hospitais Psiquiátricos (superior a 2 anos) e com registro de perda dos vínculos familiares. Os SRT também recebem moradores de rua portadores de transtornos mentais usuários do CAPS e egressos de Hospitais Psiquiátricos Judiciais (BRASIL, 2004).

Dentre os diversos transtornos que afetam os idosos, a saúde mental merece especial atenção. É sabido que as desordens men- tais comprometem 20% da população idosa, entre as quais se des- tacam a demência e a depressão como prevalentes (BENEDETTI; BORGES; PETROSKI, 2008). Outros estudos afi rmam outro dado importante: aproximadamente um em cada seis idosos apresenta uma história de doença mental (MAIA; DURANTE; RAMOS, 2004).

No documento Saúde mental: saberes e fazeres (páginas 148-151)