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A inter-relação entre raça e racismo na Saúde

No documento Diamantina 2022 (páginas 45-49)

4 RAÇA, RACISMO E OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE

4.1 A inter-relação entre raça e racismo na Saúde

Ao longo dos anos, os temas raça e racismo foram objetos de pesquisa de alguns autores e, hoje, há um conteúdo significativo contendo definições sobre o assunto. Desse modo, com o objetivo de ampliar o entendimento sobre a temática das questões raciais, serão apresentados alguns conceitos que se destacam na literatura e melhor atendem aos objetivos da nossa pesquisa.

A partir da reflexão de que os profissionais de saúde precisam estar adequadamente habilitados para a qualidade técnica e humana no atendimento à população negra e aos demais grupos que possuem diversidade étnica, racial, para que ocorra um atendimento próprio e específico às demandas apresentadas pelo indivíduo.

Para o antropólogo Kabele Munanga (2004), não é fácil definir quem é negro no Brasil. Visto que historicamente foi desenvolvido em nossa sociedade um conceito de branquitude social que alinhado a uma ideologia de democracia racial definem as relações sociais que vivemos atualmente. Segundo Munanga (2004), os conceitos de negro e branco possuem um fundamento étnico-semântico, político e ideológico, mas não um conteúdo biológico.

Nessa perspectiva, o autor apresenta uma concepção instigante sobre a discriminação social, que ao dar destaque à palavra social, nos traz um incômodo quando afirmam que a questão do negro é uma questão social e não racial.

Para Monteiro (2016), é preciso considerar dentre outras questões, a raça/etnia no enfrentamento dos motivos que produzem e reproduzem as desigualdades sociais. O

reconhecimento do racismo como um dos determinantes sociais de saúde se apresenta como um dos desafios da Saúde Pública.

O autor afirma que dentro do processo de reconhecimento dos determinantes sociais de saúde, que constituem os desafios da saúde pública, é preciso que considerem dentre outras questões a raça e etnia no enfrentamento das razões que determinam a produção e reprodução das desigualdades sociais em nosso país. Tendo como busca, reconhecer esse processo à luz de alguns autores.

A autora Nancy Krieger (2001), introduziu um elemento de intervenção ao definir como os fatores e mecanismos por meio das condições sociais que afetam a saúde, podem ser alterados por ações baseadas em informações. Para a autora, a discriminação praticada contra determinados grupos étnicos é um meio de expressar e institucionalizar as relações sociais de dominação e repressão. Verifica-se que não há nenhuma sustentação científica para a noção de raça. Biologicamente raça é sinônimo de uma divisão dentro de uma mesma espécie. Para os humanos, o termo aparece como uma construção ideológica relacionada a uma crença dominante de inferioridade inata de certos grupos como judeus, ciganos, indígenas, negros e imigrantes. Assim, a noção de raça e etnia é uma construção sociopolítica.

Assim, ao identificar a raça ou a etnia como uma dimensão própria para a estratificação social, reconhece-se que raça é um importante determinante dos processos de reprodução social que está condicionado à qualidade nos acessos a bens e serviços.

Por isso, é importante o reconhecimento de que raça é um constructo social e não biológico, e possui relevância na diversidade dentro de grupos sociais, considerando a associação entre raça e classe social perpetuada pelo racismo institucional.

Em pesquisas desenvolvidas sobre as desigualdades sociais em saúde, as desigualdades raciais ou étnicas são atribuídas inicialmente às diferentes condições socioeconômicas ou a valores culturais, o que promove uma pior inserção desses grupos na sociedade. Entretanto, mesmo após controlar os efeitos da variável econômica, as diferenças ainda permanecem, demonstrando que o efeito independente do pertencimento a determinado grupo étnico ou racial pode ter sobre o processo de saúde.

Frequentemente as diferenças entre grupos sociais quando apresentadas estão fortemente ligadas às condições socioeconômicas. Sendo assim, na maioria dos estudos e das pesquisas sobre desigualdades sociais, consta que o efeito da raça sobressai mesmo após controlar os aspectos e variáveis econômicos.

O Brasil é considerado uma das nações com os mais altos índices de desigualdade econômica no mundo. A população negra no país consideravelmente e sistematicamente

possui maior desvantagem social. Visto que, a concentração desta população é maior nas regiões mais pobres, seu nível de desenvolvimento social é inferior comparado ao da população em geral, o acesso ao saneamento básico, à educação, aos postos de trabalho formais também são menores.

De acordo com as palavras de Krieger (2001), pesquisas sobre discriminação e saúde colaboram na evidenciação do modo como os corpos ou organismos vivos incorporam o mundo no qual vivem, revelando padrões de saúde, doença, incapacidade e morte.

Esse pensamento é reforçado ao movimentar o setor de saúde nessa direção, reconhecendo que a discriminação constitui questão relevante com a qual os profissionais de saúde, gestores e acadêmicos da área devem lidar, além da população e outros setores da sociedade de modo mais amplo (BASTOS et al., 2012, p. 50).

O racismo faz mal para toda a sociedade, uma vez que uma sociedade racista acaba por reproduzir discriminação em toda a estrutura social, limitando e restringindo o desenvolvimento econômico e social de toda a sociedade.

Conforme visto, o racismo refere-se a uma ideologia social que inferioriza um indivíduo ou grupo de indivíduos, em geral usada para justificar o tratamento diferencial dado a membros de grupos raciais ou étnicos, de forma individual ou coletiva.

Para a autora Rita Barata, o termo racismo refere-se a uma ideologia social de inferioridade, que é usada para justificar o tratamento diferenciado concedido a membros de grupos sociais ou étnicos, por indivíduos e instituições, usualmente acompanhadas por atitudes negativas de depreciação com relação a esses grupos (BARATA, 2009, p. 65).

Visto que, a discriminação racial ou étnica é um fenômeno estruturado e sancionado socialmente, justificado por ideologia e expresso por meio de interações entre indivíduos e instituições.

Segundo o autor Almeida, em sua obra: “Racismo Estrutural” (2018), o racismo não é um ato ou um conjunto de atos e, tampouco, se resume a um fenômeno restrito às práticas institucionais; é, sobretudo um processo histórico e político que perpassa por várias dimensões: histórica, política, ideológica, econômica, jurídica. Diante da afirmação do autor, é possível compreender sobre a importância de pesquisar as relações étnico-raciais e Saúde da população negra nos processos de formação dos profissionais de saúde, com o objetivo de promover uma educação antirracista e reduzir as desigualdades sociais.

Nesse viés, percebe-se que existem vários conceitos sobre o racismo, mas Almeida (2018), em seu livro “Racismo Estrutural”, provoca reflexões sobre os conceitos de racismo como um elemento estruturador das relações sociais. De acordo com o autor, não

existe racismo que não seja estrutural, dado que esse processo está enraizado na formação da nossa sociedade formalizada por meio de práticas institucionais, culturais, históricas que hierarquizam os indivíduos a partir dos grupos social e étnico a que pertencem. A Organização Mundial de Saúde (OMS) concebe o racismo como um dos determinantes sociais de saúde.

Deste modo, tem-se a definição de Racismo institucional como:

Fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas devido a sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo estado e por demais instituições e organizações (DFID, 2007, p. 22)

Refletindo assim, o racismo institucional é considerado como a maior barreira de acesso ao SUS e pode ser visto, detectado em processos, atitudes e comportamentos que totalizaram em preconceitos e desvantagem a essas pessoas. Ele é capaz de ocorrer em órgãos públicos, governamentais, corporações e empresas privadas, instituições públicas, particulares, universidades.

O racismo institucional é compreendido como fracasso coletivo de uma organização para prover um serviço apropriado e profissional para as pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica

[...] detectado em processos, atitudes e comportamentos que totalizam em discriminação por preconceito involuntário, ignorância, negligência e estereótipo racista, que causam desvantagens a pessoas de minoria étnica. A prática do racismo institucional na área da saúde afeta preponderantemente as populações negra e indígena [...] (KALCKMANN et al., 2007, p. 146)

A ideologia da democracia racial formulada nos anos de 1930 tornou-se uma grande dificuldade, pois se destaca que ocorreu uma ilusória noção de mestiçagem, com uma marca de harmonia em torno de uma visão no qual somos todos iguais. Para Munanga (2004), trata-se de uma ideia de que os negros foram misturados na origem e hoje não são, nem pretos, nem brancos, mas, sim, miscigenados, um povo mestiço. Essa compreensão fragiliza e dificulta a noção de identidade racial étnica e as reais necessidades de cada segmento populacional.

Segundo Batista e Gonçalves (2011), a falsa ideologia da democracia racial ainda prevalece a invisibilidade do racismo e, consequentemente, as doenças que atingem de forma mais específica esse coletivo, dificultando o acesso aos serviços de saúde, assim, como a

qualidade da atenção à saúde tem sido determinante nos perfis de adoecimento e morte dos afrodescendentes.

De acordo com Tavares, Oliveira e Lages (2013), as necessidades de saúde da população negra no Brasil estão demarcadas desde a estruturação do SUS e também na PNSIPN, que reconhece a relação entre racismo e vulnerabilidade em saúde, apontando o racismo institucional na produção de cuidado e da necessidade de construção de ações.

Essa situação se explicita quando se analisa a diversidade a partir do critério cor da pele, assim as populações de pele preta e /ou parda (pretos), vivem em piores condições de vida e saúde quando comparados às populações de cor branca (PAIXÃO; CARVANO, 2008).

Ressalta aqui que se vivencia constantemente em uma sociedade imersa em relações racializadas, internalizadas nas raízes sociais, culturais e históricas, e negadas por meio do mito da democracia racial. Os efeitos dessas relações promovem uma ação em toda sociedade, pois dificultam o desenvolvimento da emancipação de negros e pardos e são um dos maiores determinantes das diferenças sócio-históricas e os reflexos na vida e na saúde da população negra.

Conforme afirma Barata (2009), quando se diz que as desigualdades sociais em saúde podem manifestar-se de várias formas, tanto no processo de saúde e de doenças em si, como no acesso e utilização de serviços de saúde, percebe-se que as desigualdades no estado de saúde estão de modo geral, fortemente atreladas à organização social e tendem a refletir o grau de iniquidade existente em cada sociedade.

Para elucidar apresenta-se Werneck que informa:

As desigualdades em saúde, associadas aos determinantes socioeconômicos, culturais e históricos, ampliam negativamente nas condições de saúde, revelando que o impacto nas más condições de vida, em grande parte, tem raízes no racismo porque ele é estruturante, e de forma direta influenciam nas condições de saúde desse segmento populacional de forma iníqua. (WERNECK, 2016, p. 42)

No documento Diamantina 2022 (páginas 45-49)