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A interação do professor com os estudantes

2 OS FUNDAMENTOS DA TESE: LUZES PARA PODER VER MAIS LONGE

2.4 A PESSOA DO PROFESSOR

2.4.1 A interação do professor com os estudantes

"Entre quem ensina e quem aprende abre-se um campo de produção de diferenças, pois cada um de nós tem uma modalidade de aprendizagem, um idioma próprio para tomar do outro e fazê-lo seu.” (Alicia Fernández)

Conforme Lech (2007), entre as importantes interações sociais que ocorrem na vida das pessoas, encontram-se as que são vivenciadas no espaço escolar. Dessas interações depende em

grande parte o sucesso do processo educacional, pois, para aprender, é necessário que haja um ambiente adequado, constituído por um marco de relações em que predominem a aceitação, a confiança, o respeito mútuo de ambos os lados. Nesse sentido, Coll e Miras (1996, p. 266) defendem que:

Se quisermos compreender por que uma pessoa se comporta de tal forma em sua relação com outra, não basta apenas observar o comportamento da segunda com relação à primeira, mas é necessário, além disso, ter em conta a maneira como esse comportamento é percebido e interpretado, e reciprocamente, o comportamento da segunda com relação à primeira não depende unicamente do comportamento dessa última, mas da maneira como esse comportamento é percebido por ela.

De acordo com Piletti (1988), por interação social entende-se o processo de influência mútua que as pessoas exercem entre si, estabelecendo um vínculo entre elas. Nesse mesmo sentido, Capra (1982) assevera que o entrelaçamento de ritmos entre os sujeitos parece ser responsável por essa vinculação. O vínculo na relação professor e estudante, mais do que ser pautado pelas ações que um dirige ao outro, é afetado pelas ideias que um tem do outro, ou seja, pelas representações mútuas entre estudantes e professores. Assim, essa interação não pode ser reduzida ao processo cognitivo de construção de conhecimento, mas envolve, acima de tudo, dimensões afetivas e motivacionais que podem levar às aprendizagens significativas como a de estar consciente sobre o mundo.

Perrenoud (2001, p. 81) afirma que a tomada de consciência sobre o mundo não é algo passível de ser ensinada, pois “pertence ao âmbito das relações internalizadas, entre as quais estão as competências, bem como uma relação reflexiva com o mundo e com o saber, a curiosidade, o olhar distanciado, as atitudes e a vontade de compreender.” Nesse sentido, a interação do professor e dos seus estudantes pode ser, pela simples convivência, uma relação de trocas e de mútua aprendizagem.

Os estudantes despertam emoções em seus mestres e vice-versa. Conforme as reações de cada um a esses sentimentos, ocorrem novos comportamentos que se retroalimentam (BÖCK, 1996). As pessoas despertam e reagem de diferentes formas ante diferentes pessoas. Capra (1982, p. 262) expõe a mesma ideia:

O funcionamento dos organismos é guiado por modelos cíclicos de informação, conhecidos por laços de realimentação (feed-back loops). Por exemplo, o componente A pode afetar o componente B; b pode afetar C; e C pode “realimentar” A e assim fechar o circuito. Quando tal sistema sofre uma avaria, essa é causada por múltiplos fatores que podem ampliar-se reciprocamente através de laços interdependentes de realimentação. De modo geral, é irrelevante saber qual desses fatores foi a causa inicial do colapso.

Para compreender essa delicada relação entre professor e estudante, é necessário ter conhecimentos sobre os fundamentos psicológicos. De acordo com Enderle (1987, p. 105), os fundamentos dessa relação não estão somente nas relações escolares: “antes da entrada na escola estão definidos os vínculos aprendidos no seio da família, os quais são apenas transferidos para a situação escolar. A família fornece a matriz das relações com os outros grupos.”

Muitas vezes, é difícil para o professor entender que os comportamentos inadequados que um estudante lhe dirige podem ser resultados de projeções e transferências. Ocorre que, naquele momento, ele pode estar representando outra pessoa ou, até mesmo, uma situação que desperta fortes sentimentos de revolta no estudante. A esse tipo de reação, Freud (2014) denominou “processo de transferência”. Nesse processo, os desejos e os instintos inconscientes atualizam-se sobre determinados objetos, no quadro de certo tipo de relação estabelecida com eles, repetindo protótipos infantis vividos com uma sensação de atualidade acentuada.

Essa imbricada relação provoca fortes sentimentos em ambos os lados. O professor, por exemplo, não é neutro, nem é um ser sem sentimento, frio e distante. Tal como qualquer pessoa, tem simpatias, antipatias, amor, ódio, medo, timidez, etc. O tipo de sentimentos e de reações do professor também depende de suas experiências anteriores e, em grande parte, da maneira como ele percebe os estudantes. Portanto, convém que ele tenha consciência de que suas percepções podem dificultar o processo educacional e, ao mesmo tempo, ser modificadas.

Piletti (1988) salienta que há pessoas das quais se tende a aproximar-se e outras das quais se procura afastar. No entanto, as pessoas que produzem afastamento, para alguns, podem provocar aproximação com outras pessoas e vice-versa. São as percepções e as representações que temos que influenciam na forma do relacionamento com elas. Da mesma forma, um estudante displicente e desinteressado na aula de um professor pode mostrar-se dedicado e interessado na aula de outro. É importante lembrar também que o estudante chega à escola na posição de aprendiz e, nessa condição, tem o direito de errar e, com a ajuda do professor, fazer de novo e acertar.

Para Maturana (1998), aceitar os comportamentos difíceis dos estudantes requer uma capacidade de amor e de aceitação muito grande, que começa pela própria aceitação de si. Na relação entre ambos, não deve haver negação nem castigos; nesse convívio, ambos se fazem de forma espontânea, recíproca e progressiva, mais congruentes em seus modos de viver.

Casassus (2009, p. 214) aponta que o sucesso do processo educacional também resulta das relações que são construídas entre professores e estudantes. O autor defende que as relações estabelecidas na escola e na sala de aula determinam, muitas vezes, a qualidade da

aprendizagem. Assim, o trabalho que o professor tem a desempenhar é tanto cognitivo quanto afetivo.

a compreensão emocional que surge quando os professores estabelecem vínculos com os alunos e fazem desses vínculos o suporte da aprendizagem cria condições propícias para a aprendizagem e para resultados acadêmicos de alto nível, gera sentimentos de satisfação e bem-estar profissional nos professores, transforma a tarefa educativa numa aventura comum, vitaliza os fazeres do ensinar. (CASASSUS, 2009, p. 214). Cabe ao professor, em sua relação com o estudante, encarregar-se de oferecer um modelo de relacionamento humano que deve estar baseado na sua capacidade de compreensão e aceitação do outro. Nóvoa (2003) espera, ainda, que os professores ajudem a restaurar os valores, a estabelecer com os jovens as regras da vida social, a combater a violência, a evitar as drogas, a resolver as questões de sexualidade, etc. Para isso, precisam estar conscientes de que só poderão contribuir e que, dificilmente, resolverão os problemas sem considerar os obstáculos do contexto social.

Conforme Eizirik (2001), a ausência de relação e a pobreza da interação são alguns dos problemas que mais fragilizam a escola atual. Isso faz com que ocorra uma coisificação da sala de aula, o que pode ser entendido como uma aula em que não existem sujeitos. Desse modo, podemos considerar que a falta de qualidade no ensino, além de inúmeras razões, também pode estar associada à forma como o professor desenvolve sua prática docente. Apesar de ele se apresentar em posição de destaque em relação ao estudante, o processo educacional é bidirecional, pois os sujeitos nele envolvidos influenciam ao mesmo tempo em que estão sendo influenciados.

As habilidades de relacionamento interpessoal devem ser constantemente aprimoradas; afinal, um estudante não aprende civismo somente em uma aula, mas em uma escola que pratica justiça, tolerância, equidade e generosidade. Para tanto, estudante e professor devem ser estimulados em todos os momentos, de forma que possam desenvolver-se para além de suas capacidades já desenvolvidas, aperfeiçoando a capacidade de aceitar o outro, mesmo com suas diferenças.

No processo educacional, a reciprocidade de sentimentos entre o professor e o estudante é fundamental. O professor motiva o estudante ou o estudante motiva o professor? O desejo real do professor de que o seu estudante aprenda e se torne consciente da realidade pode favorecer esse processo. Assim, a capacidade de incentivar os estudantes está dentre as principais competências do professor e isso também pode acontecer à medida que gostam e se emocionam com sua importante tarefa de educar.