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2 OS FUNDAMENTOS DA TESE: LUZES PARA PODER VER MAIS LONGE

2.3 PAPEL DA ESCOLA E DO PROFESSOR

2.3.2 Educação emancipatória

“A pessoa conscientizada tem uma compreensão diferente da história e do seu papel. Recusa acomodar-se, mobiliza-se, organiza-se para mudar o mundo.” (PAULO FREIRE)

Diante das rápidas transformações da sociedade, discutir o papel e os objetivos da escola é uma tarefa urgente e imprescindível, especialmente nesta época em que as pessoas clamam por justiça e respeito às diferenças. Sendo a escola um espaço propício para a convivência humana, problemas como bullying, por exemplo, embora inevitáveis, não podem ser mais

admitidos. Para tanto, é necessário definir políticas, no sentido de equacionar as diferenças, fazer da instituição um espaço legítimo onde não somente o conhecimento seja transmitido e construído, mas, acima de tudo, onde novas formas de relacionar-se a partir da Consciência Humana sejam fortalecidas e definidas como novas culturas baseadas em antigos valores, em especial, o respeito.

A partir de um dos pressupostos de Gohn (2012, p. 21), a Educação deve estar baseada em “uma concepção que não se restringe ao aprendizado de conteúdos específicos transmitidos através de técnicas e instrumentos do processo pedagógico.” Portanto, cabe refletir sobre qual é a escola que queremos, para estabelecer novas concepções em que ela deve estar calcada.

Sendo a escola uma célula da sociedade, deveria vivenciar em seu interior uma significativa representação da realidade social que a envolve, demonstrando esforços para formar cidadãos mais críticos e conscientes. Este é o principal papel da escola: ampliação da cidadania que, em essência, significa o direito de viver decentemente (DIMENSTEIN, 1999). A respeito disso, Sacristán (2001, p. 102-103) esclarece uma das funções da escola:

[...] deve contribuir para assentar e fundamentar estas duas dimensões aparentemente contraditórias: ser um instrumento para a conquista da autonomia e da liberdade e, ao mesmo tempo, fomentar o estabelecimento de laços sociais para a aproximação aos demais e para a convivência pacífica com eles.

Seguindo nessa linha, Freire (2008) afirma que todo ato educativo é um ato libertador. Nesse particular, todo professor consciente de seu papel político-social precisa promover, em suas práticas, a liberdade, a autonomia e o pluralismo de pensamentos e tentar, com sua pedagogia, libertar seus estudantes da ignorância, do preconceito, da alienação, buscando aperfeiçoar as potencialidades humanas de cada um. Isso é humanismo e é disso que a sociedade precisa.

O autor defendeu também a proposta de trabalhar a partir de uma pedagogia baseada na autonomia do estudante, a qual tem, dentre seus princípios, o da humanização. Nessa perspectiva, os estudantes devem passar a ser vistos como sujeitos únicos, com suas idiossincrasias valorizadas. Esse professor construiu uma reflexão a respeito da prática educativa, referindo-se sempre aos novos sujeitos sociais, políticos, aos movimentos jovens, de trabalhadores e camponeses, estimulando-os a participarem de movimentos culturais e sociais em busca de seus direitos.

Nesse sentido, a Educação deveria aproximar-se, cada vez mais, da organização de ações coletivas e de mobilizações políticas não partidárias, com vistas a formar sujeitos mais

proativos, que tenham a oportunidade de ocupar espaços em que possam aplicar os conteúdos aprendidos e construídos nas diferentes áreas do conhecimento, interdisciplinarmente. Ao estudar disciplinas como Biologia, História, Sociologia, bem como Filosofia, de forma mais integrada, os estudantes poderiam estabelecer mais consciência da importância dessas áreas para o exercício da cidadania, podendo promover, de fato, algumas das transformações necessárias para a evolução da sociedade.

De acordo com Arroyo (2010), foi a tomada de consciência política das populações primitivas que tornou o século XX o mais revolucionário da história.

A tomada de consciência dessas populações mantidas por séculos sem direito a ter direitos ao teto, a terra, à saúde, à escola, à igualdade e à cidadania plena se fazem presentes em ações e movimentos, em presenças incômodas que interrogam o Estado, suas políticas agrária, urbana, educacional. Interrogam a docência, o pensamento pedagógico, as práticas de educação popular e escolar. (ARROYO, 2010, p. 9).

Conforme o autor, o processo educativo na escola precisa ser repensado a partir das inovações pedagógicas, evitando que as práticas se mantenham em desacordo com a nova realidade social. Nesse sentido, os movimentos sociais poderiam ser laboratórios de ideias capazes de definir as novas práticas pedagógicas a partir de situações e problemas visíveis do cotidiano. Caberia, assim, à escola, proporcionar espaços de construção de propostas que apresentassem outras perspectivas de sociedade, encontrando alternativas para a efetivação dos direitos humanos.

No entendimento do filósofo Jacques Ranciére (2002), a relação entre Educação e política deveria ser vista pela ótica da noção de emancipação. Assim, caberia, também, à escola compreender sua responsabilidade de formar sujeitos com capacidade de viver e conviver em uma sociedade democrática, com ampla participação social e consciência individual e coletiva. Em seus estudos, Gohn (2012, p. 58) afirma que a aprendizagem é um fenômeno coletivo, embora não se deixe de considerar a individualidade dos sujeitos. Assim complementa essa ideia: “Não se trata de um processo apenas de aprendizagem individual, que resulta num processo de politização de seus participantes. Trata-se do desenvolvimento da consciência individual. Entretanto, o resultado mais importante é dado no plano coletivo.”

Gohn (2012) deixa claro que a Educação sempre teve caráter político e emancipatório. Contudo, define que duas questões devem ser consideradas: a educativa e a pedagógica. Para a autora, o aspecto educativo é um processo cujos produtos são realimentadores de novos processos. Por outro lado, o aspecto pedagógico refere-se aos instrumentos a serem utilizados no processo.

Nessa mesma linha de pensamento, Arroyo (2010) descreve que novas práticas educativas precisam ser construídas, tendo em vista a diversidade dos sujeitos. Para ele, quando os sujeitos da ação educativa são outros, as concepções pedagógicas que orientam as práticas da Educação escolar ou popular também deveriam ser outras. Entretanto, descrever um modelo único ou uma forma hegemônica de educar é inviável em virtude da pluralidade da existência humana.

Hodiernamente, em especial pela facilidade de acesso aos conhecimentos e pelo incremento da comunicação via tecnologias, as formas de relacionamento, tanto dos sujeitos com os conhecimentos quanto destes com outros sujeitos, modificaram-se. Ante essa realidade, as instituições como a família e a escola, bem como os governos – representantes da sociedade – precisam repensar suas funções no sentido de ampliar a liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo de educar para o respeito.

Para Arroyo (2010), historicamente, as pedagogias são desumanizantes por não respeitarem as diferenças e as necessidades alheias. O autor questiona quais são as pedagogias que destroem as culturas, valores, identidades, memórias e que são tão persistentes. O que deveria ser planejado para que uma Educação mais emancipadora, que contemple as diferentes inteligências, respeite a vontade dos sujeitos?

Conforme Ranciére (2002), algo precisa ser realizado para evitar o embrutecimento no ato pedagógico. Para esse autor, o mestre precisa ser mais emancipador. Assim, não deve subordinar a inteligência do seu estudante à sua própria inteligência, mas, sim, estabelecer uma relação de vontade com base no diálogo.

Freire (1996, p. 21) aborda a questão do diálogo como condição para ensinar. Assevera ele que “não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade.”

Nesse sentido, Bach (2012) também defende, em sua tese de doutoramento sobre a Educação para a liberdade, que o diálogo entre o professor e seus estudantes, no contexto da sala de aula, favorece a criticidade e deve ser realizado a partir da percepção da realidade de ambos podendo, assim, contribuir para a ampliação da consciência e o desenvolvimento pessoal e social.

A criticidade do professor neste contexto é a relação entre o que ele percebe do mundo e o que os alunos percebem do mundo. A conciliação da ideia de autorrealização depende da aquisição de experiência dentro do processo de desenvolvimento pessoal e social. Os alunos estão despertando consciência cada vez mais cedo e isso é um choque com a expectativa pedagógica. (BACH, 2012, p. 351)

Segundo esse autor, o modelo de Educação do passado foi elaborado quando não havia esse choque. Os estudantes apenas escutavam e não arriscavam formar opiniões. Nesse sentido, nos dias de hoje, o professor precisa ter disposição para encontrar um meio de interagir com seus estudantes num diálogo maiêutico, pois eles têm uma dinâmica de desenvolvimento da consciência cada vez mais particularizada. Além disso, o grau de diversidade entre os níveis de desenvolvimento dos estudantes aumenta a cada dia, mostrando que os procedimentos pedagógicos do passado que davam certo não funcionem mais no presente.

Cabe destacar a importância do papel do professor, que, antes de tudo, precisaria ser ele próprio emancipado e capaz de confiar na vontade e na capacidade de aprender de seu educando, estabelecendo um círculo da potência, pois “quem ensina sem emancipar, embrutece.” (RANCIÉRE, 2002, p. 37).

Para melhor esclarecer essa ideia de Ranciére (2002), elucidamos que esse autor baseia uma de suas narrativas na história de um professor francês que “ensinou” seus estudantes algo que não sabia. Uma escola emancipadora e humanizadora precisaria ter mais mestres “ignorantes” no sentido dessa terminologia utilizada pelo autor, pois um mestre “explicador” pode tornar seus estudantes dependentes e subordinados.

A escola precisa extrapolar muros e criar espaços para o desenvolvimento da consciência crítica, para a interdisciplinaridade, para a convivência e para a solidariedade. Os estudantes precisam, tanto quanto acumular conhecimentos, refletir e discutir sobre as grandes temáticas da humanidade, a fim de construir suas opiniões individuais e coletivas, tornando-se sujeitos mais humanos e mais politizados.

Vivemos uma época na qual, cada vez mais, movimentos sociais acontecem tanto nas ruas quanto no ambiente virtual. São os jovens, os homossexuais, os índios, os empregados, os professores, cidadãos em geral que estão cansando de não ter suas necessidades atendidas e estão mostrando sua indignação. Sinais de um novo tempo. Sinais de um tempo em que não necessariamente os problemas estejam maiores, mas um tempo no qual a Consciência Humana está aumentando e as pessoas começam a dar-se conta dos problemas, o que é o primeiro passo para o início das transformações.

A nova escola poderia vir a ser um lugar para a manifestação deste “dar-se conta” e para a construção de projetos que, apoiados em conhecimentos significativos, podem favorecer a transformação do mundo em um lugar mais justo, mais seguro e mais feliz, a partir das ações coletivas. Essa nova escola que visa a uma formação mais humana só se consolida se novos professores existirem. Professores ainda presos à utopia de trabalhar com turmas homogêneas

de estudantes não terão mais espaço. A Educação bancária6 deverá, aos poucos, ser substituída por uma Educação que valorize a heterogeneidade humana, a diversidade, consagrando-se um período de ruptura paradigmática. Essa mudança é gradual e enfrenta obstáculos; no entanto, é preciso acreditar nessa possibilidade.

Diante desse desafio, cabe lembrar Tardif (2014), que descreve que os objetivos da escola são muitos e variados, gerais e não operacionais, e tocam ao mesmo tempo dimensões de formação pessoal, social e de instrução, o que leva os professores a precisar de boas doses de autonomia, dinamismo e capacidade de interpretá-los e adequá-los constantemente.