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4 APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS

4.5 DEPOIMENTOS DOS PROFESSORES

4.5.1 Surpresa e emoção com as cartas

A leitura das cartas pelos professores gerou fortes emoções, que intercalaram choros e risos, e confirmou a reciprocidade dos sentimentos entre professores e estudantes, tal como descreve uma das professoras: "Além de ser muito bonito, a gente fica emocionada, realmente,

né? Ela também marcou muito a minha vida."(P5)

Conforme Portal (2011), as cartas são instrumentos que revelam os sentimentos, os sonhos e as opiniões dos estudantes em relação aos professores a quem as cartas são destinadas. Conforme o que veremos a seguir, de fato, essa ideia se confirmou.

A primeira reação dos seis professores que receberam as cartas foi de surpresa. Expressões como “Nossa!! Isso é muito bom”, “Estou muito surpresa”, “Lindo, lindo,

lindo!!”, “Isso é muito emocionante”, “Fiquei muito feliz”, “Que legal”, “Meu Deus, isso é forte!”, “Ah, eu estou encantada com isso, viu?”, “Isso me toca muito”, dentre outras foram

recorrentes nas vozes de todos eles. Muitos risos, mãos no coração e na cabeça, bem como muitas lágrimas de alegria permearam os marcantes momentos de entrega das cartas e de escuta dos sentimentos relacionados ao recebimento.

Com clara empolgação, a professora P1 interrompe a leitura da segunda carta e diz:

"Essa aluna ter conseguido colocar tudo isso, assim, no papel, puramente, me surpreendeu. E aqui tu percebes que fazes a diferença.” Outro professor refere que momentos como esse

aula é muito isso. Eu dou aula por isso. [Risos]. Pô, muito legal, muito legal. Deixa eu respirar um pouco e voltar”. (P2).

A professora P4 coloca que, em sua concepção, ser um professor realizado também

envolve ter amor e prazer pelo exercício da profissão. “Ser professor é permitir-se criar um

momento bom na tua aula para passar aquilo que tu mais gostas”, afirma ela. Quando o

professor consegue ter prazer no que faz, revelando parte da sua própria subjetividade e não simplesmente reproduzindo os conteúdos traçados por instâncias superiores, a aula pode se tornar mais espontânea e eficaz, afinal, segundo Palmer (2012), ensinamos mais aquilo que somos do que aquilo que sabemos e, assim, os estudantes vão lembrar mais do como o professor era do que, exatamente, ele ensinava.

Essa relação que marca a vida dos estudantes, bem como a dos professores, também pode ser explicada pela teoria de Romesin e Pörksen (2004). Ao buscarem compreender as matrizes biológicas do conhecimento, defendem que os seres vivos em geral e nós, os seres humanos em particular, “existimos como parte integrante de uma matriz relacional e operacional que surge com o nosso viver, com o nosso modo de ser e de explicar o nosso fazer e o nosso viver.”9 Diante disso, faz-se necessário que os professores percebam melhor o quanto influenciam os seus estudantes, assim como diz a professora P1: “Tu sabes o quanto que nós

somos responsáveis pela vida dessas crianças.” Da mesma forma, o professor P2 deu-se conta

disso e admitiu em seu depoimento que:

Eu toquei uma menina e ela tem uma memória extremamente positiva de mim. Ela gostava das aulas, mas eu pensei que não era tanto, sabe?[...] Me toca muito ser gostado pelos alunos. Não é só na questão de ego. É uma questão tipo: Bah, que legal que o trabalho que a gente faz, em algum momento, surte efeito.

As surpresas que os professores tiveram com o recebimento e os conteúdos das cartas provocaram-lhes um sentimento de validação de todos os seus esforços e os motivou para seguirem agindo no sentido de educar sujeitos mais cidadãos; afinal, conforme descreve o professor P3, isso pode torná-los muito felizes. Em suas palavras:

9 Los seres vivos en general, y los seres humanos en particular, existimos como parte integral de una matriz

relacional y operacional que surge con nuestro vivir como nuestro ámbito de ser y de explicar nuestro hacer y nuestro vivir. (ROMESÍN; PÖRKSEN, 2004, p. 7, tradução nossa).

Eu não esperava ele dizer que as melhores aulas da semana são as minhas. Você quer dar o seu melhor, mas saber que você agradou tanto assim uma pessoa, é tão bom. Então eu sinto que, pelo menos algumas pessoas, eu estou conseguindo tocar. E ele dizer que eu abri a cabeça dele pra novos conhecimentos. Caramba! Que coisa boa. Saber que eu estou contribuindo para educar um cidadão. Isso é muito bom! Eu estou muito feliz, muito feliz.

De acordo com Marchesi (2008, p. 107), esse reconhecimento é um dos grandes fatores motivacionais na vida de um professor. Diz ele que no ambiente escolar “o sentimento de reconhecimento profissional normalmente vem acompanhado por uma demanda de filiação social. Os professores [...] desejam sentir-se acolhidos e manter relações sociais positivas.” Ainda como exemplo dessa colocação, o professor P2 comenta: “Tu ainda estar guardado na

memória de um aluno é muito recompensador. Eu acho que a ferramenta que motiva o professor é justamente essa.”

Ser lembrado pelos seus estudantes, mesmo anos depois de ter sido seu professor, também justifica e valida todos os esforços. Sobre isso, o professor P6 declara:

Você pensa que quando eles crescem não vão lembrar mais da gente. Muitas vezes tu cruzas com eles nos corredores e alguns mal te cumprimentam. E daí, assim, um aluno lembra de coisas que, para nós não tem tanto significado, tipo levar num parquinho, uma brincadeira e pequenas coisas que foram marcando para ele.

Algo que teve um destaque especial na análise dos depoimentos dos professores foi a surpresa que tiveram, não somente por terem recebido as cartas, mas por quem foi o estudante que a remeteu. A metade dos professores referiu que não imaginaria receber uma carta, em especial dos que foram remetentes. Coloca P1: “Eu não esperava carta dele, esperaria carta

de qualquer outro.”

Considerando que dos vinte e sete estudantes presentes no momento da aplicação desse instrumento, a carta, somente dezessete deles dispuseram-se a escrevê-la. Acreditamos que esses possam ter alguns pontos em comum como: gratidão, memória afetiva, habilidade de comunicação, compromisso com a proposta e prazer pela escrita. Ao contrário disso, os dez estudantes que não escreveram colocaram sua negativa com as seguintes justificativas: três deles disseram que não tinham um professor favorito, três porque não lembravam qual era, dois deles porque os pais não autorizaram (um tinha a autorização e o outro foi o único que os pais não devolveram o TCLE); outro, ainda, porque nenhum marcou a vida dele, pois todos haviam sido bons e outro escreveu que não tinha criatividade para produzir um texto.

Conforme depoimento dos professores, muitas são as características desses estudantes que aceitaram escrever as cartas. No entanto, algumas delas foram nitidamente repetidas. Das

cinco estudantes que escreveram as cartas para a mesma professora, por exemplo, três foram consideradas como quietas, tal como a professora verbalizou:

Coincidentemente, as três alunas que estão aqui com as cartas, são as alunas mais quietas que eu tenho da turma. Que elas leem em sala de aula, elas participam apenas em correção de tema. Mas, espontaneamente, para elas se expressarem, é difícil (P4).

Em seu depoimento, a professora P1 afirmou, ainda, que uma das estudantes tinha dificuldades na sua disciplina e que era muito protegida (A26) e que outro era muito quieto e não interagia com a turma (A1). Com ambos ela se preocupava muito e oferecia-se para lhes dar suporte emocional, tal como verbalizou em seu depoimento:

A A26 era muito protegida. Então ela queria continuar nessa proteção. E foi onde eu comecei, devagarinho. Muitas vezes ela chorava, eu tirava ela da sala e dizia: "Tu és capaz! Esse conteúdo tu não entendeste hoje, mas na próxima aula tu vais entender.

Como referem os professores, alguns estudantes são quietos ou tímidos, o que dificulta o processo da comunicação verbal e a avaliação da qualidade do processo educativo. Assim, consideram que a escrita das cartas favoreceu essa comunicação. Conforme Portal et al. (2011), a escrita de cartas tem, justamente, esse caráter, pois, ao escrever uma carta, o sujeito imprime suas emoções, socializando suas situações de relacionamento interpessoal e os acontecimentos que são produzidos e trocados entre diferentes sujeitos. Nas palavras da professora P4, a escrita das cartas serviu para favorecer a ampliação da capacidade expressão dos estudantes.

A A11 é uma menina muito calada, muito fechada. Então fica difícil a gente saber se está gostando, se gosta de ti ou da tua disciplina, da aula, enfim. Isso realmente nos faz pensar que a gente deveria oportunizar mais momentos como esse. Porque nem todos se expressam da mesma maneira.

Diante de estudantes como esses, alguns problemas de aprendizagem ou de relacionamento passam despercebidos pelos professores, pois aqueles que não perturbam o andamento da aula muitas vezes não são observados. A P4 também contribui para a reflexão sobre essa questão ao afirmar que tem cuidado em relação a isso:

Dos alunos quietinhos, a gente também tem que correr muito atrás. Eles são quietos, mas é do perfil deles, né, essa timidez. [...]. Aquela menina que senta no canto da sala e que você tem de ir até ela para perguntar: "Está entendendo fulana?" [...]. É ao professor que cabe olhar, porque nem todos os alunos vão chegar até o professor e dizer: - Olha, Prô, não estou entendendo.

Enfim, uma parte da surpresa dos professores deu-se pelo perfil da maioria dos remetentes das cartas, tal como descreve a professora P4: “Eu não imaginava que teria carta

da A11 aqui. Ela é a menina mais quietinha na aula". Diante dessa colocação é possível

entender que os estudantes têm diferentes meios de expressão; assim, as formas de comunicação utilizadas em aula também devem ser diversificadas, favorecendo a comunicação entre todos.

A proposta pedagógica da escola descreve a importância da comunicação no processo educacional e apresenta questões fundamentais que enfatizam o trabalho democrático, reflexivo, que forme estudantes capazes de aprender, a crescer e a serem úteis ao mundo. A boa comunicação aparece nesse documento como uma das principais competências a serem exercidas na escola, assim como o bom relacionamento interpessoal e o trabalho social, todos fluindo a partir de uma visão sistêmica, na qual um aspecto recai sobre o outro, ampliando as consciências e favorecendo os bons relacionamentos.