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Capítulo I – A teoria dos campos sociais

7. A interacção social

7.1 O interaccionismo simbólico

Na prossecução dos objectivos que pretendemos alcançar, tentando dar consistência ao estudo com as necessárias ligações entre as partes e na medida em que consideramos a interacção social (as relações entre os grupos/campos sociais) vai lançar-se mão da abordagem do interaccionismo simbólico. Pressupondo uma construção social fruto das diferentes interacções dos grupos que a compõem e que mediante culturas particulares têm interesses próprios, os indivíduos/grupos desempenham papéis sociais – considerados como comportamento adequado para determinada situação e enquanto tal reguladores de conduta, através de uma determinada linguagem (forma de comunicar e dispositivo de mediação – seja mediação da experiência, seja entre campos sociais, já que aquilo que vemos é o que a linguagem nos permite ver).

O desempenho de papéis sociais é importante. Para a corrente interaccionista, a construção de tipologias de papéis funciona como correlação necessária à institucionalização da conduta, representando a ordem institucional existente:

“Desde que os comportamentos dos atores sociais são tipificados em determinados papéis, a obediência ou a não obediência aos tipos de papéis socialmente definidos deixa de ser opcional, ainda que, é claro, a severidade das sanções possa variar segundo cada caso. Os papéis representam a ordem institucional. É somente através das representações dos atores ao executar seus papéis que a instituição se manifesta na experiência real. A instituição, com o seu conjunto de acções programadas, é como o roteiro não escrito de uma peça de teatro. A direcção da peça depende da execução reiterada dos seus papéis prescritos por atores vivos. Os atores encarnam os papéis e realizam o drama interpretando-o em uma dada cena. Nem a peça e nem a instituição existem empiricamente fora deste contexto” (Berger e Luckmann, 1989, p.70).

8 Por vezes repetimos algumas ideias. As repetições já acontecidas e demais que venham a verificar-se ao longo do desenvolvimento teórico desta Tese, não são esquecimentos de algo que ainda não se pensou ter escrito, mas acontecem fruto do que se entende serem pontos essenciais que merecem o repisar da ideia, pois são veios importantes e enquanto tal estruturantes, atendendo ao que se pretende transmitir, funcionando ainda em razão de clareza ou ponto de ordem sumário.

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Como resultado, os objectivos, regras e culturas, são produtos de trocas simbólicas resultantes das interacções entre os diversos grupos que lutam entre si (digladiando-se). É nessa conformidade que Anselm Stauss (1991) considera na base de uma negociação permanente, que determinadas “organizações, sem dúvida a maior parte, devem ser vistas como arenas onde os membros dos diversos mundos sociais têm interesses diversos, buscam objectivos diferentes e lutam, propondo ou desfazendo alianças políticas a fim de atingir os seus objectivos” (p. 278). Esta perspectiva sai um pouco do comum do interaccionismo que assenta fundamentalmente em relações de cooperação para atingir os fins – e por isso está presente a negociação. Blumer (1982) outro teórico do interaccionismo simbólico considera três premissas que sustentam o pensamento desta corrente: A primeira, em que o ser humano orienta os seus actos em direcção às coisas considerando o que elas significam para si. A segunda, em que o significado dessas coisas surge como consequência da interacção social mantida com alguém – o próximo. A terceira, em que os significados se modificam e manipulam mediante um processo interpretativo desenvolvido pela pessoa, ao defrontar-se com o que vai encontrando no seu caminho (p. 2). Esta posição decorre da ideia que o significado está presente na conduta social, onde emergem os símbolos significantes e só quando o indivíduo se identifica com tais símbolos é que se torna consciente o significado (Mead,1982). O modo de acção de um sujeito suscita diferentes reacções no seu interlocutor, o que se torna condição para a continuidade das suas próprias acções. Por outro lado, a interacção simbólica não acontece por reacção directa às acções e gestos de outrem, mas mediante uma interpretação dessas acções e/ou gestos com base na significação que lhes é atribuída. Esta abrangência situa em relação ao que se pretende com a investigação, abarcando o nível das relações directas entre as pessoas/grupos/instituições num patamar que desce até ao nível micro.

Podemos dizer que a incidência ao nível micro é mesmo considerada fulcral já que é nas relações próximas entre actores de ambos os campos que se desenvolve a investigação. Para uma compreensão mais efectiva desta análise micro, importa seguir Goffman (1959) na preocupação que evidencia com um conceito base do interaccionismo simbólico – o self (constituído pelo eu – fase criativa que lida com o imprevisto, e pelo mim – conjunto organizado de atitudes/respostas). Nas palavras do autor, a "apresentação do eu" está imbuída de teatralização - através da qual o indivíduo se apresenta aos outros, mediante uma expressão explícita (construída por símbolos verbais) sendo uma expressão indirecta (através de signos sintomáticos das diferentes formas comportamentais (p. 12). Ao referir-se às relações face-to-face como arte de manejar (encenar) as impressões, o indivíduo age sob uma máscara (ferramenta expressiva padrão), pressupondo estratégias de acção presentes no estabelecer de relações e que são analisadas mediante a frame – quadro de sentido que “é, desse ponto de vista uma palavra de ordem para o estudo da organização da experiência” (Goffman 1991, p. 19), isto, porquanto o autor canadiano vê a vida como um cenário onde há actores, máscaras e público. O cenário da acção é a realidade social. O uso de estratégias já

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foi visto que é considerado. Até que ponto os actores (agentes, sujeitos constitutivos dos campos) usam ‘máscaras’ nos relacionamentos entre si?

Procurando respostas a perguntas como esta, misturam-se claramente nesta investigação, o macro e o micro (Collins, 1988; Hilbert, 1990) enquanto referências e perspectivas diferentes no considerar da realidade social, apresentando cada qual uma especificidade própria que para além do já Bourdieu apresenta, merece de Monika Krause (2013) a caracterização distintiva que a tabela seguinte sugere (tabela 1) e que retrata globalmente a estrutura face ao agente ou dito de outra forma, posicionam o particular face ao geral.

Tabela 1 – Especificidade Micro e Macro

Micro Macro _____________________________________________________

Fonte: Krause (2013, p. 142)

7.2 Actores sociais

Complementarmente, mesmo se consideramos ser um passo arrojado mas que permite concretizar o puzzle montado, vai ainda considerar-se a teoria da racionalidade, em que os actores agem racionalmente para atingir os seus fins e/ou objectivos. Não se pretendem percorrer os seus fundamentos teóricos (individualismo metodológico estrutural e maximização da utilidade – ética utilitarista) mas antes, no que nos ajuda a encontrar relação entre essa teoria, através de Coleman (1990) e a teoria de acção prática de Bourdieu (1994), que considera os sujeitos como sendo agentes que actuam dotados de senso prático adquirido através de preferências, princípios, estruturas cognitivas duradouras e esquemas de acção

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que orientam a percepção da situação e a resposta adequada (pelo habitus). Se à partida são bem diferentes (para muitos irreconciliáveis) ao ponto de Bourdieu ter sido um crítico da

Rational Action Theory (de Mancur Olson ou Keneth Arrow), entende-se que apesar do que as

distingue, existe um ponto de união em que as mesmas se aproximam e que é exactamente o conceito de capital social, já antes visto, e que agora se retoma dada a sua propriedade. Bourdieu (1998), em reforço de uma sua produção anterior e na defesa argumentativa da sua teoria prática, considera o capital social como um “conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e de inter-reconhecimento” (p. 67) ou (…) “à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis” (idem).

Coleman (1990) não se posiciona muito longe dessa visão, ao dizer que capital social é referido às relações sociais de inserção de um indivíduo. Essas relações vão auxiliar a atingir os objectivos e sem elas estes seriam de impossível concretização ou só alcançados mediante um custo elevado. O capital social localiza-se nas relações mútuas e não nos indivíduos, contribuindo este capital para aumentar os recursos ao dispor dos indivíduos” (p.300-303). Na concretização do conceito considera diversos tipos de relações sociais: aquelas de onde decorrem expectativas e obrigações entre indivíduos que trocam favores; outras, em que um indivíduo cede a um terceiro um direito em troca de uma compensação e ainda, as que possibilitam a obtenção de informações do interesse do indivíduo por um baixo custo. Nos diferentes tipos de relações sociais a constante é a presença da confiança mútua (de dimensão ontológica e ética) existente nos indivíduos/grupos em relação (como seja o fazer um favor, esperando do outro uma retribuição da atenção) que se apresenta equivalente ao sistema de expectativas de que fala Rodrigues (1999):

“O sistema de expectativas constitui um sistema simbólico e é com base nele que, por um lado, regulo a minha vida de acordo com aquilo que considero razoável e adequado ao comportamento dos outros e ao desenrolar dos fenómenos da natureza e que, por outro lado, interpreto os comportamentos dos outros e os fenómenos da natureza de acordo com aquilo que me habituei a esperar desses comportamentos” (p. 5).

Refere ainda Coleman (1990) que são constitutivas de capital social tanto as relações formais como as relações informais e ressalta ser nuclear o espírito de colaboração no estabelecer de relações (p. 305-312). Esta ponte erigida sobre plataformas distintas de análise da vida social permite o uso, igualmente, das formas diferenciadas como ambas as teorias encaram a acção. Por um lado para a teoria racional a acção é consciente e deliberada (por isso fala tanto em escolhas); por outro lado, na teoria prática, a maior parte das acções humanas são produto de predisposições que o indivíduo tem estruturadas em si (o

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existência de determinados campos e a relação entre eles. No interesse do estudo a fazer, tentar-se-á saber de que tipo de acções específicas (formais, informais, racionais, práticas) se socorrem polícia e jornalistas no seu agir relacional concreto.

Está assim lançada a investigação: comunicação, interacção social, interesses, estratégias e por consequência o poder, são integrantes. Percebendo-se que o poder é estruturante neste estudo, vai ser tratado sob diversos ângulos e nas suas visões diferenciadas resultantes das leituras de Weber (1999), Arendt (1972; 1987) ou Foucault (1994; 2003; 2004) e ainda Giddens (2000) que o entende como “capacidade que indivíduos ou grupos possuem para fazer valer os seus próprios interesses, mesmo quando outros se opõem [e em que] por vezes, isso requer o uso directo da força” (p. 408-409). A opção de momento por esta definição de poder tem por base ser esta primeira parte da investigação norteada pela forma como o Estado exerce o poder, sendo analisado o resultante desse exercício nas relações que se estabelecem entre os grupos estudados, que é claramente diferente quando referido a ditadura, ou a democracia.

No caminho traçado para este estudo, de maneira a dar-lhe um rumo, são importantes os fundamentos teóricos. Fundamentar teoricamente é mergulhar nas teorias e por isso, antes de mais, importa referir, marcando um sentido posicional, que a teoria nas Ciências Sociais e Humanas é volátil e marcadamente evolutiva, atendendo à sua imperatividade prática. Isto na medida em que os dados em presença se alteram significativamente, o que implica uma procura permanente de novos modelos que se apliquem melhor às mudanças no cenário da sociedade em permanente transição.

Pretendendo situar em relação aos pressupostos que norteiam a acção político-social e considerando a evolução histórica acontecida em Portugal (traduzida no processo de transição entre o sistema ditatorial e democrático nas suas lógicas de afirmação do poder instituído, pois só assim poderão ser entendidas as evoluções acontecidas no tocante ao posicionamento dos grupos/atores em causa), vão formular-se considerações sobre os conceitos/teorias de referência, que norteiam os temas em relação a Ditadura anteposta a Democracia. Tendo iniciado à guisa de introdução sistemática com a escalpelização da teoria suporte que nos orienta, o enquadramento teórico que se segue garantirá uma almofada de compreensão necessária ao desenvolvimento da tese, ao mesmo tempo que serve de passagem para chegar ao Estado de direito numa sociedade democrática onde é mantida a segurança (actividade de polícia) e em que os media assumem o seu papel de mediação (na cruzada de vigilância dos poderes do Estado). Isto tudo, de forma a poder contextualizar a relação mantida entre a polícia e os media/jornalistas, onde se defenderá que se manifesta a afirmação de determinado(s) poder(es)/contrapoder e que a II parte da investigação vai tratar empiricamente.

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“Fala-se muito de violência e do crime. Mas cria-se muito pouca consciência social sobre as formas de defesa a esta vulnerabilidade” Paquete de Oliveira, Jornal de Notícias, 10 de Fevereiro de 2001.