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A Justiça e as polícias: o papel do Ministério Público

Capítulo III – Estado de direito como valor referencial

7. As estações emissoras de radiodifusão e de radiotelevisão só podem funcionar mediante licença, a conferir por concurso público, nos termos da lei” (CRP, artº 38º).

1.6 A segurança enquanto pilar do Estado

1.6.2 A Justiça e as polícias: o papel do Ministério Público

Numa sequência que interliga subtemas, importa salientar agora que no estado de direito (o rule of law) tem lugar principal a justiça, nomeadamente, a forma como esta interage com as polícias, já que é no bom funcionamento da justiça e das polícias que se garante o estado de direito. Um sistema de justiça estrutura-se “de acordo com pré compreensões históricas, filosóficas, sociológicas, psicológicas e políticas e está condicionado pelas instituições pré existentes e mesmo pelas práticas sociais, policiais, judiciárias e judiciais vigentes” (Abreu, s/d) o que na sua lógica valorativa contribui para que em

62 Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2002, de 7 de Fevereiro – ver Anexo XIX.

63 Ver papel da Inspeção-geral da Administração Interna/IGAI criada pelo Decreto-lei 227/95 de 11 de

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democracia se assuma a existência de uma relação funcional de coadjuvação entre tribunais e polícias. Tais práticas traduzem uma relação que no edifício legislativo português tem duas bases próprias: uma, de configuração mais genérica, resultante da Constituição e que aparece sistematizada nos artigos 205º (nº3), 219º (nº 1) e 272º; outra, mais específica, decorrente dos artigos 9º (nº 2) e 55º (nº 1) do Código Processo Penal (CPP)64.

A relação funcional entre polícias e tribunais, significa que às autoridades judiciárias (juízes e magistrados do Ministério Público), assiste uma legitimidade que lhes confere poder para solicitar ajuda às polícias e que estas devam prestar a ajuda solicitada sem que isso menorize a sua organização hierárquica e sem que percam “a necessária flexibilidade e autonomia logística, operacional, técnica e táctica que subsistem intocáveis” (Abreu, s/d) na sua acção. Esta autonomia de práticas apresenta contornos diferenciados mas complementares como decorre da lei 49/0865 (lei da investigação criminal):

“a autonomia técnica assenta na utilização de um conjunto de conhecimentos e métodos de agir adequados e a autonomia táctica consiste na escolha do tempo e modo adequados à prática dos acotos correspondentes ao exercício das atribuições legais dos órgãos de polícia criminal” (nº6).

Decorrente destes condicionalismos, as polícias procedem a investigações (preventivas ou prospectivas) e praticam actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, não olvidando o dever de participação imediata dos indícios de crime logo que constatados, ao Ministério Público. Este órgão desempenha um conjunto de competências diversificadas que vão muito para além daquelas que tradicionalmente lhe são reconhecidas, estando ligadas, particularmente, à coordenação da área criminal.

Como salienta Dias (2008):

“as funções exercidas não se confinam às de “acusador público” ou de “coordenador de investigação”, tipicamente relacionadas essencialmente com as competências penais…ocupa um espaço de interface entre as diversas partes e entidades envolvidas nos litígios, facto que lhe confere, em termos profissionais, características atípicas para o ideal-tipo de magistrado e os situa num grau de grande proximidade com o cidadãos” (p. 1) (….) “O actual modelo de autonomia do Ministério Público compreende um conjunto vasto de competências, entre as quais a direcção da investigação criminal e o exercício da acção penal, a promoção e coordenação de acções de prevenção criminal, o controlo da constitucionalidade das leis e regulamentos, a fiscalização da Polícia Judiciária, a promoção dos direitos sociais (laboral e menores e família), para além da defesa dos interesses do Estado e dos interesses difusos (ex: ambiente, consumo, etc.). No entanto, e com tradições históricas, o Ministério Público desempenha igualmente um papel crucial no acesso dos cidadãos ao direito e à justiça, visto ser, em muitas situações, o primeiro contacto dos cidadãos com o sistema judicial” (p. 3).

64 Decreto-lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro (com a última alteração - LO 1/2015 de 08-01-2015).

65 Ver ainda a Lei n.º 17/2006 de 23-05-2006 – quadro da política criminal; Lei n.º 73/2009 de 12-08-2009

– condições de interoperabilidade sistemas informações; Lei n.º 74/2009 de 12-08-2009 – intercâmbio de dados; a Lei n.º 34/2013 de 16-05-2013 relativamente à actividade de segurança privada e a LO 1/2015 de 08-01-2015, relativa ao segredo de Estado (que se constitui igualmente como alteração do Código Penal (Decreto-Lei n.º 400/82, de 23-09-1982).

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Por outro lado, é sabido que a acção da polícia funda-se no direito policial, entendido por Raposo (2006) como o conjunto dos princípios e normas (constitucionais, legais e regulamentares) que no âmbito do direito público, definem a organização e a actividade dos organismos destinados à tutela da ordem e da segurança pública, nas suas relações com os cidadãos e a liberdade destes, nos sectores da vida económico-social que exigem intervenções pontuais, a fim de prevenir os perigos que ameaçam a segurança pública e eliminar as perturbações que prejudicam a ordem pública (p. 20).

No seio da teoria judicial Mesquita (2003), relativamente à ligação entre Polícia e Ministério Público, defende que o controlo que este exerce “deve incidir, antes de mais, sobre a actividade policial, prévia à abertura do processo" (p. 134), estando referir-se aos ‘preliminares’ que levam à abertura do processo, a partir da qual o MP tem a condução.

A fronteira está perfeitamente definida: por um lado, os Tribunais (que são um órgão de soberania) proferem decisões que são obrigatórias para todas as entidades (sejam elas públicas ou privadas) e que prevalecem sobre as das restantes autoridades; por outro lado, na organização judiciária, o Ministério Público representa o Estado e tem uma ligação particular com a polícia pois como salienta Abreu (s/d), o “MP exerce prima facie a acção penal, é o titular da fase de inquérito e o dominus da investigação criminal, mantendo a polícia um espaço próprio e autónomo no exercício da sua função, mediante as suas legis artis” - áreas técnicas, operacionais e estratégicas, constitucionalmente consagradas na defesa da legalidade democrática da garantia da segurança interna e dos direitos dos cidadãos.

O MP é dentro do Estado o órgão que o representa, exercendo ainda a acção penal e defendendo a legalidade democrática, assim como os interesses que a lei determine. No artigo 1º e particularmente no artigo 3º da Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP)66 é

salientado o papel do MP na direcção, condução e fiscalização das polícias, ao salientar que compete, especialmente, ao Ministério Público, representar o Estado; dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades e fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal” (artº 3º).

Na sua estrutura organizativa, o MP relaciona-se funcionalmente com as polícias nas suas diferentes especificações e funcionalidades67 através dos seus diferentes níveis,

materializando-se esse relacionamento através dos procuradores-adjuntos das comarcas judiciais – ver a figura 7.

66 Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com as modificações introduzidas pelas Leis n.º 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de

20 de Agosto, e 10/94, de 5 de Maio e 60/98 de 27 de Agosto.

67 Existem diferentes polícias em Portugal: de competência genérica - Polícia Judiciária (PJ) que simultâneamente

tem competência reservada na investigação de certos crimes, Guarda Nacional Republicana (GNR) e Polícia de Segurança Pública (PSP) e de competência específica - de que são exemplos o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a Polícia Marítima (PMar) ou a Polícia Municipal (PMun).

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Figura 7 - Estrutura do MP e a relação com as polícias Ministério Público (MP) Órgãos Agentes Procuradoria-geral da República (PGR) Procurador(a)-geral da República Vice-Procurador(a)-geral Departamento central de

Investigação e Acção Penal Conselho Superior do MP

Procuradores-gerais Adjuntos Gabinete de Documentação

e Direito Comparado Inspecção do MP Procuradores da República

Departamento de

Contencioso do Estado Conselho Consultivo da PGR

Procuradores-adjuntos da República

Núcleo de Acessoria

Técnica Auditores jurícos

Procuradores-gerais Distritais

Procuradorias da república

Investigação e Acção Penal Departamentos de

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de: http://www.pgr.pt/grupo_pgr/indice.html Segundo o Código Processo Penal, os orgãos de polícia criminal (OPC) são “todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código” (artº 1º).

O controlo da acção da polícia tem sido considerado nas reformas frequentes da legislação criminal, tendo subjacente o papel das polícias no controlo da criminalidade e na tutela dos direitos e garantias dos cidadãos sob a orientação de uma autoridade judiciária:

“Tem-se actualmente mais clara consciência de que, estando nas mãos das polícias uma grande parte das tarefas do Estado tendentes a combater a criminalidade, aí convivem também alguns dos aspectos mais delicados da relação que, neste domínio, se estabelece entre o poder e os indivíduos. Os progressos havidos na dogmática processual, estimulados pela jurisprudência de instâncias internacionais sobre direitos do homem, elevaram à dignidade de princípios, valores como os da presunção de inocência, de proibição de determinadas provas, da assistência de defensor ou do carácter excepcional e subsidiário da detenção e da prisão preventiva. Não se estranhe, por isso, que, no seio da ONU, do Conselho da Europa ou de instituições como a Associação Internacional para o Direito Penal, tenham sido aprovados princípios ou recomendações que apontam para a necessidade das polícias realizarem a investigação criminal sob a direcção de uma autoridade judiciária ou, em qualquer caso, de um órgão encarregado do exercício da acção penal” (PGR, s/d).

Depois do enquadramento feito e de terem sido considerados os princípios de organização no conhecimento das regras normativas de condução geral de actividade dos campos estudados vai passar-se à produção sobre os poderes que poderão ser detidos na relação que entre si estabelecem os media e a polícia.