• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I – A teoria dos campos sociais

3. Espaço social

Segundo Bourdieu (2008), o espaço social é construído de forma a mostrar que os agentes ou os grupos se distribuem em função da sua posição, de acordo com dois princípios de diferenciação particularmente marcantes: o capital económico e o capital cultural. Nas palavras do autor “os agentes têm tanto mais em comum quanto mais próximos estejam nessas duas dimensões e tanto menos quanto mais distantes estejam nelas. As distâncias espaciais no papel equivalem a distâncias sociais” (p.19), predizendo dessa forma, encontros, afinidades, simpatias e até desejos. Acrescenta a esses dois princípios, o capital político, que se torna igualmente principal, ao assegurar aos seus detentores “uma forma de apropriação privada de bens e de serviços públicos (residências, veículos, hospitais, escolas etc.)” (p.31) que levam à criação de condições para o acontecer de lutas no campo do poder, de modo a poderem ser assumidas posições de dominação. Conseguir ser dominante é promover a perpetuação no poder do seu ser social, através de diferentes tipos de estratégias – matrimoniais, herança, económicas, educativas, com distribuição de poderes e privilégios que esmagam os dominados, marcando assim estilos de vida e uma posição.

A posição social é determinada pelas diferentes espécies de capital que cada indivíduo vai acumulando ao longo da vida, sendo as acções humanas no seio da sociedade, determinadas pela posição que os seus praticantes vão ocupando nos respectivos espaços sociais (onde se movem). Segundo Bourdieu, o que somos, queremos, acreditamos, sentimos ou fazemos, acontece por influência da estrutura social, sendo esta caracterizada pelo

18

princípio da distinção (relação directa com a distribuição do poder na dualidade entre dominantes e dominados, mas sem que estes se conformem a este estado), em que as posições não se concretizam em acção de forma estática e directa, antes se fundam nas relações mútuas que as vão conduzir. A posição ocupada na hierarquia do espaço social vai influir nas acções, gostos, interesses e preferências que se manifestam e depende do sucesso obtido nas lutas travadas pela melhoria dessa posição. Os indivíduos que ocupam lugares elevados defendem a sua posição e aqueles que estão mais abaixo na hierarquia aspiram a ocupar os lugares dos que estão acima deles. É neste quadro que Bourdieu descreve o espaço social como um ‘campo de forças’ onde cada um tem determinado peso (capital), que é utilizado para melhorar a sua posição e em que os agentes se vão bater ‘por um lugar ao sol’.

Nesta linha de pensamento, o espaço social organiza as práticas e as representações dos agentes, possibilitando a constituição de classes sociais teóricas (que existem em estado virtual), que mesmo que se individualizem pelo que comungam entre si não as tornam Marxianas - no sentido de serem grupos mobilizados por objectivos comuns contra uma outra classe, mesmo e quando se pelos interesses e gostos que as unem, possam aspirar a tal.

Deve ser salientado, entretanto, deixando isso bem claro, que a teoria e a prática são realidades que nem sempre permitem uma integração sequencial. Não se passa das ‘coisas da lógica, à lógica das coisas’ de forma imediata e directa, pelo que tudo deve ser visto de forma cuidada. As existências teóricas e as existências na prática são muito diferentes (basta notar que por mais clara que a teoria possa ser enunciada, nela não é visível a construção - as lutas travadas, as vitórias e as derrotas do processo de afirmação dos ideais, em que assenta a enunciação feita, sendo essas que verdadeiramente vão afirmar e sustentar a prática). É com essa premissa bem presente que o espaço social se constrói, seja de maneira individual mas, sobretudo, em actuação colectiva, usando formas e modelos de cooperação e/ou conflituais.

Esta visão rompe com a leitura ‘substancialista’ a que o autor chama de “ingenuamente realista” e que considera cada prática (por exemplo do jogo do ténis), ou cada consumo (por exemplo de fast food), em si e por si mesma(o)s “independentemente do universo das práticas intercambiáveis e concebe a correspondência entre as posições sociais (ou as classes vistas como conjuntos substanciais) e os gostos, ou as práticas, como uma relação mecânica e directa” (Bourdieu, 2008, p.16). Entendida dessa forma, a noção de espaço social e o que resulta dela (enquanto apreensão relacional do mundo social), torna-se primordial em termos da sua aplicação, porquanto, é através dela que Bourdieu chega aos fundamentos da sua teoria. O sociólogo francês defende que o espaço de posições sociais “se retraduz em um espaço de tomadas de posição pela intermediação do espaço de disposições” (idem, p. 21). Isto equivale a dizer, que, ao sistema de separações diferenciais que definem as diferentes posições nos sistemas do espaço social, corresponde um sistema de separações

19

diferenciais nas propriedades dos agentes (ou de classes construídas como agentes), isto é, nas suas práticas e nos bens que possuem. A cada classe de posições corresponde uma classe de habitus, produzidos pelos condicionamentos sociais associados à condição correspondente e pela intermediação desses habitus e das suas capacidades geradoras, um conjunto sistemático de bens e de propriedades, vinculadas entre si, por uma afinidade de estilo. Desta forma, os seres aparentes (quer se trate de indivíduos quer se trate de grupos) “existem e subsistem na e pela diferença, isto é, enquanto ocupam posições relativas a um espaço de relações que, ainda que invisível e sempre difícil de expressar empiricamente, é a realidade mais real (ens realissimum, como dizia a escolástica) e o princípio real dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos” (idem, p.48). As posições, práticas, ou gostos dos actores sociais, não se distinguem automaticamente; a diferenciação acontece pelo que os separa de outras posições. É a partir dessas posições, relações, separações e diferenças que se afirmam socialmente os diferentes poderes, como no capítulo IV vai ser conferido. Centremo-nos para já, no habitus.

3.1 Habitus

Importa perceber claramente aquilo que o autor designa de habitus. Para isso nada melhor do que tomarmos as palavras de Bourdieu que o define como um “princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas” (2008, p. 22). Noutra passagem tece-o da seguinte forma: “O habitus não é destino (…) Sendo produto da história, é um sistema de disposição aberto, que é incessantemente confrontado por experiências novas e, assim, incessantemente afetado por elas” (Bourdieu e Wacquant, 1992, p. 108). No seu labor explicativo, o autor refere que os habitus são diferenciados, mas também são diferenciadores:

“(…) distinguidos, eles são também operadores de distinções, pondo em prática princípios de diferenciação diversos ou utilizam diferenciadamente os princípios de diferenciação comuns. Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas - O que o operário come, e sobretudo a sua maneira de comer, o esporte que pratica e a sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes. Eles estabelecem as diferenças entre o que e bom e mau, entre o bem e o mal, entre o que e distinto e o que é vulgar etc., mas elas não são as mesmas. Assim, por exemplo, o mesmo comportamento ou o mesmo bem pode parecer distinto para um, pretensioso ou ostentatório para outro e vulgar para um terceiro. Mas o essencial é que, ao serem percebidas por meio dessas categorias sociais de percepção, desses princípios de visão e de divisão, as diferenças nas práticas, nos bens possuídos, nas opiniões expressas, tornam-se diferenças simbólicas e constituem uma verdadeira linguagem. As diferenças associadas a posições diferentes, isto é, os bens, as práticas e sobretudo as

maneiras, funcionam, em cada sociedade, como as diferenças constitutivas de

sistemas simbólicos, como o conjunto de fonemas de uma língua ou o conjunto de traços distintivos e separações diferenciais constitutivas de um sistema mítico, isto é, como signos distintivos” (Bourdieu, 2008, p. 22).

20

Como ponto referencial importa fazer notar que uma qualquer diferença só se torna visível (ou é considerada não indiferente) quando é percebida por outrem como sendo diferente e isso só acontece quando se comungam os mesmos traços de união, patentes nas mesmas categorias de percepção, por si mesmos diferenciadores e nessa medida levam a que facilmente se distinga um campo, de outro campo:

“Uma diferença, uma propriedade distintiva, cor da pele branca ou negra, magreza ou gordura, Volvo ou 2CV, vinho tinto ou champanhe, Pernod ou uísque, golfe ou futebol, piano ou acordeão (…) só se torna uma diferença visível, perceptível, não indiferente, socialmente pertinente, se ela é percebida por alguém capaz de estabelecer a

diferença - já que, por estar inscrito no espaço em questão, esse alguém não é indiferente e é dotado de categorias de percepção, de esquemas classificatórios, de

um gosto, que lhe permite estabelecer diferenças, discernir, distinguir - entre uma reprodução e um quadro, ou, entre Van Gogh e Gauguin.” (idem, p. 23).

Em resumo, pode dizer-se então, que o habitus é uma espécie de senso prático, ou por outras palavras, é o conhecimento que os sujeitos (agentes) possuem em relação ao que devem fazer em determinada situação e que deve acontecer de forma espontânea e natural embora sujeito à estrutura do campo. Esse senso prático traduz um sistema adquirido de preferências, visões, divisões, catalogações, um conjunto de “estruturas cognitivas duradouras (muito em parte produto da incorporação de estruturas objectivas) e de esquemas de acção, que orientam a percepção da situação e a resposta adequada (idem, p. 42). Tornando-se imperativo a partir da prática dos agentes e num exemplo que se pretende esclarecedor, acaba por ser uma mola que mediante a força da estrutura faz disparar o gatilho de modo a acontecer a acção. Por outras palavras, traduz a correspondência entre a estrutura mental e a estrutura objectiva do campo.

É magistral a forma como concebe a acção prática, ao constituir o agente como ser passivo e activo. No exemplo de um pintor, este age condicionado segundo as regras do campo resultante da inculcação de práticas artísticas hierarquizadas em vigor, ao mesmo tempo que age espontânea e livremente, exprimindo o seu estilo próprio na concretização do seu interesse. É esta mecânica que traduz a dinâmica do campo, nas lutas entre a conservação/continuidade e a superação/ruptura no funcionamento do mesmo, que levam a manter a illusio (jogo do campo) em busca de uma maior legitimidade.

No desenvolvimento do proposto, ao falar-se de prática como jogo (metáfora estilística) levanta-se uma questão importante: o senso prático que tem sido falado (o

habitus) tem por base pressupostos objectivos, estratégias perfeitamente definidas (face a

um interesse específico) ou manifesta-se de forma desinteressada? Antes de responder a esta questão vale a pena sublinhar, que a actuação dos agentes, mediante o habitus, acontece individual e colectivamente, sendo materializada nos diferentes campos que se afirmam socialmente.

21

3.2 Campos

A evolução social na sua especialização promove a autonomização e leva ao aparecimento de universos (uma espécie de compartimentações a que o autor chama de campos – político, económico, cultural, artístico, escolar, científico, burocrático, etc.) onde se joga o poder. Estes campos são autónomos (com leis próprias) e articulam-se de modo a constituir sub-campos, consideradas as afinidades e os interesses em jogo, onde só encontra valor quem está no jogo – só aqueles que vivem/sentem/têm as mesmas convicções.

Em ‘Sobre a televisão’ (1997) escreve que um “campo” é:

“um espaço social estruturado, um campo de forças – há dominantes e dominados, há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço – que é também um campo de lutas tendo em vista transformar ou conservar o campo de forças. Cada um, no interior desse universo, comete na sua concorrência com os outros a força (relativa) que detém e que define sua posição no campo e, por consequência, as suas estratégias” (p.41).

Importa reter que todo o campo tende a obter daqueles que o constituem uma forma de estar no campo que o autor chama de illusio (espaço de jogo onde os pensamentos e as acções podem ser modificados) e que juntamente com a libido (conjunto de força que agem sobre o sujeito durante o seu desenvolvimento e que auxiliam na aquisição na formação do habitus) se apresentam como condição e produto de funcionamento do campo (qual cumplicidade ontológica). É como se cada campo impusesse um preço (por mais elevado que seja) pela entrada no mesmo:

“Que não entre aqui quem não for geómetra, isto é, que ninguém entre aqui se não estiver pronto a morrer por um teorema” (Bourdieu, 2008, p. 141).

A entrada no campo pressupõe dessa forma que os seus constituintes (os agentes do campo) partilhem do mesmo ideal, que deve ser aprimorado em função dos interesses do próprio campo que se vai autoreconstruíndo dadas as condições evolutivas da afirmação que possam ir acontecendo.

As pessoas organizam-se socialmente à esquerda ou à direita, agrupando-se em campos que são ‘cativadores’ de estilos de vida e nos quais se constituem habitus que vão fazer com que a acção seja normalizada em relação a determinados princípios. Em função das suas profissões e modos de vida diferenciados (resultantes das opções de cada qual), dispondo de diferentes espécies de capital que é constitutivo da evolução social (e dos campos), os indivíduos e/ou os grupos, vão-se articulando de maneira específica, proporcionando uma organização que potencia a diferenciação social. Veja-se a seguir (figura 1) uma representação esquemática da forma como Bourdieu vê a sociedade (articulada nas diferentes posições sociais que definem os estilos de vida particulares):

22

Figura 1 – Posições sociais e estilos de vida

Fonte: Bourdieu (2008, p. 20) É resultante das especificidades diferenciadas, que se vão formar os campos, sendo cada um, palco de lutas internas que acontecem entre especialistas (instruídos, teóricos, intelectuais, que se afirmam) e leigos (que acabam por ser dominados face aos novos modelos, mas que não se acomodam e vão tentar reverter a posição), através de disputas (tomadas de posição) que vão marcar a corrente primária determinante de cada campo, traduzida na valência e peso social adquiridos.

Em produção sobre a teoria dos campos, Benson (1998) apresenta uma esquematização gráfica da constituição de campos na sociedade. Ver a figura 2 a seguir apresentada.

23

Figura 2 – Os campos

Fonte: Benson (1998, p. 472) Segundo Bourdieu (2008), a teoria do processo de diferenciação e de autonomia dos universos sociais com leis fundamentais (específicas) leva à explosão da noção de interesse:

“(…) há tantos tipos de ‘interesse’, quanto há campos. Cada campo, ao se produzir, produz uma forma de interesse que, do ponto de vista de um outro campo, pode parecer desinteresse (ou absurdo, falta de realismo, loucura etc.) (p. 149).

Regressando à questão da prática interessada ou desinteressada já levantada antes, Bourdieu insiste particularmente numa visão desinteressada da acção e ‘defende bem a sua dama’ focado na economia pré-capitalista. Este tipo de acção desinteressada conduz a que os ‘afazeres’ possam ser vistos como ‘a fazer’, trazendo a lume o futuro-presente de que fala Edmund Husserl. A ideia principal é mesmo o fazer, mas um fazer que pode não pressupor um resultado pré-concebido (um lucro imediato). É um fazer que tem mesmo de ser feito – imposição resultante do habitus. Determinado agir só pode ter um tipo de resposta possível. Exemplificando, Bourdieu usa a expressão “noblesse oblige” para expressar que o sentir interior vai provocar uma determinada resposta que só pode ser aquela que o habitus tem em si (no caso, conduta de honra) e que faz emergir o desinteresse como paixão – exige-se aquela resposta; o agente não pode deixar de proceder assim; é mais forte que ele, mesmo que não seja a forma que realize o maior dos proveitos (podendo falar-se em habitus desinteressados ou anti-económicos). A emergência e o vincar do sistema capitalista vão provocar,

24

entretanto, algumas alterações (no vigor da ‘economia de cálculo’ face à ‘economia de oferendas’ - fazendo mesmo parecer esta últimas, cínicas, em relação às primeiras):

“Quando se trata de negócios, por exemplo, as leis da família são suspensas. Sendo ou não meu primo, você será tratado por mim como um comprador qualquer; não há preferência, privilégio, exceção, isenção” (idem, p. 173).

Neste tocante, cabe introduzir, aqui, um comentário do Bispo da Guarda6 em homilia

recente na Igreja do Ferro/Covilhã, quando reflectia sobre a sociedade actual e dizia a propósito: “o grande mal da sociedade de hoje é ter acabado o homem comunitário. Deixou de haver relações gratuitas. Tudo tem um preço nos nossos dias. Não tem mais lugar o dar/ajudar (a)os outros, pois isso é algo que para muita gente faz pouco sentido”. Forma de dizer cuidada e precisa que marca o actual, colocando face a face as duas economias de que falávamos: a economia de cálculo – 'tudo tem um preço nos nossos dias”) face à economia de

oferendas – “não tem mais lugar o dar/ajudar os outros”).

Embora não seja pacífica, atendendo à subjectividade que patenteia, esta questão do interesse/desinteresse merece um pouco mais de atenção, apresentando-se exemplos, no sentido de promover uma melhor compreensão. Ao oferecer uma prenda, mesmo que não se espere retribuição, quando obtida a estima e consideração social (no reconhecimento pelos pares), isso acaba por traduzir ganho pessoal (acumulação de capital na economia de trocas simbólicas - expressão que é cara a Bourdieu). Também o pintor na sua actuação desinteressada quando pinta e não quer vender o produto do seu trabalho (arte pela arte), está a obter reconhecimento da sua diferenciação o que lhe permite ganhos simbólicos.

Esclarecida esta questão do interesse/desinteresse na acção, retoma-se a ideia que estava a ser tratada do entrar/pertencer a um determinado campo. Quando os agentes entram no campo, são estabelecidas relações de força específicas e estas acabam por potenciar tomadas de posição (dentro do campo e fora dele) com o objectivo de conservar e/ou transformar essas relações, sendo aplicadas diferentes estratégias de acordo com o capital detido e os interesses patentes:

“E no horizonte particular dessas relações de força específicas, e de lutas que têm por objetivo conservá-las ou transformá-las, que se engendram as estratégias dos produtores, a forma de arte que defendem, as alianças que estabelecem, as escolas que fundam, e isso por meio dos interesses específicos que são ai determinados (idem p. 60/61).

Como ideia base conclui-se que os campos se organizam numa lógica própria, que têm métodos, regras e hierarquias específicas, segundo as espécies de capital detido.

6 D. Manuel Felício, no seu discurso durante a homilia de confirmação dos candidatos ao Crisma, na

25

3.3 Capital

Bourdieu herda a noção de capital da teoria marxista, de onde bebe a influência das estruturas económicas no estabelecer das condutas individuais. Recebendo de Marx a ideia de capital como relação social que dá poder aos detentores face aqueles que não o têm, começa por ligar ‘capital’ a uma energia social que não existe (não produz efeitos) a não ser dentro do campo, onde ele se possa produzir/reproduzir. Entende por uma espécie de capital, tudo aquilo que é eficiente num determinado campo enquanto arma (forma de luta); traduz aquilo que permite ao seu detentor exercer um determinado poder, uma influência. Ao caminhar na sua especificação, pormenorizando cada espécie, vai falar em diferentes espécies/tipos de capital: cultural, social e simbólico.

3.3.1 Capital cultural

Promovendo a sua associação à noção de conhecimento (saber) e às diversas formas de compreendê-lo, Bourdieu chama a atenção, para o facto de ter relação com os costumes e hábitos (culturas), produzidos e conservados em diferentes contextos, que expressam um

ethos próprio. Por isso, fala em duas formas de receber cultura: uma pela familiarização

(acção pedagógica inicial da família) e outra mais tardia, pela inculcação escolar. Na ocupação do espaço social identifica pessoas com diferentes graus de bagagem cultural: uma elite iluminada detentora de títulos académicos, a classe média (pequena burguesia com pretensões de ascensão) e a ‘arraia-miúda’ envolvida numa lógica de necessidades imediatas que é normalmente impeditiva de considerar necessidades de cultura. Estes últimos reconhecem a superioridade das elites (que dispondo de uma acumulação de espécies de capital têm reunidas todas as condições para o sucesso e a dominação) e a sua luta de ascensão social vai apenas no sentido de tentar obter uma maior dignificação humana, tentando ultrapassar as condições degradantes com que se possam debater.

Dadas as considerações acerca dos campos feitas antes em termos de necessidade de investimento, torna-se óbvia a conclusão, de que, também o capital cultural exige investimento, seja em tempo, em trabalho e dedicação, nas relações estabelecidas pelos agentes/actores que pretendam obter/assimilar este tipo específico de capital: