Capítulo 3 – Análise do dizer dos alunos
3.1 O dizer do aluno
3.1.3 A língua como ferramenta para fins práticos
A língua inglesa é vista como franqueadora de boas oportunidades de trabalho e de
ascensão social. Vejamos o recorte 31:
(31) a06 –“ Ah, porque às vezes você pode assim não tem serviço muito aqui no
Brasil, assim hoje em dia né? Você pode sair daqui vai fazer curso no exterior. Lá o
que mais você precisa é saber falar inglês.”
Esse dizer do aluno a06 nos remete à formação discursiva do inglês como língua útil,
na qual estão presentes os discursos que afirmam ser o inglês a língua que proporciona
melhores oportunidades de trabalho, que facilita a inserção no meio científico, o acesso à
tecnologia e facilita a inserção social. Para o adolescente, falar inglês é estar inserido em uma
categoria especial, a categoria das pessoas que têm acesso aos benefícios atribuídos à língua
inglesa, tais como: melhores oportunidades no mercado de trabalho, acesso à tecnologia e à
informação.
No recorte discursivo de número 31, o sujeito faz uso da modalização em pode assim
e assim mostrando que está inteirado da posição do inglês na atualidade. Além disso, recorre
duas vezes ao verbo poder, ao advérbio assim e, também, à locução adverbial de tempo hoje
em dia como um reforço da idéia de estar a par do que acontece no mundo. O uso dos dêiticos
aqui e lá não serve apenas para expressar a distância geográfica existente entre o Brasil e o
exterior, mas também para separar o mundo utilizando o critério de poder econômico e
político.
16 Utilizamos a palavra desistoricizada para fazer referência ao efeito que a hegemonia da língua inglesa provoca no sentido de que os fatores políticos e econômicos pelos quais ela ocupa esse status no mundo praticamente não são lembrados.
O discurso do inglês como ferramenta necessária para se conseguir boas colocações no
mercado de trabalho é tema sempre presente no dizer do aluno e remete a dizeres advindos
das formações discursivas que sustentam que o inglês é uma ferramenta para se alcançar
ascensão social. O aluno a03 constitui-se em discursos dessas formações discursivas em dois
momentos de sua entrevista. Primeiramente quando lhe foi perguntado porque o aluno
considerava importante aprender uma língua estrangeira, o aluno a03 responde:
(32) a03- “Por causa que no futuro, precisa né, pra trabalhar, pra se dar bem na
vida.”
Posteriormente, o aluno a03 explica porque considerava o inglês a língua mais
importante de se aprender:
(33) a03- “Por causa que assim, de todas as línguas, ele (o inglês) é o que a gente
mais precisa pra poder crescer, né no trabalho, essas coisas.”
Por causa que não constitui simplesmente um vício de linguagem. Enuncia a
naturalidade com que o sujeito vê o papel do inglês como franqueador de boas oportunidades
profissionais e, conseqüentemente, de ascensão social. O advérbio assim corrobora a idéia de
justificativa. A aluna faz uso do né duas vezes, como busca de aprovação da pesquisadora e
também como marca do dizer do adolescente.
A regularidade do uso da preposição pra remete ao discurso da praticidade da língua
inglesa, como se a língua tivesse apenas finalidades práticas, tais como: facilitar a
comunicação no mundo globalizado, condição para arranjar um bom emprego, navegar na
Internet.
O advérbio mais é utilizado como justificativa para a escolha do inglês e não de outra
língua. Ao fazer uso do modalizador poder, o sujeito remete ao discurso de capacitação que
se atribui ao inglês. Nesse discurso, o inglês constitui um diferencial no currículo,
possibilitando mais oportunidades no mercado de trabalho para aqueles que o dominam.
Esse discurso que relaciona o inglês com capacitação profissional também está
presente no enunciado do aluno a01:
(34) a01- “Ah, porque a gente tem mais assim... mais oportunidades de trabalho,
né?”
As interjeições ah e né parecem se configurar como uma regularidade do discurso do
adolescente. A conjunção explicativa porque assume a função de justificar a opção do sujeito
pelo inglês e não por outra língua. Ao enunciar a gente, a aluna posiciona-se como inscrita na
sociedade globalizada. Com o uso dos advérbios mais e assim, o sujeito constitui-se no
discurso de intensificação dos benefícios atribuídos à língua inglesa.
Ainda que o adolescente esteja distante do mercado de trabalho e da universidade,
como é o caso do adolescente que cursa o Ensino Fundamental, ele possui o desejo de
pertencimento aos idealizados benefícios que o inglês representa, porque os discursos
oriundos de formações discursivas sobre a globalização o constitui, tais como o discurso de
que a língua inglesa é a língua da globalização, a língua do desenvolvimento e da
modernidade, é a língua que facilita a comunicação no mundo globalizado. Lembramos que
esses discursos chegam ao aluno por meio da mídia, da propaganda dos institutos de idiomas,
do professor, do livro didático, do currículo escolar, e, desse modo a sua subjetividade vai
sendo modelizada.
Analisemos agora o recorte 35. Ao perguntarmos para o aluno a01 se ele achava que o
inglês que ele aprende na escola vai ser útil na sua vida, obtivemos a seguinte resposta:
(35) a01- “Acho que vai. Porque tem, cada carreira que a gente possa seguir
O sujeito procura emitir sua opinião utilizando o verbo acho. Podemos identificar,
nesse modo de enunciar, o primeiro esquecimento, pois o sujeito tem a ilusão de que é
origem do seu dizer, ele não tem consciência disso. Pêcheux (1995) justifica:
“[...] apelamos para a noção de “sistema inconsciente” para caracterizar um outro “esquecimento”, o esquecimento nº 1, que dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina” (PÊCHEUX, 1995 p. 173).
Os discursos sobre as vantagens do inglês são amplamente veiculados no espaço
social, porém o sujeito não percebe que seu posicionamento sobre essa língua é afetado por
tais discursos. Uma das representações sobre a língua inglesa, e que está presente no
imaginário social, é a exigência do inglês em diferentes carreiras, e isso é notável nesse
enunciado quando o sujeito explicita essa representação e utiliza o modalizador possa para
apontar a possibilidade de acesso a uma carreira através do conhecimento da língua inglesa e
revela sua adesão ao discurso do inglês como franqueador de boas oportunidades de trabalho.
No documento
PAULIANA DUARTE OLIVEIRA O IMAGINÁRIO DO ALUNO SOBRE A LÍNGUA INGLESA NA CONSTITUIÇÃO DE SUA SUBJETIVIDADE
(páginas 102-105)