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Capítulo 2 – Condições de produção do corpus

2.4 O dizer do professor de inglês

2.4.2 Dizeres sobre a política de ensino de língua estrangeira

A sala de aula de língua estrangeira constitui o espaço discursivo em que o aluno,

sujeito de nossa pesquisa, na maioria dos casos, entra em contato com a língua inglesa.

Mediante um período de tempo estabelecido de duas horas/aulas por semana supõe-se que

este aluno tenha contato com o inglês. Além da sala de aula, o aluno, geralmente, tem

contatos eventuais com o inglês em Lan Houses, no cinema, nas músicas em inglês que ele

ouve, etc. Este contato formal com a língua inglesa em sala de aula e os contatos eventuais

proporcionados, constituem a forma como o aluno se confronta com esta língua.

O contato com a língua inglesa no contexto pedagógico da escola não é suficiente para

que haja uma aprendizagem efetiva dessa língua. Isso acontece porque a política de ensino

em curso atualmente não oferece condições para que se estabeleça uma aprendizagem que dê

condições ao aluno de ser proficiente em língua estrangeira.

Este tópico abrange uma série de discursos que circulam dentro da escola: falta de

política eficiente de língua estrangeira, inglês não reprova, desvalorização do professor,

descaso com a disciplina língua inglesa entre outros.

Vejamos o recorte abaixo:

(06) p01: “/…/ Olha… quanto a ensino e quanto à aluno… eu acho assim… às vezes

exige muito da gente… dá um livro pesado… no entanto não dá suporte… né a gente

não tem o suporte necessário que a gente precisa pra estar trabalhando… e a questão

também que eu percebi muito esse ano passado através do XX

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aquela história de

que inglês não reprova… então eu acho assim muito falho…”

Quando a professora p01 faz uso do adjetivo pesado ao referir-se ao livro didático

utilizado na rede estadual, ela faz coro com um discurso que segrega: “isso é para a escola

pública e aquilo é para a escola particular”, ou ainda, “isso não está no nível dos nossos

alunos”. Há na escola pública um discurso de que o aluno estaria num nível inferior ao aluno

da escola particular. Ao utilizar o adjetivo pesado para caracterizar o livro didático utilizado,

a professora também denuncia outras falhas do sistema de ensino: a falta de cuidado na

escolha de materiais e de metodologias, a falta de capacitação do corpo docente. Quando a

professora enuncia não dá suporte, ela reproduz um dizer que é compartilhado pela grande

maioria dos professores, conforme podemos verificar no dizer das outras professoras

entrevistadas.

Uma questão bastante polêmica é aquela que diz respeito à reprovação. Como já foi

dito neste trabalho, a língua inglesa é vista como disciplina que não reprova. Não é nosso

objetivo discutir essa questão aqui, especialmente porque avaliação e reprovação são questões

bastante polêmicas, não só com relação a língua estrangeira, mas com relação a qualquer

disciplina do currículo escolar. Porém, se por um lado é uma questão polêmica, por outro,

quando se estabelece, mesmo de forma não oficial

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, que um determinado bloco de disciplinas

reprova e outro bloco não reprova, cria-se muita tensão, pois a tendência é resultar na

desvalorização das disciplinas consideradas como aquelas que não reprovam e o provável

desinteresse dos alunos, visto que, esses alunos poderão considerar com mais seriedade

aquelas ditas disciplinas que reprovam. No entanto, sabemos que esta não é a única razão pela

qual a língua estrangeira não é valorizada no contexto escolar e também não é a única razão

pela qual o ensino como um todo não tem sido eficiente. Há todo um conjunto de fatores já

discutidos aqui que colaboram para essa situação.

Quando a professora enuncia eu acho denuncia outro fato preocupante: o professor

não é ouvido pelo sistema de ensino. As determinações sobre o ensino vêem prontas. Logo,

parece que não existe muito espaço para o debate no sistema escolar.

Perguntamos às professoras se elas sentiam-se realizadas com a profissão. Vejamos no

próximo recorte discursivo a resposta da professora p03:

(07) p03: “Às vezes sim e às vezes não… eu me sinto realizada porque foi uma

conquista minha em termos profissionais e não tô realizada por causa do descaso do

sistema… do descaso dos alunos… infelizmente a língua não é valorizada… o sistema

não valoriza…”

O reflexo da atual política de ensino é visto no enunciado não tô realizada por causa

do descaso do sistema. Em seguida, a professora estende sua insatisfação também para os

alunos. Ao enunciar do descaso dos alunos a professora expressa em seu dizer que os alunos

não valorizam a aula de língua inglesa. A partir do lugar que a professora ocupa no espaço

discursivo da instituição escolar, ela vê seus alunos como desinteressados pelas aulas de

língua inglesa. No entanto, os dizeres dos alunos sobre essa língua são de ordem processual e

não conceitual. Isso significa que os alunos não possuem um conceito formado sobre a língua

14 Essa questão parece ser mais de ordem prática, porque a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não determina quais disciplinas reprovam e quais disciplinas não reprovam.

inglesa porque não possuem suficiente conhecimento dessa língua. Ao longo do período em

que estes alunos têm sido aprendizes de língua inglesa, não se formou um conceito sobre essa

língua. Logo, suas opiniões sobre a língua inglesa são fruto do processo de ensino e

aprendizagem que eles vivem. Esse processo os leva a reproduzir discursos que circulam no

espaço discursivo da escola. Por conseguinte, o dizer do aluno se constitui na

interdiscursividade sobre a língua inglesa, nos discursos que circulam dentro e fora da escola.

Outra questão bastante discutida nesta dissertação diz respeito à não observância de

fatores não cognitivos no processo de ensino e a aprendizagem de língua estrangeira. No

próximo recorte, verificamos uma referência a essa questão:

(08) p04: “Eu tenho percebido que a barreira da linguagem é muito grande… porque

eles não têm conhecimento… não é a Língua Materna… não tem noção daquilo… não

tem material de pesquisa, não tem um dicionário, não tem nada… então o que você

não compreende traz interesse? É prazeroso? … eu percebo assim que a barreira de

linguagem é muito grande…”

Quando a professora p04 enuncia a barreira da linguagem é muito grande utiliza o

substantivo barreira para se referir à dificuldade que os alunos apresentam na aprendizagem

de língua estrangeira. Essa visão da professora está relacionada ao fato de que na política de

ensino e aprendizagem de línguas não se considera o fato de que há sujeito implicado no

processo e esse sujeito é heterogêneo e também possui sua subjetividade modelizada pelo

sistema capitalístico, conforme afirma Guattari (2005). Outro ponto passível de consideração

são os aspectos não cognitivos de que Serrani-Infante (1997,1998) nos fala, em que se situa a

questão da identificação do sujeito com a língua estrangeira que está aprendendo e também as

dimensões que Revuz (1998) aponta: dimensão do eu, dimensão cognitiva e dimensão

corporal, as quais precisam estar integradas para que haja aprendizagem. Todos esses aspectos

devem ser considerados na elaboração de políticas de ensino de línguas estrangeiras.

No entanto, no dizer da professora p04 há também a presença de discursos típicos do

espaço discursivo da escola. Um desses discursos é o discurso da falta. A professora p04

enuncia: não tem material de pesquisa, não tem um dicionário, não tem nada. Ou seja, a

professora apresenta a falta de recursos pedagógicos como um empecilho para os alunos não

aprenderem língua estrangeira. Os recursos pedagógicos são importantes sim, porém sozinhos

não produzem efeitos. É preciso que o professor faça uso dos recursos de modo adequado. Se

as escolas fossem bem equipadas, haveria uma boa aprendizagem de língua estrangeira na

escola pública? Se assim fosse, seria fácil resolver os problemas de ensino e de aprendizagem

de língua estrangeira no ensino público. Porém, considerando questões como a política de

ensino de língua estrangeira no Brasil, a constituição da subjetividade do aluno e os processos

identificatórios que incidem na aprendizagem, constata-se que não é uma questão apenas de

ordem pragmática.

Partindo daí, tocamos em um ponto fundamental: o discurso do imobilismo, que

também se verifica no dizer da profesora p04 no recorte discursivo 08. A professora se apóia

em argumentos como a barreira da língua estrangeira e a falta de recursos pedagógicos para

justificar a falta de conhecimento apresentada pelos alunos. A professora utiliza o

substantivo barreira apontando em seu dizer para a dimensão das dificuldades que se

apresentam no ensino de língua estrangeira e também a descrença em tentar uma mudança de

paradigma.