Capítulo 1 – Conceitos Teóricos
1.1 Formação discursiva e interdiscurso
Ao verificar os dizeres de exaltação da língua inglesa proferidos pelos alunos que
entrevistamos, percebemos que esse dizer não poderia mesmo ser diferente, afinal, ele
constitui o posicionamento de um sujeito que se encontra circunscrito em uma série de
discursos provenientes de diferentes lugares tais como TV, propaganda, cinema e que passam
a imagem de que o inglês é a língua mais importante da atualidade.
Os dizeres sobre os benefícios e vantagens do inglês são vários: língua universal,
língua dos negócios, da globalização, da Internet, da modernidade, do desenvolvimento. Em
nosso corpus encontramos dizeres que associam o inglês à comunicação e ao mercado de
trabalho, além de ser mencionada como língua útil para viajar. Porém, esses dizeres não
diferem com relação ao tema: em todos eles o inglês é visto de forma positiva, necessária,
progressista e útil.
Tomando o suporte teórico da Análise do Discurso, podemos dizer que esses dizeres
filiam-se a determinadas formações discursivas, devido à regularidade temática que se
encontra em tais dizeres.
O conceito de formação discursiva, fundamental para esta pesquisa, foi formulado por
Michel Foucault. Conforme Foucault (2004), quando há regularidade tanto nas escolhas
temáticas, quanto entre os objetos, tipos de enunciação e conceitos, tem-se uma formação
discursiva. Michel Pêcheux incorporou a noção de ideologia ao conceito de formação
discursiva. Para Pêcheux (1995), o discurso encontra-se em estreita relação com a ideologia e
as formações discursivas, por sua vez, encontram-se no interior das formações ideológicas, ou
seja, das crenças, valores e atitudes.
Segundo Pêcheux “a formação discursiva é o lugar da constituição do sentido”
(PÊCHEUX, 1995, p. 162). Desse modo, justifica-se a importância do conceito de formação
discursiva para esta pesquisa, pois na análise do corpus buscamos identificar as formações
discursivas às quais se filiam os dizeres dos alunos e dos professores que foram entrevistados,
objetivando compreender o sentido de tais dizeres. Em Semântica e Discurso, Pêcheux (1995)
discute a questão da formação discursiva, da qual retiramos algumas proposições relevantes
para nosso trabalho.
Na primeira proposição, o autor explica que a palavra não tem sentido próprio, seu
sentido muda conforme essa ou aquela formação discursiva, e as palavras, expressões,
proposições etc., mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as
empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto
é, em referência às formações ideológicas nas quais essas posições se inscrevem.
Na segunda proposição, Pêcheux (1995, p.162) afirma que a formação discursiva é o
lugar de constituição do sentido, enquanto na terceira proposição, explica que toda formação
discursiva dissimula o todo complexo com dominante. Pêcheux (1995, p. 162) explica que
esse todo complexo com dominante tem como característica a presença de outros discursos no
interior da formação discursiva e o nomeia como interdiscurso.
Como já foi dito, o foco de nosso trabalho é tentar compreender a aparente contradição
em que se encontra o aluno da escola pública em relação à língua inglesa, ou seja,
compreender os motivos pelos quais o aluno enaltece a língua inglesa, sem ter, contato com
essa língua que justifique tal enaltecimento. Essa contradição é observada no âmbito da escola
regular, especialmente da pública, porque nesse espaço discursivo, o contato estabelecido
entre o aluno e a língua inglesa é muito pequeno, porém, esse mesmo aluno produz um dizer
de exaltação a essa língua. Desse modo a simpatia do aluno inserido nesse contexto
pedagógico pela língua inglesa não se explica pela identificação com essa língua estrangeira
motivada apenas pela sua aprendizagem na escola, uma vez que aí o contato com a língua
inglesa é muito pequeno e, via de regra, não chega a acontecer o desarranjo identitário para
que se estabeleça o rearranjo, conforme é tratado por Serrani-Infante:
a meu ver, um dos processos fundamentais que acontece quando o sujeito desenvolve uma “aquisição” bem sucedida de segunda língua (isto é, quando acontece o “desarranjo” subjetivo que possibilita um “re-arranjo” significante) é a
inscrição do sujeito em relações de preponderância na discursividade nova da segunda língua (SERRANI-INFANTE, S. 1997, p. 75).
Assim, se no contexto de ensino de língua estrangeira da escola pública, geralmente
não há condições para a inscrição do sujeito-aluno em relações de preponderância na
discursividade da língua inglesa, as possibilidades de aprendizagem bem sucedida dessa
língua são remotas. Comumente, o que se observa, por parte da comunidade escolar em geral,
nas escolas regulares é um descaso com a língua inglesa enquanto componente curricular.
Assim sendo, buscamos na rede conceitual da Análise do Discurso elementos que
acreditamos ser capazes de nos fornecer a compreensão dessa contradição. No dizer de
Foucault (2004), podemos constatar uma certa irregularidade no uso das palavras, diversas
proposições incompatíveis, um jogo de significações que não se ajustam umas às outras, ou
seja, a existência de contradições nos dizeres do sujeito. No entanto, para Foucault (2004) a
pesquisa busca a coerência, um princípio de coesão. Assim sendo, nosso intuito é
compreender o porquê dessa contradição. Para isso, precisamos buscar as bases de tal
contradição, isto é, os discursos que constituem os dizeres do aluno. É por meio do
interdiscurso que podemos compreender porque o aluno, sujeito desta pesquisa, produz
dizeres que se circunscrevem em discursos de exaltação a um objeto ao qual ele praticamente
não tem acesso.
Pêcheux (1995, p.162) faz referência ao interdiscurso como o “todo complexo com
dominante” das formações discursivas e afirma que ele é submetido à lei de
desigualdade-contradição-subordinação que caracteriza as formações ideológicas e também afirma que toda
formação discursiva dissimula, devido à sua aparência de homogeneidade, a objetividade
material contraditória do interdiscurso. Assim, confirmamos em Pêcheux essa natureza
contraditória do interdiscurso. Segundo Fernandes a interdiscursividade é “[...] caracterizada
pelo entrelaçamento de diferentes discursos, oriundos de diferentes momentos na história e de
diferentes lugares sociais” (FERNANDES, 2005, p. 49). Desse modo, esses discursos vindos
de diferentes lugares e momentos nem sempre serão coesos entre si e quando não existe esta
“coerência interdiscursiva” o sentido dos dizeres produzidos é contraditório.
Como o aluno está exposto o tempo todo a dizeres que se inscrevem em discursos que
apregoam os benefícios e vantagens do inglês, como por exemplo, ao discurso da mídia, ele
vai, conseqüentemente, em seu processo de subjetividade se inscrever nesses discursos, do
mesmo modo como o fazem também os demais integrantes do espaço discursivo em que vive,
como por exemplo, pais e professores.
O interdiscurso assume papel relevante na explicação da constituição da subjetividade
do aluno, sujeito desta pesquisa, porque a esses dizeres que se circunscrevem em discursos de
exaltação do inglês são atribuídos sentidos, tais como língua útil que facilita a comunicação
no mundo globalizado e língua necessária para se conseguir boa colocação no mercado de
trabalho. Pelo cruzamento dos vários discursos a que o aluno está sujeito é que se construirão
as representações subjetivas que comporão o seu entendimento e compreensão do universo
permeado pela língua inglesa, mesmo que não esteja exposto a ela, como prática, na escola
regular. A relevância das representações para esta pesquisa reside no fato de que, segundo
Guattari (2005), as representações tomam parte no processo de produção subjetiva. Na
próxima seção, trataremos de representação e imaginário e discutiremos como as
representações atuam na produção de subjetividade.
No documento
PAULIANA DUARTE OLIVEIRA O IMAGINÁRIO DO ALUNO SOBRE A LÍNGUA INGLESA NA CONSTITUIÇÃO DE SUA SUBJETIVIDADE
(páginas 41-45)