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Capítulo 2 – Condições de produção do corpus

2.4 O dizer do professor de inglês

2.4.1 A língua que tudo promete

Iniciamos a análise do dizer do professor pelos recortes discursivos que extraímos das

respostas das professoras à pergunta Quais vantagens você vê no aprendizado do inglês?

Para o adolescente principalmente. E para um adolescente brasileiro? Em XXXX

11

?:

(01) p01- “Olha... o lado positivo que eu até falo muito... eu comecei numa escola

nova ontem e digo quer aprender tudo

12

... vá pra uma escola de idiomas né? Agora o

básico pelo menos... (incomp) mas eu acho que a vantagem mesmo... porque tudo...

tudo que você vai fazer tem ali um pouquinho do idioma né? Até os produtos do

supermercado é raro você não passar por um... que também é da língua inglesa e eu

acho a língua inglesa universal... então é fundamental na nossa vida...”

A professora p01, ao enunciar quer aprender tudo... vá pra uma escola de idiomas né?

agora o básico pelo menos... produz um dizer que está relacionado à representação de que

inglês se aprende no instituto de idiomas. Esta noção não se sustenta, pois estudar uma língua

estrangeira em um instituto de idiomas não é garantia de aprendizagem. Como já foi apontado

nesta dissertação, Revuz (1998) afirma sobre a aprendizagem de uma língua estrangeira:

“Com efeito, essa aprendizagem mobiliza, em uma interação necessária, dimensões da pessoa

que geralmente não colaboram, nem mesmo convivem em harmonia” (REVUZ, 1998, p. 217).

As dimensões a que Revuz se refere são: a dimensão do eu, a dimensão corporal e a dimensão

cognitiva. Ao enunciar a professora p01 ignora esse fato e reproduz uma noção alardeada

pela mídia de que as condições de ensino que os institutos de idiomas oferecem,

fundamentadas em metodologias modernas e na disponibilidade de recursos didáticos

variados, garantem a aprendizagem. Sem dúvida, estes elementos fazem uma grande diferença

na aprendizagem, mas sozinhos não garantem eficiência.

A professora p01 repete algumas vezes o pronome indefinido tudo, porém ao

empregá-lo, a professora faz alusão a discursos diferentes: ao utilizar o pronome indefinido

tudo pela primeira vez no enunciado quer aprender tudo a professora remete à noção de que

uma língua pode ser desmembrada em partes que formam um todo, conforme Grigoletto

(2001) discute. Mais adiante a professora enuncia porque tudo... tudo que você vai fazer tem

ali um pouquinho do idioma né?, desta vez, a professora emprega o pronome indefinido tudo

na intenção de demonstrar a abrangência da língua inglesa. Esse dizer faz parte da formação

12 Os grifos são nossos e os utilizamos a fim de chamar a atenção do leitor para as partes dos recortes discursivos em que concetramos a análise.

discursiva do inglês como língua universal, que está presente em todos os lugares e isto, como

sabemos é efeito da geopolítica do inglês, da relação de forças que decorre desse fato. A

professora possui no seu imaginário as mesmas representações que os alunos e isto acontece

porque as representações atuam na constituição dos sujeitos inseridos em um determinado

espaço discursivo.Woodward explica que: “Os discursos e os sistemas de representação

constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais

podem falar” (WOODWARD, 2000, p.17). Os discursos sobre a língua inglesa que circulam

na sociedade de consumo suscitam representações sobre essa língua, constituindo um

imaginário sobre ela.

Vejamos o dizer da professora p02:

(02) p02- “No campo de trabalho eu acho que ajuda mais né... e também tem a

tecnologia porque tudo que a gente vai aprender que tem tecnologia o inglês tá

envolvido né... o CD... o DVD... tudo... o som que vai ouvir tem inglês... você vai

comprar uma roupa vem de fora... tudo... o produto... a comida que você vai comer

tudo ta envolvido no inglês...”

A professora p02 também utiliza bastante o pronome indefinido tudo. Seu dizer remete

à formação discursiva do inglês como língua universal. A professora comete, a nosso ver, até

o exagero de associar o inglês à roupa e à comida. É claro que há realmente a presença da

indústria estrangeira na moda e também no setor de alimentação, porém, especialmente na

alimentação, ainda encontramos muito do regional nas cidades interioranas, que é cenário

desta pesquisa. Ao utilizar os substantivos CD, DVD e tecnologia a professora faz alusão ao

discurso que liga o inglês a tudo o que é novo. Pennycook (1999) afirma que esse fato

deve-se aos papéis que são atribuídos ao inglês no processo de modernização e de

desenvolvimento.

A idéia de modernização e desenvolvimento também se relaciona ao discurso da

globalização. Encontramos referência à globalização no dizer da professora p03:

(03) p03- “Primeiro mostra o grau de cultura do aluno... porque cultura não é só

saber matemática nem português... cultura é saber... ter uma expressão crítica em

relação a história... a geografia... e o inglês ele veio complementar por causa dessa

globalização... a gente se depara com inglês em tudo querendo ou não ainda mais o

adolescente de hoje que é fã de Lan House... vários alunos meus vem perguntar certas

expressões que eu não conheço mas que eles têm conhecimento porque ele vive dentro

dessas casas de Lan House... já começa por aí /.../ e mostra que o aluno que se

expressa ele tem certa maturidade intelectual...”

Ao enunciar ter uma expressão crítica em relação a história... a geografia...,

professora p03 toca num ponto importante que é ter uma visão crítica a respeito dos conteúdos

vistos na escola. No entanto, devido à situação do sistema de ensino oferecido atualmente e da

falta de uma política de ensino de língua estrangeira, sabemos que as aulas de língua inglesa

acabam se resumindo ao ensino de gramática e vocabulário. Com relação à interpretação de

texto, por exemplo, que é uma das atividades que permitem o posicionamento do aluno,

verificamos, na análise do dizer do aluno, que o trabalho com textos parece estar focado na

tradução dos textos. Nenhum dos alunos entrevistados citou atividades de interpretação de

texto.

Quando utiliza o verbo no passado em o inglês ele veio complementar por causa dessa

globalização, a professora expressa em seu dizer que possui a noção de que a presença do

inglês é um fenômeno recente, vindo com a globalização. Ao enunciar dessa forma, a

professora faz referência à noção que relaciona o inglês a tudo o que é novo. Pennycook

(1999) nos fala que o inglês é visto como uma língua que se adapta à modernidade, à

tecnologia, à ciência, à comunicação global. Na realidade, nem a expansão do inglês e nem a

globalização são fenômenos tão recentes assim, pois a expansão da língua inglesa iniciou-se

com a colonização britânica e a globalização, segundo Hall (2005), não é um fenômeno

recente, está ligado à modernidade.

Ao utilizar o pronome indefinido tudo, a professora também faz referência à formação

discursiva da língua inglesa como língua universal. Essa visão do inglês como língua

universal também está presente no dizer da professora p04:

(04) p04- “Ah! O inglês é uma língua globalizada né? É a língua do mundo... então eu

acho que é interessante para o aluno ter conhecimento de uma linguagem

mundialmente falada....”

Ao enunciar O inglês é uma língua globalizada né? e também em linguagem

mundialmente falada, a professora demonstra sua circunscrição no discurso do inglês como

língua global, e que liga a língua inglesa ao fenômeno da globalização. Ao utilizar o advérbio

mundialmente a professora também faz referência ao discurso do inglês como língua global.

O verbo no particípio falada está exercendo a função de adjetivo e remete ao discurso do

inglês como língua que promove a comunicação entre os povos de diferentes nações.

Vejamos o próximo recorte discursivo:

(05) p05- “O que eu estou vendo de maneira geral... porque é o que eles mais

perguntam... a Internet hoje é um acesso amplo... todo mundo... você vai ali um

pouquinho vai jogar... esses jogos... a Internet lançou muita palavra... expressão que

eles chegam perguntando pra gente o que significa... porque é um eletrodoméstico...

uma coisa que vai usar... tem tudo isso....”

No dizer da professora p05, também aparecem dizeres que estão circunscritos em

algumas das representações encontradas nos dizeres anteriores. Ao enunciar a Internet hoje é

um acesso amplo e esses jogos a professora faz referência ao discurso de que a língua inglesa

é uma língua que se adapta ao mundo moderno e à tecnologia. O adjetivo amplo remete ao

discurso do inglês como língua universal, que está presente no mundo todo. Ao utilizar o

pronome indefinido todo e o substantivo mundo, a professora remete à idéia do pertencimento

ao mundo globalizado e essa idéia relaciona-se a questões de poder. O desejo de

pertencimento às vantagens atribuídas ao inglês é um desejo de ascensão social, que está

relacionado ao estilo de vida dos países desenvolvidos, especialmente dos países de língua

inglesa. Assim, se conforme Faria (1999) quem representa, representa o poder, esta é uma

representação determinada pelo poder de grupos hegemônicos.

Em eles chegam perguntando, a professora relata um acontecimento comum em sala

de aula, em que os alunos demonstram o interesse pela língua inglesa em situações de uso

real. O aluno quer saber o significado de expressões do dia-a-dia, vistas em músicas, filmes,

jogos. Este desejo entra em choque com a proposta de ensino de língua estrangeira oferecida

pelo atual sistema de ensino. Nessa proposta, segundo os PNCs, a ênfase está na leitura.

Contudo, na realidade, pela análise que estamos realizando, a ênfase é feita no ensino de

gramática, de vocabulário e de tradução. Depreende-se desse fato, que um dos fatores que

desmotivam o aluno reside na questão de o aluno desejar algo que não lhe é oferecido. Esse

desejo do aluno vem dos discursos propagados especialmente pela mídia. Nesses discursos,

são atribuídos benefícios e vantagens àqueles que possuem o conhecimento dessa língua.