Capítulo 3 – Análise do dizer dos alunos
3.1 O dizer do aluno
3.1.4 A representação sobre a comunicação
Os alunos aderem à representação de que saber se comunicar em uma língua
estrangeira é sinônimo de saber a língua. Isso vem tanto do ensino baseado na abordagem
comunicativa quanto do papel da mídia, que reforça essa idéia, contribuindo para a
manutenção dessa representação, conforme tratamos no capítulo III, pois a habilidade de falar
é a habilidade mais explorada nas propagandas de cursos de idiomas. Esse é um dos motivos
pelos quais os cursos de idiomas são considerados os lugares em que se aprende língua
estrangeira. Do mesmo modo, a falta de condições de se desenvolver atividades de
conversação em língua estrangeira na escola regular, especialmente na escola pública, é um
dos motivos que levam à desvalorização do seu ensino nesse contexto.
Existe, ainda, a representação de que o inglês é útil porque permite a comunicação
entre povos de nacionalidades diferentes. A crença de que a língua inglesa é necessária é
também uma das características da era da globalização.
Em seu dizer, o aluno a07 refere-se à língua inglesa como sendo útil para a
comunicação:
(36) a07- “É... você pode ter oportunidade de ir para outro país e se você não saber
se comunicar lá, vai ser difícil pra você arrumar emprego.”
(37) a07 – “Ah (incomp) Uma entrevista de trabalho eles pedem que a pessoa fale
inglês.”
Esse dizer pertence à formação discursiva do inglês como língua útil, na qual se insere
o discurso de que a língua inglesa facilita a comunicação entre povos de nacionalidades
diferentes. Esse discurso denuncia uma perspectiva ingênua, que vê a língua como
desvinculada de questões políticas e de poder e também denuncia a noção da neutralidade da
expansão do inglês de que nos fala Pennycook (1999). Essa noção está embutida no discurso
do inglês como língua desenraizada de sua identidade cultural e que já se encontra bem
adaptada à sua posição de língua da globalização. Desse modo, conforme essa noção, o inglês
não estaria promovendo aculturação por onde se espalha.
O modo de enunciar do sujeito-aluno, em que aparecem as formas verbais comunicar
e fale, remete à representação de que a língua inglesa é útil porque facilita a comunicação
entre pessoas de nacionalidades diferentes, porém qualquer outra língua poderia cumprir essa
função. Assim, essa representação apaga o fato de que outras línguas, e não necessariamente o
inglês, poderiam facilitar a comunicação entre falantes nativos de línguas diferentes e
exercerem o papel de língua universal. Novamente confere-se a essa língua atributos que a
supervalorizam. Conforme afirma Woodward (2000), a representação inclui práticas de
significação e sistemas simbólicos. Devido a alguns fatos em torno do inglês como sua
expansão e sua geopolítica, foram produzidos significados para essa língua que constituem
um imaginário. Esse imaginário é mantido pelas representações sobre a valorização do inglês.
O desejo de pertencimento também está presente no dizer do aluno a07, conforme ele
enuncia no recorte 36 analisado anteriormente: são os estrangeiros, os não anglófonos que
devem se adequar à exigência do mundo atual e aprender a se comunicar em inglês. Para o
sujeito, o contrário é impensável, ou seja, um nativo de país de língua inglesa ter que aprender
uma língua estrangeira para conseguir trabalho é uma possibilidade muito remota.
Vejamos o recorte 38:
(38) a11- “Ah... viajar... assim... não só viajar por exemplo a gente... ta passeando...
um turista que não sabe falar português... mas sabe falar só inglês... ele... a gente
pode também transmitir as coisas pra eles né?”
Inicialmente, verificamos no dizer do aluno a11, a representação do inglês como
ferramenta para fins práticos quando ele enuncia Ah... viajar, porém, logo em seguida esse
aluno enuncia fazendo referência à representação do inglês como língua que permite a
comunicação entre povos de nacionalidades diferentes. A utilização dos verbos falar e
transmitir remete a essa constituição dos alunos de que saber inglês é saber falar inglês.
Grigoletto (2003) trata, em um trabalho citado na introdução desta dissertação, dos discursos
sobre metodologias modernas de aprendizado de uma língua estrangeira. Tais metodologias
apregoam a eficiência no desenvolvimento da habilidade de falar em língua estrangeira. Além
disso, os institutos de idiomas fazem uma forte campanha publicitária em torno disso,
conforme apontamos no Capítulo II, em que tratamos da questão da influência da mídia, das
propagandas de cursos de inglês e o efeito disso como uma das condições de produção dos
dizeres dos alunos. Grigoletto (2003) faz algumas observações sobre o enunciado que
relaciona saber inglês com utilizar a língua para comunicação:
trata-se de um enunciado que faz parte do discurso sobre ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, notadamente nas duas últimas décadas, mas que também é expresso nos discursos da propaganda e do poder econômico, incluídos aí o discurso da globalização e da conseqüente necessidade de se encontrarem fórmulas para a comunicação entre povos de diferentes nações, para a transação de bens materiais e culturais (GRIGOLETTO, 2003, p. 227).
O discurso sobre ensino-aprendizagem de língua estrangeira é um grande discurso e a
partir dele são construídas representações sobre a língua inglesa, como por exemplo a
representação que relaciona o inglês à comunicação, a representação do inglês como língua da
globalização e também a representação do inglês como uma ferramenta para fins práticos. O
advérbio também expressa a idéia de multiplicidade de fins para os quais a língua inglesa se
destina. Pennycook (1999) chama a atenção para essa visão do inglês como língua que
permite a comunicação entre os povos e alerta sobre a existência de uma perniciosa
dicotomia: o inglês como língua global da comunicação enquanto as línguas locais ficam
relegadas somente para questões locais, pessoais e tradicionais. Ao analisar o dizer dos alunos
tem-se a impressão de que eles fazem uma distinção entre a língua inglesa e sua língua
materna, a língua portuguesa. Os alunos consideram a língua inglesa como língua útil para
determinados fins, como para viajar, para se conseguir um bom emprego e para se comunicar
com pessoas estrangeiras. Enunciar desse modo significa que os alunos elegeram a língua
inglesa como essa língua útil, como se as outras línguas não fossem capazes de cumprir tais
funções. Não estamos aqui defendendo a visão de que se aprende língua estrangeira para fins
específicos. O que está em questão é que qualquer língua, enquanto código lingüístico pode
ser utilizada para se comunicar nas mais diversas situações. Isso não é privilégio da língua
inglesa. No entanto, há dizeres que sustentam que o inglês é a língua que se presta para esses
fins.
No documento
PAULIANA DUARTE OLIVEIRA O IMAGINÁRIO DO ALUNO SOBRE A LÍNGUA INGLESA NA CONSTITUIÇÃO DE SUA SUBJETIVIDADE
(páginas 105-109)