Capítulo 2 – Condições de produção do corpus
2.3 Política de ensino de língua estrangeira
Os alunos que entrevistamos nesta pesquisa têm contato “formal” com a língua inglesa
apenas no contexto de escola regular: não freqüentam aulas em institutos de idiomas e nunca
viajaram para países de língua inglesa. Logo, a experiência de aprendizagem desses alunos
com a língua inglesa, bem como o contato com essa língua, são vivenciados apenas na escola
ou pelo contato com alguns tipos de mídia, como por exemplo, jogos eletrônicos, DVD,
música, cinema, etc. Desse modo, faz-se necessário analisar a situação da política de ensino
de língua estrangeira, visto que o modo como esse aluno percebe a língua inglesa e sua
aprendizagem é afetado, além das representações sobre o inglês que estão presentes no
imaginário social, também pelos discursos sobre o inglês que circulam nesse contexto e pelo
tipo de política de ensino implantada pelo sistema educacional.
Para tratar da política de ensino de língua estrangeira, partimos do seguinte
pressuposto: “[...] linguagem e educação são aspectos essencialmente políticos”
(PENNYCOOK, 1998, p. 24). Ferreira e Giesel (2001) compartilham da mesma opinião,
afirmando que toda educação é um ato político.
O dizer do aluno, sujeito desta pesquisa, é constituído também por discursos oriundos
de formações discursivas sobre o ensino de língua estrangeira. Assim, fazemos um breve
histórico do ensino desta disciplina no contexto pedagógico brasileiro.
Segundo Leffa (1999), historicamente, o que aconteceu com o ensino de línguas no
Brasil tem sido um eco do que aconteceu em outros países, porém, com algumas décadas de
retardo.
O ensino de línguas estrangeiras iniciou-se com as primeiras escolas fundadas por
jesuítas, com ênfase, primeiramente, no ensino das línguas clássicas, grego e latim e,
posteriormente no ensino das línguas modernas: francês, inglês, alemão e italiano.
Durante o império, iniciou-se a decadência do ensino de línguas estrangeiras e também
da escola secundária. Essa queda de prestígio foi gradual, especialmente em relação ao
número de horas semanais dedicadas ao ensino de língua estrangeira, que foi sendo reduzido
gradativamente. Na Primeira República, a carga horária diminuiu ainda mais e reduziu-se
também o número de línguas estrangeiras oferecidas. Nesse período, o avanço registrado veio
com a Reforma de 1931, que introduziu uma metodologia: o método direto. Até então, não
havia uma metodologia específica para o ensino de língua estrangeira.
Desse histórico do ensino de línguas estrangeiras na rede oficial de ensino no Brasil,
Leffa (1999) destaca as décadas de 1940 e 1950 como o melhor período desse ensino. Nessas
duas décadas, o ensino foi regulamentado pela Reforma Capanema. Conforme Leffa, as
décadas de 1940 e 1950 “[...] foram os anos dourados das línguas estrangeiras no Brasil”
(LEFFA, 1999 p. 08).
Passado esse período, o ensino de línguas decaiu novamente. Com a Lei de Diretrizes
e Bases (doravante LDB) de 1961 inicia-se a decadência do ensino de língua estrangeira, o
qual fica sob a responsabilidade dos conselhos estaduais de educação. O latim foi retirado do
currículo da maioria das escolas e o francês, nos casos em que não foi retirado, teve sua carga
horária diminuída. Quanto ao inglês, permaneceu inalterado, talvez como reflexo da crescente
hegemonia da língua inglesa e do consumo da cultura de massa produzida nos países de
língua inglesa, especialmente nos EUA.
A LDB de 1971 agravou ainda mais a situação do ensino de língua estrangeira no
Brasil. As disciplinas eram agrupadas em disciplinas do núcleo comum e disciplinas da parte
diversificada. A língua estrangeira integrava a parte diversificada e ficou estabelecida como
disciplina “dada por acréscimo”, conforme as condições das escolas. Com isso, a qualidade do
ensino piorou ainda mais.
Muitas escolas tiraram a língua estrangeira do 1º grau, e no segundo grau, não ofereciam mais do que uma hora por semana, às vezes durante apenas um ano. Inúmeros alunos, principalmente do supletivo, passaram pelo 1º e 2º graus, sem nunca terem visto uma língua estrangeira (LEFFA, 1999, p. 10).
A LDB atual, em vigor desde 1996, continua, como na lei anterior, separando as
disciplinas do currículo escolar em disciplinas da base nacional comum. Essa base nacional
comum é constituída pelas disciplinas obrigatórias em todo o território nacional, e a parte
diversificada, constituída pelas disciplinas que têm o objetivo de complementar a base
nacional comum. A escolha das disciplinas a serem ministradas, na parte diversificada, é
determinada pela necessidade e condição de cada região ou estabelecimento escolar. A língua
estrangeira continua na parte diversificada, porém a LDB de 1996 assegura a obrigatoriedade
de seu ensino:
na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição (Lei nº 9.394/96, art. 36, inciso III).
Limitamo-nos às questões relacionadas ao ensino de língua estrangeira no Ensino
Fundamental, pois os alunos que entrevistamos para esta pesquisa cursam 7ª e 8ª séries desse
nível de ensino.
Como vimos, a LDB de 1996 dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de uma língua
estrangeira a partir da 5ª série, porém não determina qual língua deve ser ensinada.
Na prática, a língua mais escolhida pelos currículos da rede escolar oficial é a inglesa.
Apesar da hegemonia do ensino de inglês como língua estrangeira na rede escolar, a falta de
qualidade no ensino leva, tanto pais, quanto alunos e professores, ao consenso de que para se
aprender línguas e se tornar proficiente é preciso freqüentar um instituto de idiomas.
A falta de qualidade do ensino de língua inglesa na escola pública tem origem na
própria LDB. Há, por parte da comunidade escolar – pais, alunos, diretores de escolas,
coordenadores pedagógicos - uma crença de que as disciplinas da parte diversificada do
currículo não reprovam. Dessa forma, há um certo descaso em relação ao seu ensino,
inclusive por parte de muitos professores, pois estes professores também são constituídos pelo
discurso de que o lugar de se aprender uma língua estrangeira é o instituto de idiomas. Tais
professores fazem voz com a ideologia vigente, não são agentes transformadores, não por
incompetência, mas por estarem inseridos em uma política de ensino que não oferece
condições suficientes para que este ensino tenha melhor qualidade e seja condizente com
aquilo que a comunidade deseja.
Somado a isso, há escassez de material didático, que geralmente é reduzido ao livro.
Mesmo sendo, muitas vezes, o único recurso didático, não raro, há falta de livro didático de
língua estrangeira. Isso porque o Ministério da Educação e Cultura não fornece livro de
língua estrangeira gratuitamente, como oferece para disciplinas como Matemática, Língua
Portuguesa e outras. Sendo assim, os alunos devem comprá-lo; entretanto, há alunos sem
condição financeira para isso e, nesse caso, eles freqüentam as aulas sem o livro didático.
Outro problema é a falta de professores qualificados e proficientes para o ensino de
língua estrangeira. Somente a partir da LDB de 1996, a habilitação específica para os
professores de todas as disciplinas passou a ser exigida. Espera-se que com essa determinação
da LDB haja melhora na qualidade do ensino.
Não há muitos esforços, por parte dos órgãos oficiais de ensino, no sentido de orientar
o ensino de língua estrangeira no Brasil. O único documento com orientações que objetivam
nortear o ensino são os Parâmetros Curriculares Nacionais, doravante PCNs, que foram
publicados em 1998.
Os PCNs não discutem uma metodologia em particular, porém, orientam que o
ensino deve ser baseado numa visão sociointeracional da linguagem e da aprendizagem.
Também orientam a inclusão dos temas transversais que são: ética, saúde, meio ambiente,
orientação sexual, pluralidade cultural e trabalho e consumo.
Percebe-se nos PCNs uma visão pragmática do ensino de línguas. Nessa visão, a
leitura em língua estrangeira é considerada a habilidade que deve ser enfatizada nas aulas
dessa disciplina.
Com exceção da situação específica de algumas regiões turísticas ou de algumas comunidades plurilíngües, o uso de uma língua estrangeira parece estar, em geral, mais vinculado à leitura de literatura técnica ou de lazer. Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade da leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato (PCNs 1998, p. 20).
Essa, talvez, seja uma das razões pelas quais o ensino de língua estrangeira na escola
não é atraente para o adolescente. Especialmente, devido ao discurso midiático, esse aluno
espera que a escola o capacite para falar em língua estrangeira, no entanto, as orientações dos
PCNs para o ensino de língua estrangeira restringem o ensino da língua à leitura, julgando
que para o aluno da escola regular aprender a ler em língua estrangeira basta.
Os alunos associam o domínio da habilidade de se comunicar em língua estrangeira
por meio da fala com aprender língua estrangeira. Como a escola, praticamente, não oferece
atividades que desenvolvem a habilidade de fala, os alunos elegem os cursos de línguas como
o lugar em que se aprende inglês, especialmente devido à grande publicidade que os cursos de
línguas fazem com relação a essa habilidade. No entanto, estudar línguas em institutos de
idiomas não é garantia de aprendizagem efetiva, tampouco significa que os alunos oriundos
dessas escolas sempre conseguem desenvolver a habilidade de falar na língua estrangeira que
estudaram.
A mídia influencia bastante essa opinião dos adolescentes, haja vista as propagandas
de institutos de idiomas veiculadas com dizeres desse tipo: “Aprenda inglês falando!
Matricule-se!”, “FBI - Fale Bem Inglês.”, “Método para fazer sucesso. No método X você
aprende e nunca mais esquece. X é assim que se fala.”
10Porém, justamente essa é a habilidade mais problemática no sentido de ser
desenvolvida na escola pública, devido à política de ensino de língua estrangeira em curso.
Isso acontece devido às condições de ensino que não são propícias para o desenvolvimento
dessa habilidade, principalmente porque faltam professores de inglês proficientes e o número
de alunos em classe costuma ser muito alto. Muitas vezes, nem o próprio professor de língua
inglesa se constitui nessa língua. Há casos em que o professor dá aulas de língua inglesa para
completar a carga horária e também aqueles casos em que o professor escolheu essa carreira
por falta de melhores opções de trabalho.
Além da ênfase na habilidade de falar em inglês, os institutos de idiomas utilizam os
mais variados artifícios nas propagandas, objetivando atrair alunos, conforme podemos
comprovar nos exemplos retirados de Carmagnani (2001).
10 Os exemplos acima citados foram extraídos de GUILHERME DE CASTRO (2004, p. 203). A autora utiliza a letra X em substituição aos nomes dos institutos de idiomas.
b) Oferecimento de prêmios:
“Um pé aqui... e outro lá.
Curse 5 estágios e voe grátis para Nova York.”
(CARMAGNANI, 2001, p. 121)
a) Rapidez na aprendizagem:
“Inglês para sua profissão
Fale em 1 ano, (escrito em selo de garantia)
Qualidade internacional, Velocidade total, Preço sem igual.”
(CARMAGNANI, 2001, p. 126)
c) Inglês como ferramenta para inserção ao mercado de trabalho e ao mundo globalizado:
“Comece aqui a melhorar o seu currículo. Decole na sua carreira com o inglês da BL1.”
O discurso midiático sobre a língua inglesa possui como implicação o fato de reforçar
representações sobre essa língua. Além disso, reforça ainda mais a imagem de desprestígio
do ensino de língua estrangeira na escola regular e, em contrapartida, reforça a imagem de
eficácia no ensino de língua estrangeira nos institutos de idiomas.
A situação do ensino de língua estrangeira na escola regular brasileira revela que há
muito para ser feito no sentido de melhorar esse ensino. Conforme citamos no primeiro
capítulo deste trabalho, a respeito da situação da educação básica no Brasil:
os dados disponíveis permitem concluir que o sistema educacional brasileiro, a despeito de seu expressivo crescimento e da ampliação do atendimento da d) Facilidades:
“INGLÊS
Sem lição de casa! Metodologia exclusiva Curso rápido
Aprendizado natural Didática Emotiva Revisão Planejada
Assista uma aula gratuita.”
(CARMAGNANI, 2001, p. 121)
f) Metodologia duvidosa:
“Aprenda a falar inglês até dormindo!
De forma rápida, prática e econômica. Vantagens:
É prático: Você utiliza no lugar e horário que desejar Fácil de usar: Dormindo ou acordado basta um gravador
Econômico: preço acessível e pagamento facilitado (destaque em vermelho no texto)
Versátil: Permite reutilização do kit (Ex.: amigos e parentes)
Material de apoio: Fitas, pillow speaker, timer e apostilas
MATERIAL CIENTIFICAMENTE COMPROVADO”
(CARMAGNANI, 2001, p. 125).
e) Inglês como ferramenta para inserção ao mercado de trabalho e ao mundo globalizado:
“Aprenda idiomas no SN. GLOBALIZE-SE
No SN não há limites para se aprender um nova língua: tem sempre um jeito descontraído para você sair falando mais um idioma. E além da língua, você descobre que o grande barato é a globalização. Do mundo e a sua.”
população na faixa etária, ainda está longe de uma boa eficiência e apresenta um baixo rendimento (PEREZ, 1999, p. 69).