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Capítulo 3 – Análise do dizer dos alunos

3.1 O dizer do aluno

3.1.1 Inglês: uma língua universal?

Observamos, nos dizeres dos alunos, uma regularidade que reflete imagens e sentidos

sobre a língua inglesa que já estão bem cristalizados no seu imaginário. Tais imagens e

sentidos se fortalecem e se sustentam em discursos que relacionam o inglês à globalização,

ao desenvolvimento e à modernidade.

Para a primeira pergunta: “Na sua opinião é importante aprender uma língua

estrangeira?”, todos os entrevistados responderam afirmativamente. Quando foram

questionados sobre qual língua consideravam importante aprender, a língua mais citada foi o

inglês:

(09) a01 “Acho que Inglês.”

(10) a02 “Inglês.”

(11) a03 “Inglês.”

(12) a04 “Inglês.”

(13) a05 “Inglês.”

(14) a06 “Ah, o Inglês.”

(15) a07 “Inglês. É a mais... uma das mais faladas né?”

(16) a08 “Ah... francês, espanhol.”

(17) a09 “Espanhol, Inglês.”

(18) a10 “Inglês.”

(19) a11 “Espanhol.”

(20) a12 “Inglês.”

(21) a13 “Inglês.”

(22) a14 “Espanhol!”

(23) a15 “/.../ ah... Inglês!”

Há regularidade nas respostas porque os entrevistados se inscrevem no mesmo

discurso, ou seja, o discurso do inglês como língua universal. Desse modo, com exceção dos

recortes 16, 17, 19 e 22, em que foram citadas outras línguas, podemos perceber que a maioria

dos alunos circunscrevem seus dizeres na formação discursiva do inglês como língua

universal. Esse discurso se sustenta pelo que Pennycook (1999) chama de modelo da

modernização que considera o inglês a língua universal, língua global da comunicação.

Junta-se a isso o papel da mídia na difusão dessa idéia e no papel de colaborar no que

Thompson (1995) chama de processos de valorização. Segundo Thompson: [...] processos

com os quais, e através dos quais, é conferido às formas simbólicas determinado “valor” ”

(THOMPSON 1995, p. 23).

Verificamos, nesses dizeres, que os alunos valorizam o inglês, mas essa valorização

deve-se às vantagens que a ele são atribuídas, e isso podemos verificar no decorrer desta

análise. A referência ao espanhol, feita por alguns alunos, também deve-se ao processo de

valorização que essa língua vem tendo na mídia. Como exemplo, durante as entrevistas alguns

alunos se referiram à música em espanhol e aos artistas que cantam neste idioma. No recorte

09, o aluno a01 utiliza o verbo achar dando idéia de dúvida, porém no recorte 14, o aluno a06

utiliza a interjeição Ah expressando segurança, certeza. No recorte 15, o aluno a07 ainda faz

uma alusão ao discurso do inglês como língua mais falada. Essas referências ao inglês como

língua mais falada e também como língua universal mostram como esses discursos já estão

naturalizados no imaginário social. O conceito de naturalização é utilizado por Norman

Fairclough (1989) para explicar como determinados discursos tornam-se comuns ao ponto de

serem considerados naturais e verdadeiros. No entanto, a naturalização de um discurso é

perigosa: ”Naturalização é a mais formidável arma no arsenal do poder [...]”

15

(FAIRCLOUGH 1989, p. 106). É por meio da naturalização que ideologias tornam-se aceitas

e relações de poder e de dominação de um grupo sobre outro são mantidas.

O aluno a07 também usa recursos comuns em uma situação de entrevista: ele usa o né

como um recurso para solicitar a aprovação do pesquisador; também faz uso de uma

expressão atenuante, primeiramente enuncia Inglês e depois acrescenta É a mais... uma das

mais faladas né?. A construção desse tipo de enunciado é muito comum em situação de

entrevista.

O status que o inglês possui de língua hegemônica está atrelado ao imperialismo

americano. Os EUA, pelo poder econômico e político e pela exportação de produtos

culturais, são um dos responsáveis pela posição de dominação adquirida mediante o

imperialismo lingüístico que o inglês exerce hoje e a associação da língua inglesa aos EUA é

imediata, como bem visto, abaixo, no recorte 24:

(24) a07 – “Ah, nos Estados Unidos. Num país que a língua é o inglês.”

Os dêiticos num e no funcionam como a oposição generalização/definição. A

contração de artigo indefinido com preposição num acompanhando o substantivo país

corrobora essa idéia de generalização; na primeira frase a definição vem marcada pela

contração de artigo definido com preposição no.

O aluno a07 utiliza a interjeição ah para expressar esta ‘obviedade’ da posição desse

país como representante do inglês e do poder. A idéia de ‘obviedade’ remete ao discurso do

poder americano. Isto é, remete à questão da geopolítica do inglês, das relações de força que

são impostas pelos países que detêm o poder político e econômico sobre os demais. Logo,

como as línguas também constituem o poder de um Estado, as línguas oficiais desses países

são difundidas e vistas como franqueadoras do acesso a tudo aquilo que seus países de

origem representam. O modo de enunciar desse aluno remete ao fato de que os EUA

representam o poder e, conseqüentemente, o inglês como língua oficial daquele país também

representa o poder. O aluno a07 nomeia apenas os EUA e não outro país de língua inglesa,

como se fosse importante lembrar apenas esse país como país de língua inglesa; nesse caso,

o aluno faz referência ao discurso do poder dos EUA. Tanto a primeira quanto a segunda frase

explicitam o papel que o país representa no seu imaginário, mostrando a supremacia que esse

país exerce não só sobre o restante do mundo, mas também sobre os demais países de língua

inglesa.

Vejamos no recorte discursivo 25 a resposta do aluno a07, quando lhe foi perguntado

qual a língua mais importante de se aprender:

(25) a07 – “Inglês. É a mais, uma das mais faladas, né?”

O sujeito explicita novamente a ‘obviedade’ do papel do inglês na frase Inglês; é como

se ele dissesse “Inglês e ponto final”. A maneira como o aluno organiza esse enunciado

expressa a idéia de que a posição do inglês está estabelecida dessa forma e remete novamente

ao conceito de naturalização de que nos fala Fairclough (1989). No seu modo de enunciar,

percebe-se que ele não questiona essa posição do inglês no mundo. Esse modo de se

posicionar do aluno tem origem nos discursos de enaltecimento do inglês e no discurso da

expansão do inglês como uma coisa neutra, sem implicações políticas. Além disso, conforme

a noção de subjetivação de Guattari (2005), a subjetividade desse aluno é modelizada. Essa

imagem do inglês parece estar impressa no seu imaginário e, como os discursos contrários ao

inglês circulam geralmente no contexto acadêmico, o aluno, via de regra, tece elogios a essa

língua. Essa visão de que o inglês é uma das línguas mais faladas e esse fato a tornaria

necessária, produz efeitos na prática corrente de sala de aula de escola pública: geralmente

os livros didáticos não abordam essa questão e os professores também não têm como prática a

discussão desse tema. Podemos comprovar isso pela análise do dizer do professor de inglês na

seção em que analisamos o dizer desse sujeito.

Na outra frase, o aluno enuncia sobre a posição do lugar único que o inglês ocupa

utilizando o verbo ser, reforçando ainda mais a idéia de afirmação. A duplicação, É a mais e

uma das mais, exerce a função de atenuante, recurso utilizado pelo sujeito na situação em que

se encontra, isto é, em uma entrevista, e também pela posição que ele ocupa no discurso, ou

seja, a posição de aluno que ainda não se sente habilitado para emitir opinião sobre

determinados assuntos. A função de atenuante também é exercida pelos dêiticos a e uma; essa

oposição do uso do artigo definido em um primeiro momento e depois a utilização do artigo

indefinido também atenua a idéia que está sendo enunciada. Percebe-se também nesse

enunciado, a não coincidência do dizer em: É a mais. O sujeito enuncia que o inglês é a

língua mais falada no mundo e logo depois completa com uma das mais faladas, admitindo a

inclusão de mais línguas no conjunto das línguas mais faladas no mundo .

Ao enunciar É a mais, uma das mais faladas, o aluno a07 enuncia inicialmente, É a

mais e depois enuncia uma das mais faladas. Ao enunciar desse modo, o aluno utiliza os

dêiticos a e uma, ou seja, para fazer referência à língua inglesa no primeiro momento o aluno

a07 faz uso do artigo definido a e no segundo momento utiliza o artigo indefinido uma. Ao

enunciar desse modo, na busca da palavra correta, o aluno produz um dizer não-coincidente:

É a mais e umas das mais demonstra um sentido contraditório. Authier-Revuz (2004)

denomina modalidade autonímica esse dizer que se desdobra sobre si mesmo. As formas de

modalização autonímica são os modos pelos quais se manifestam as negociações que o sujeito

faz com a heterogeneidade constitutiva. No dizer do aluno a07 no recorte discursivo 25,

observamos a não-coincidência entre as palavras e as coisas: “[...] empregados nas glosas

que representam as buscas, hesitações, fracassos, sucessos... na produção da “palavra exata”,

plenamente adequada à coisa, [...] (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 83). O aluno ao buscar a

palavra exata, faz a negociação com a heterogeneidade que o constitui como sujeito que

possui um imaginário sobre essa língua e também faz a negociação com a heterogeneidade

constitutiva do discurso, especificamente com os discursos sobre a língua inglesa.

A referência aos Estados Unidos também está presente no recorte 26. Ao ser

perguntado sobre como seria a vida de uma pessoa que mora em outro país, o aluno a07

respondeu:

(26) a07 – “Ah, depende do país né? (incomp) Lá nos Estados Unidos eles valorizam

O aluno utiliza o verbo depende como um recurso atenuante. Porém, utiliza o advérbio

de lugar lá para expressar, além da distância geográfica, a discrepância que há com relação ao

desenvolvimento dos países citados, Estados Unidos e Nigéria. A utilização do advérbio mais

serve para corroborar sua idéia que liga os Estados Unidos a desenvolvimento e remete ao

discurso dos EUA como nação dominante, desenvolvida não só na economia, mas também na

educação. O aluno também revela uma atitude preconceituosa em relação aos países da

África, como se, além de pobres, não valorizassem as pessoas. Ao enunciar mas agora,

reforça ainda mais essa idéia preconceituosa. Os discursos que são naturalizados atuam nos

processos de subjetivação, contribuindo para a modelização do sujeito de acordo com a ordem

capitalística, conforme Guattari (2005) aborda. Além disso, discursos como o discurso do

poder dos EUA reforçam, por um lado, a idéia de hegemonia de certas nações, e por outro,

reforçam o preconceito às nações menos desenvolvidas.

3.1.2 Efeitos da geopolítica do inglês e da globalização: a língua como (não)