• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – Análise do dizer dos alunos

3.1 O dizer do aluno

3.1.5 O inglês da escola

Esta pesquisa surgiu de nossas indagações sobre o modo de enunciar dos alunos da

escola pública a respeito da língua inglesa. Como já dissemos, os alunos enunciam de modo

contraditório a respeito da língua inglesa: eles, na maioria das vezes, mostram-se

desmotivados e desinteressados com as aulas de língua inglesa da escola em que estudam,

porém enaltecem a língua inglesa, especialmente consideram-na uma língua útil para se

conseguir ascensão social.

Como afirmamos, no desenvolvimento de nossa hipótese de trabalho, o modo como se

dá o contato com a língua inglesa na escola não chega a promover o deslocamento identitário

que, para Serrani-Infante (1997), é quando o aluno se inscreve em relações de preponderância

na discursividade nova da segunda língua. Como pudemos verificar nos recortes discursivos

que analisamos neste item, a relação desse sujeito com a língua inglesa se resume a algumas

atividades realizadas em sala de aula e que não chegam a desenvolver uma habilidade em

específico, ou seja, não o habilita a ler, a escrever, a ouvir ou a falar nesta língua estrangeira.

Desse modo, a língua inglesa é um objeto que este aluno não toca. Isso quer dizer que esse

aluno não está numa relação de constituição com a língua inglesa. É como se a língua

estivesse fora dele, fosse um objeto desejado, que se utiliza para esse ou aquele fim.

Quando perguntamos aos alunos Como tem sido estudar inglês na escola? Do que

você gosta e do que você não gosta? pudemos comprovar que o contato que os alunos têm

com a língua se resume à execução de determinadas atividades. Um tipo de atividade bastante

recorrente nos dizeres dos alunos é a tradução de textos. Verificamos isso nos seguintes

recortes discursivos:

(40) a03- “Ah, eu gosto das atividades que a professora passa a gente tem que

corrigir e ... a gente que corrige a gente mesmo e traduzir as perguntas e as respostas,

aí eu acho legal.”

(41) a04- “Assim, ficar fazendo as tarefas em inglês porque é muito divertido, ficar

traduzindo.”

(42) a05- “Eu gosto de traduzir texto.”

(43) a09- “Eu gosto daquelas tradução, gosto de fazer aquelas questões de pessoas

conversando...

(44) a11- “Gosto assim... tem as que eu não gosto porque eu não sei traduzir né pra

português... alguma coisa assim que a professora (incomp) ela passa no quadro e ela

manda a gente responder... aí se a gente não sabe ela ensina. Acho que isso é legal!

Observamos, aqui, um ponto de não-coincidência do dizer. O aluno a11 enuncia

inicialmente Gosto assim e em seguida enuncia tem as que eu não gosto demonstrando

hesitação especialmente pelo uso do advérbio de modo assim. A esse modo de dizer

hesitante, à procura da palavra certa Authier-Revuz (2004) denomina ponto de

não-coincidência entre as palavras e as coisas. Ao enunciar desse modo, o aluno deixa flagrar em

seu dizer fragmentos da heterogeneidade que o constitui. O aluno, ao buscar a palavra correta

deixa flagrar também o desejo de pertencimento às vantagens atribuídas à língua inglesa.

As alusões à tradução são parte do reflexo da política de língua estrangeira em prática

no sistema educacional brasileiro. Nos colégios em que esses alunos estudam, o material

didático disponível resume-se ao livro didático, que é acompanhado de fita cassete, porém a

fita é distribuída apenas para o professor, que em muitos casos não a utiliza, ou por falta de

incluir atividades de listening em seu planejamento ou às vezes até por não haver aparelho de

som disponível, pois geralmente as escolas possuem um único aparelho de som para toda a

escola. Desse modo, as atividades realizadas no próprio caderno do aluno são as mais comuns,

e dentre elas as atividades mais exploradas são os exercícios de gramática e de tradução de

texto. O livro utilizado nas escolas onde realizamos as entrevistas, o English clips traz textos

de diferentes gêneros com atividades de interpretação variadas. Porém, a tradução parece ser

um recurso bastante explorado. O aluno a04, ao utilizar o verbo ficando no gerúndio, expressa

idéia de freqüência e continuidade que esse tipo de atividade é realizada. Também não é só a

tradução de textos que é explorada; o aluno a03 se refere a traduzir as perguntas e as

respostas deixando evidente que a tradução não se restringe a textos, mas a frases também.

Um ponto interessante é que os alunos quase sempre expressam gosto pela tradução de

textos em seus dizeres. A presença do verbo gostar é recorrente em seus dizeres e a isso

acrescenta-se utilização dos adjetivos legal e divertido. Apesar de os alunos expressarem em

seus dizeres o gosto por esse tipo de atividade, isso não significa que haja identificação com a

língua nem que esteja havendo movências ou algum tipo de deslocamento identitário. Porque

esse tipo de enunciado demonstra uma abordagem instrumentalizada da língua. Especialmente

no caso desses alunos, toda a identificação deles com a língua inglesa se resume a realizar

atividades de tradução. Ou seja, é uma identificação que se resume ao gosto por determinadas

tarefas escolares, como se elas bastassem a si mesmas. Não há envolvimento com a língua

inglesa por parte do aluno e tampouco por parte do professor. Nesse processo de ensino e

aprendizagem, a língua estrangeira é tratada como se fosse um conteúdo escolar que se estuda

para realizar uma avaliação ou para fazer um teste para se obter uma vaga em algum trabalho.

Além disso, quando o aluno resume o gosto pelas aulas de inglês com o gosto por

atividades de tradução, ele produz um dizer contraditório, pois no tópico anterior vimos que

os alunos também possuem a crença de que a língua inglesa é a língua para se comunicar com

pessoas estrangeiras ou em situações de viagem ao exterior. O aluno produz dizeres

contraditórios porque se circunscreve em manifestações interdiscursivas. Esse dizer não

coincidente pode ser classificado com o que Authier-Revuz (1998) nomeia como

Assinalando entre suas palavras a presença estranha de palavras marcadas como pertencendo a um outro discurso, um discurso esboça em si o traçado - assinalando uma “interdiscursividade representada” - de uma fronteira interior/exterior (AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 23).

Tais dizeres são contraditórios porque vêem de diferentes lugares: enquanto o aluno

está inserido em um contexto escolar, em que possui um tipo de contato com a língua inglesa

que lhe permite uma visão instrumentalizada dessa língua, ele também é constituído por

outros discursos oriundos de formações discursivas fora da escola que têm um apelo à

comunicação e à integração ao mundo globalizado.

A referência negativa à tradução é feita pelo aluno a11. Porém o aluno enuncia que

não gosta da atividade porque não sabe traduzir: Gosto assim... tem as que eu não gosto

porque eu não sei traduzir né pra português.... Este enunciado se iguala aos anteriores porque

o advérbio de negação não leva-nos à conclusão de que se o aluno soubesse fazer a tradução

ele gostaria da atividade. Há, nesse caso, um sentimento de frustração nesse enunciado, de

falta de “domínio” em uma habilidade. O fato de os alunos reduzirem o ensino de inglês às

atividades de tradução é reflexo da política de ensino de língua estrangeira e na escola se

mantém discursos produzidos dentro desse sistema de ensino. Grigoletto (2003) denomina

como “discurso tipicamente escolar” este discurso que:

“[...] iguala todo processo de transmissão e aquisição de conhecimento à assimilação de uma matéria escolar. No caso do aprendizado de uma língua estrangeira, nota-se o eco das recomendações dos professores e dos métodos tradicionais de ensino de línguas estrangeiras em predicados tais como “saber a gramática (ou as regras gramaticais) da língua”, “ser capaz de traduzir frases e textos”, “ser capaz de resolver exercícios”, dentre outros” (GRIGOLETTO, 2003, p. 226).

Verificamos esse discurso no dizer do aluno a04 que enuncia ficar fazendo as tarefas,

ou seja, realizar atividades escritas, provavelmente de vocabulário ou de gramática. A

utilização do verbo no gerúndio expressa a continuidade deste tipo de prática no cotidiano da

sala de aula que o aluno freqüenta. Essa situação é gerada pelo modo como se organiza a

política de ensino de língua estrangeira no Brasil. Nessa política, não há muitos esforços no

sentido de se promover um ensino de língua estrangeira que possibilite ao aluno sua

circunscrição na discursividade da nova língua.

Dizeres alusivos às atividades de gramática também fazem parte dos discursos que

circulam no contexto da escola:

(45) a02- “Ah, eu gosto de passar o verbo para as frases interrogativas, negativas,

só.

O aluno a02 no recorte 45 enuncia um dizer favorável às atividades de gramática.

Porém, da mesma forma que os alunos nos recortes anteriores, a utilização do verbo gosto,

não significa que o aluno a02 possui uma identificação com a língua. Este aluno demonstra

ter um acesso restrito à língua inglesa porque, de um lado, no seu espaço social, entram

demandas da globalização que lhe despertam o desejo de pertencimento ao mundo

globalizado e, de outro lado, a escola oferece um ensino que não corresponde a essas

demandas. Isto é, o aluno é constituído pelos discursos sobre a língua inglesa que circulam no

seu espaço social e a escola oferece um ensino geralmente baseado no ensino de gramática,

vocabulário, leitura e que não atende ao apelo à comunicação promovido pela globalização.

Da mesma forma que há alunos que enunciam dizeres favoráveis às atividades de

gramática e de tradução de texto, há alunos que não se constituem nesses dizeres. Podemos

verificar isso no próximo recorte:

(46) a10- “Eu não gosto muito de inglês... mas tem que aprender né? Senão...”

O aluno a10 utiliza o advérbio de intensidade muito para expressar que não gosta do

inglês o suficiente. Porém, o seu dizer se filia à formação discursiva do inglês como língua

útil. Mesmo admitindo que não possui simpatia pela língua inglesa o aluno expressa sentir

necessidade de aprender inglês. A utilização deôntica do verbo tem demonstra possuir em seu

imaginário a representação de que o inglês é necessário. Essa representação toma parte nos

discursos da formação discursiva do inglês como língua útil. O desejo de pertencimento a

tudo o que o inglês representa é expresso pela conjunção senão. O aluno demonstra ter em seu

imaginário a idéia de que de outro modo, ou seja, se ele não aprender inglês, mesmo sem

gostar, ele não terá acesso às vantagens atribuídas ao inglês.

O que podemos concluir sobre os dizeres dos alunos sobre o inglês da escola é que o

tipo de relação que esse aluno tem com a língua inglesa no contexto escolar não é uma relação

efetiva porque está no nível da resolução de tarefas escolares. O contato com a língua inglesa

no contexto escolar se dá predominantemente via tarefas escolares, especialmente tarefas de

tradução, de gramática e de vocabulário. Os alunos entrevistados não demonstraram possuir

conhecimento da história dessa língua ou da cultura dos povos de língua inglesa, por

exemplo. Do modo como é vista por esses alunos, a língua inglesa se resume a um conteúdo

escolar como os conteúdos das demais disciplinas que existem na grade curricular.