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Capítulo 2 – Condições de produção do corpus

2.2 Globalização

Uma das características que observamos no dizer dos alunos é o desejo de

pertencimento ao mundo globalizado. Esse desejo é expresso por meio do desejo pela língua

inglesa, que faz o aluno acreditar que hoje em dia é preciso saber inglês, pois poderá

necessitar do inglês em viagens ou quando for procurar trabalho.

A globalização é suscitadora de um discurso que parece já estar cristalizado no

imaginário social, que é o discurso da língua inglesa como língua da globalização. Esse

discurso imprime ao inglês a imagem de língua útil, que permite o contato entre povos de

diferentes nações e facilita o desenvolvimento e a modernização tanto do mercado, quanto dos

meios de comunicação, das finanças, da tecnologia, do turismo, da internet, etc.

A expansão do inglês, que teve início com a colonização britânica e o poderio

econômico e político de alguns países de língua inglesa, encontrou na globalização um fator

importante que, de algum modo, sustenta esse imperialismo lingüístico, ou seja, contribui

para a instauração de representações sobre o inglês. Segundo Held & McGrew (2001) não

existe uma definição única e universalmente aceita para a globalização. Assim, a globalização

tem sido diversamente concebida:

[...] como ação à distância (quando os atos dos agentes sociais de um lugar podem ter conseqüências significativas para “terceiros distantes”); como compressão espaço-temporal (numa referência ao modo como a comunicação eletrônica instantânea vem desgastando as limitações da distância e do tempo na organização e na interação sociais); como interdependência acelerada (entendida como a intensificação do entrelaçamento entre economias e sociedades nacionais, de tal modo que os acontecimentos de um país têm um impacto direto em outros); como um mundo em processo de encolhimento (erosão das fronteiras e das barreiras

geográficas à atividade socioeconômica); e entre outros conceitos [...] (HELD & MCGREW, 2001, p. 11).

Hall (2005) lembra-nos que a globalização não é um fenômeno recente, pois está

relacionada à modernidade. As características de integração e de modernidade que a

globalização apresenta tornaram-se suas marcas representativas. Em conseqüência disso, a

globalização é um elemento que está presente no imaginário da sociedade moderna.

Para Tavares (2003, p. 9), como conseqüência da globalização, o mundo assume

determinadas metáforas, tais como: “um mundo sem fronteiras”, “aldeia global” e “nova

Babel”.

Conforme Tavares (2003), a exigência de uma língua comum, reivindicada pela

integração entre povos de nacionalidades diferentes, é responsável pela contraditoriedade da

globalização: despertando, ao mesmo tempo, desejo de pertencimento e resistência, isto é, a

instituição de uma língua comum para promover a comunicação no mundo globalizado

desperta, em alguns, o desejo de falar tal língua, manifestando o seu desejo de pertencimento

ao mundo globalizado, e desperta, por parte de outros, o sentimento de apego à sua língua

nacional e sua cultura.

Desse modo, a globalização suscita em alguns o desejo de pertencimento a esse mundo

moderno e interconectado. Porém, suscita a resistência de outros. Esses “resistentes”,

conforme Hall (2005), temem a perda de autonomia e de características de suas identidades

culturais.

Lembramos que, na realidade, na maioria dos casos, ocorre o não pertencimento, pois

o discurso da globalização tudo promete, isto é, promete a diminuição das distâncias que

permite a comunicação e a locomoção; o acesso mais facilitado à tecnologia, à grande

quantidade de informação disponível na Internet e à modernidade presente até nos lugares

mais remotos do planeta. É despertado o desejo de inclusão a esse mundo globalizado e

também o desejo de acesso ao consumo dos bens que a globalização proporciona. Porém, não

são todos que podem se incluir nessa ordem. Isso porque mesmo tendo havido mudanças na

configuração do mundo com relação aos espaços e ao tempo e um grande avanço na

modernização, a sociedade, todavia, continua estruturada em um sistema de divisão de

classes e nesse sistema não há eqüidade de acesso a determinados bens.

A língua inglesa constitui um desses bens que não está acessível a todos, ainda que

pareça estar. Essa impressão de acessibilidade é criada pelo fato de ela ser alardeada como

língua universal, e, também, segundo Pennycook (1994) como língua cuja expansão é

benéfica porque promove a cooperação e a eqüidade.

Como já foi discutido no primeiro capítulo deste trabalho, quando problematizamos

alguns fatores que tomam parte na contradição em que vive o sujeito desta pesquisa,

abordamos o fato de que o inglês é a língua estrangeira mais ensinada na rede oficial de

ensino brasileira, porém, geralmente a aprendizagem dessa língua não é bem sucedida. Há

uma política de ensino de língua estrangeira em curso que se desobriga da responsabilidade

de se discutir as questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem de língua estrangeira e se

desobriga também da responsabilidade de promover ações no sentido de atualizar essa

política e adequá-la aos interesses da comunidade para a qual ela é destinada. Da parte dos

órgãos responsáveis pela política do ensino de línguas é dada uma resposta prática: o ensino

de língua estrangeira deve ser focalizado no desenvolvimento de atividades de leitura, por ser

essa a habilidade com mais probabilidades de ser utilizada pelo aluno. Porém, ignora-se que

esse aluno é um sujeito desejante e que os discursos sobre a língua inglesa não difundem a

idéia de que é necessário ler em inglês. Ao invés disso, enfatizam a comunicação em inglês.

Nesse sentido, Paiva nos lembra:

ninguém pergunta a ninguém “Em quantas línguas você lê?”, mas “Quantas línguas você fala?”. Anúncios de jornais requerem, em profissões diversas, pessoas que falem inglês. Eu nunca vi um anúncio procurando alguém que leia em inglês, mas que fale inglês (PAIVA, 2000, p. 27).

Além disso, não há uma preocupação com os processos identificatórios no ensino e na

aprendizagem de línguas, bem como a preocupação com a complexidade que envolve a

aprendizagem de uma língua estrangeira.

Outro fator que contribui para o insucesso da aprendizagem de língua inglesa na rede

oficial de ensino é que a aprendizagem, nesse contexto pedagógico, é afetada pelos discursos

de que a escola não promove condições para uma boa aprendizagem de língua estrangeira.

Com isso, um outro lugar é instituído como o lugar em que se aprende “de verdade”. Esse

lugar eleito são os institutos de idiomas que utilizam a mídia como recurso consistente para

promover o discurso de que oferecem um ensino eficiente.

No entanto, os institutos de idiomas também não oferecem solução para essa “inclusão

do sujeito no aprendizado da língua inglesa”. Primeiramente porque são escolas particulares,

portanto são inacessíveis a uma grande parte da população brasileira. Em segundo lugar

porque, mesmo promovendo um discurso de eficácia no ensino, ainda assim não há garantia

de aprendizagem. Isso porque a aprendizagem de qualquer língua estrangeira envolve não só a

cognição, mas também, conforme tratamos anteriormente, a dimensão do corpo e a dimensão

do eu, e demanda, também, um processo de identificação com a língua em estudo.

Segundo Guattari, “Todos os fenômenos importantes da atualidade envolvem

dimensões do desejo e da subjetividade” (GUATTARI, 2005, p. 36). A globalização atua na

produção de subjetividade coletiva, daí o desejo de pertencimento aos seus valores.

Esse desejo de pertencimento foi observado nos dizeres dos alunos e das professoras

de inglês que entrevistamos, quando todos, alunos e professores, fazem referência ao inglês

como necessário para viajar, ou para arranjar emprego. Esse fenômeno é resultado do que

Pennycook (1999) nomeia “adesão a discursos”, ou seja, os alunos e professores aderem ao

discurso sobre a língua inglesa como franqueadora de boas oportunidades e também aos

discursos sobre o mundo globalizado, que chegam a eles via TV, revistas, mídia etc., e

resultam na modelização de subjetividades, bem como no estabelecimento de representações

como a necessidade do inglês para viajar ou para se conseguir um bom emprego.

Outro aspecto importante é o fato de que o fenômeno da globalização alavancou, na

opinião de alguns, o surgimento de uma nova língua a partir do inglês. Gadriot-Bernard

(2005) afirma que no final dos anos 1990 surgiu a expressão globish, contração de global

English, assunto abordado pela imprensa de alguns países de língua inglesa, em jornais como

The Economist, The New York Times e The Atlantic Monthly. Seguindo a mesma idéia,

Rajagopalan (2005) discute o world English, como um novo fenômeno lingüístico, e afirma

que essa nova língua não deve ser confundida com o inglês falado nos países anglófonos,

pois dois terços dos usuários do world English são não-nativos e, além disso, esse autor

acredita que as línguas mudam e se adaptam. No entanto, Pennycook (1999) critica essa

concepção, considerando-a apolítica, porque mascara a dominação política do bloco

hegemônico.

Na condição de já-dito, discursos sobre o caráter pragmático de necessidade de uma

língua comum para promover a comunicação entre povos de diferentes nações e sobre as

características de modernização e integração atribuídas à globalização, constituem

representações sobre a língua inglesa, as quais, geralmente, produzem mais efeitos na

subjetividade do aluno do que o desarranjo identitário provocado pelo confronto com a língua

inglesa, de que fala Serrani-Infante (1997). Pois conforme já dissemos, tal confronto não

acontece em intensidade suficiente para que ocorram deslocamentos identitários.

As razões pelas quais, no contexto de escola pública, o confronto com a língua inglesa

é insuficiente serão discutidas na próxima seção.