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A leitura de cientistas próximos a Bernal

Capítulo 2 - O nazismo e os limites do capitalismo para ciência

2.4 A leitura de cientistas próximos a Bernal

56 homens de ciência, Newton e Galileu que inclusive, segundo Stark, teriam ascendência ariana105.

Bernal argumenta como a criação dessa ciência de raça levou à expulsão dos centros científicos e, junto a isso, foi realizado um movimento de desqualificação de qualquer conhecimento que tivesse origem em pensadores e cientistas com origem judaica.

Curioso e, ainda trágico, perceber que, como é demonstrado por Bernal, o malabarismo teórico criado para construir o ideal de uma ciência fundamentada em raças inferiores e superiores, teoria essa já superada naquela época por trabalhos nas áreas da sociologia e antropologia (fato esse, inclusive, lembrado na obra), usa como justificativa a ideia de que a irracionalidade se encontrava naqueles que defendiam um fazer científico livre e traziam novas abordagens para o fazer científico. Bernal deixa patente que a tática da desqualificação do outro é um fundamento para justificar seu argumento desqualificado.

57 expor algumas considerações de Haldane e Hogben que demonstram semelhanças e diferenças significativas, principalmente do último.

J. B. S. Haldane (1892-1964), um dos mais reconhecidos cientistas do seu tempo, foi biólogo e desenvolveu importantes estudos em fisiologia e genética. Assim como Bernal, na década de 1930, se tornou um grande defensor do marxismo como método de compreensão da realidade social e do fazer científico. Do método de Marx, é importante destacar o peso dado ao papel da dialética ser um elemento constitutivo da realidade e sine qua non para compreensão dela. Os seus estudos sobre a dialética o fizeram se aprofundar nas obras de Engels como A Dialética da Natureza e propor interpretações do conhecimento científico da época atrelados a princípios da dialética materialista.

Durante os anos 1930 e 1940, Haldane se aproxima ainda mais do Partido Comunista Britânico. Segundo Robert Filner, a Guerra Civil Espanhola teve um papel decisivo nesse processo. Ele passa não só a defender as ideais marxistas e a União Soviética, mas a participar da vida política do partido com publicações no periódico comunista Daily Worker. As críticas de Haldane ao fascismo, como também apontou Filner, fizeram parte das publicações do periódico nos 1940.106 Esse material foi, mais tarde, copilado e publicado em 1947 com o título de Science Advances e abarca materiais escritos antes, durante e imediatamente após a 2ª Guerra Mundial. As críticas ao fascismo são encontradas diretamente enquanto tema central de um artigo, ou como parte de artigos sobre diversos tema de ciência. Haldane, por exemplo,

106 Ver Filner The Social Relations of Science Moviment, 311 - 312; também, ver Haldane e sua obra Science Advances.

58 aproveita a apresentação de uma teoria científica para refutar as teorias nazistas e mostrar suas fragilidades epistemológicas.

Essa visão é possível de ser notada no texto escrito por Haldane sobre os trabalhos de Karl Landsteiner (1868-1943), durante a apresentação de suas ideias, principalmente sobre as explicações sobre antígenos A e B e de trabalhos que corroboraram com essa ideia, como os de Felix Berstein (1878-1956) e do casal Ludwik Hirzfeld (1884-1954) e Hanna Hirsfeldowa (1905-1954) que demonstraram como diferentes antígenos estavam presentes de forma diferente nos mesmos grupos sociais. Em vista disso, Haldane imediatamente chama atenção para a refutação da teoria nazista do sangue como fundamento da característica do ser ariano.

Hirzfeld e sua esposa, médicos poloneses que trabalhavam com os aliados em Salonica em 1917, descobriram que membros dos quatro grupos eram encontrados em todos os povos estudados por eles, mas em proporções diferentes. Assim, a doutrina nazista de que o sangue é algo peculiar a cada raça foi refutada enquanto Hitler ainda era cabo. Você pode ser um “ariano” loiro de olhos azuis, mas uma transfusão de sangue de outro assim o matará, enquanto um litro de um negro salvará sua vida.107

Em outro texto, discutindo o que é o instinto, Haldane faz uma distinção entre a noção de instinto e reflexo. Os reflexos são definidos como ações involuntárias e mecânicas nas quais se compreendem os processos e necessidades, como por exemplo o sistema digestivo. Em contrapartida, o instinto seria um comportamento

“não tão mecânico assim, e que seus objetivos não são totalmente compreendidos”108. Haldane cita como exemplo o comportamento de uma gata que amamenta e cuida dos seus filhotes recém-nascidos. Esse conjunto de argumentos o leva a explicar

107 Haldane, Science Advances, 23-24.

108 Ibid., 56.

59 como no caso do ser humano os comportamentos não podem ser explicados tendo como premissa os instintos pois

O homem se tornou o mais bem-sucedido dos animais porque é o mais plástico no que diz respeito ao comportamento. Ele pode aprender a fazer uma grande variedade de coisas e, o que é mais notável, a desejar uma grande variedade de coisas. Uma espécie animal que se adapta a um novo ambiente deve mudar seus instintos. Este é um processo lento, como a mudança de forma, ocupando muitos milhares de gerações.109

Assim ele aponta como no caso do ser humano os comportamentos podem mudar em uma geração apenas e se traduzir em ações positivas, como as dos jovens da União Soviética, ou destrutivas como dos jovens nazistas e japoneses.

O caráter humano pode ser mudado em uma geração. A geração mais jovem na União Soviética geralmente dá como certo que homens e mulheres trabalharão juntos para o bem público. Eles consideram a luta pelos próprios interesses, que é inevitável sob o capitalismo, não tanto perversa quanto um egoísmo ridículo. Os jovens nazistas e japoneses acreditam que são membros de uma raça superior e combinam a crueldade com os estrangeiros com a obediência cega aos superiores. As batalhas que estão acontecendo hoje decidirão qual dessas ideologias será um modelo para toda a humanidade.110

De modo geral, como pode ser visto nos trechos acima, os textos de Haldane são sempre curtos e com uma linguagem fácil, o que é condizente com a ideia de ser um texto para o público em geral. Ele passa ainda por diversas questões interessantes, como uma discussão sobre a influência de ideias nazistas no ensino de Biologia nas escolas Britânicas. É relatado como um pequeno grupo de educadores propunham que uma forma de estimular o conhecimento dos alunos e relacioná-lo com o presente, para o tema das características dos seres humanos, deveria partir de mostrar o comportamento das raças humanas, no sentido de que cada raça leva a um

109 Ibid., 57.

110 Ibid., 57

60 comportamento distinto. A preocupação em publicar artigos que visavam refutar tais ideias demonstra o espírito do conjunto das publicações dos cientistas da época, à visão de que luta não era apenas no front de batalha, mas, também, no campo das ideias.

No momento, estamos lutando contra o hitlerismo com bombas e cargas de profundidade. Deveríamos estar fazendo isso também no campo das ideias. Não quero dizer que devemos condenar todas as ideias que os nazistas já tiveram. Nenhum ser humano pode estar 100% errado em todas as questões.

Mas não há absolutamente nenhuma desculpa para ensinar teorias nazistas a crianças quando estas não têm base de fato, e espero que aqueles que percebem o quanto nosso futuro depende do que é ensinado às crianças abordem o assunto e evitem o ensino de falsa biologia que pode ser usada como base teórica do fascismo britânico.111

Possível perceber muitas semelhanças nas análises de Haldane e de Bernal, já que ambos criticam as teorias deturpadas dos nazistas que tentam fundamentar as ideias de raça e os perigos que representavam a disseminação dessas ideias. No entanto, Haldane faz ponderações acerca da utilização da ciência produzida no nazismo e defende no pós 2ª Guerra a possibilidade de utilizar parte da ciência que fora produzida pelos alemães para o bem da humanidade. Importante lembrar e ressaltar que o material que utilizamos para analisar as ideias de Bernal é de antes do estourar do conflito. Ainda assim, as ponderações feitas por Haldane, no artigo

“What to Do with German Science”, reconhecem que a ciência nazista manteve pesquisas importantes e com resultados benéficos, mesmo durante o período pré-guerra.

Um certo número de cientistas alemães foi culpado de assassinato.

Eles organizaram o assassinato em massa por métodos químicos de judeus e outras pessoas consideradas de raça inferior, e alegadamente fizeram

111 Ibid., 235-236

61 experiências com várias drogas. Eles devem ser enforcados como qualquer outro assassino.

(...)

A maioria dos cientistas alemães não fez nada pior do que a maioria dos civis alemães. Mas alguns deles são mais perigosos. Há pessoas neste país que gostariam de interromper todo o trabalho de pesquisa alemão. Acho que eles estão errados por três motivos. Em primeiro lugar, uma grande quantidade de pesquisas alemãs, mesmo nos últimos doze anos, tem beneficiado toda a humanidade. Por exemplo, o primeiro de uma série de derivados da sulfanilamida, como a sulfpiridina e o sulfatiazol, que se provaram tão valiosos em muitas doenças, foi produzido por um alemão Domagk.112

Outro ponto importante está na própria organização dos conteúdos compilados para publicação em formato de livro, em 1940. A escolha do autor por agrupar os textos de críticas ao Nazismo, com seus textos sobre a União Soviética, ressalta e faz luz a uma perspectiva que se colocava naquele momento de uma tensão entre os dois polos que se postulavam como alternativa à crise capitalista e que assim como Bernal compartilhava da ideia de que a escolha certa a fazer seria pela União Soviética.

Cientistas que se posicionaram na luta contra o fascismo e passaram a politizar o fazer científico, nos anos 1930, não eram uma exclusividade da ilha britânica, também o continente teve seus representantes, sendo o mais notoriamente conhecido o francês Paul Langevin (1872-1946).

112 Ibid., 239-240

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