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Capítulo 2 - O nazismo e os limites do capitalismo para ciência

2.1 O que é o Fascismo?

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42 Science, como será apresentada neste trabalho, é a de que o nazismo representava uma possibilidade do capitalismo, ainda que em uma forma profundamente decadente, e não uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo, como será visto mais adiante.

No entanto, antes de analisar os fundamentos das críticas de Bernal e de como eram compartilhadas por muitos cientistas de seu tempo, é importante compreender melhor as principais características do que foi e o que é o fascismo. Para tanto, neste trabalho serão apresentadas duas visões sobre a definição de fascismo, pois ainda que não sejam baseadas no mesmo fundamento epistemológico, são consideradas aqui aquelas que representam os aspectos mais importantes desse fenômeno político.

Uma das abordagens é a feita por Robert Paxton, no livro A Anatomia do Fascismo, de 2004. Em seu trabalho, Paxton dialoga com centenas de abordagens que foram construídas para analisar aspectos do fascismo. A proposta é olhar o fascismo não enquanto uma ideologia estática, mas como um processo que apresenta características aparentemente contraditórias caso a fotografia seja tirada com foco em seu início ou após seu processo de institucionalização no poder. Entre as diversas visões com as quais dialoga, uma que chama atenção para o foco proposto neste trabalho é a feita pelo Congresso da Internacional Comunista de 1924, esse documento foi retirado da coletânea Marxist in Face of Fascism, organizado por David Beentham, em 1983, como a primeira grande coletânea de distintas abordagens de atores políticos marxistas importantes na década de 1930, na Inglaterra. O documento da Internacional define o fascismo como “o instrumento da grande burguesia em sua

43 luta contra o proletariado, sempre que meios legais disponíveis ao Estado se mostram insuficientes para contê-lo”75.

A visão de que o fascismo é o último recurso da burguesia para enfrentar a luta de classes está em Bernal, como será demonstrado mais adiante, bem como faz parte da interpretação marxista, independente das suas variações76.

No entanto, apesar de não rechaçar completamente a leitura marxista, Paxton nega a ideia de que o fascismo seja em si um projeto da elite burguesa e conservadora no poder. Sua interpretação defende que o movimento fascista se organiza politicamente em torno de um processo de desolação social e econômica, atrelado a experiências negativas com movimentos progressistas no poder77, em que parte da população passa a se sentir, nas palavras de Paxton, como “vítima” e “humilhada”

pela decadência da sociedade. Esse sentimento é canalizado por um movimento político (na maioria das vezes em forma de partido) de militantes nacionalistas que defendem “cultos compensatórios de unidade, da energia e da pureza” desses grupos que se sentem vitimizados e humilhados. Tais movimentos operam com auxílio das elites conservadoras no que ele chama de relação “desconfortável, mas eficaz”, tanto para alcançar o poder, quanto para administrar o Estado (principalmente na fase inicial, antes da introdução do processo ditatorial)78. Dessa forma, passam a negar os direitos sociais e políticos, bem como instaurar políticas de “limpeza étnica e expansão

75 Beetham, comp., Marxism in Face of Fascism, 152.

76 É possível perceber essa interpretação em teóricos de linhas mais ortodoxas como Hobsbawn em A Era dos Extremos, também, na visão heterodoxa de Benjamin representado em Teses sobre o Conceito de História, ou ainda nas interpretações Leon Trotsky ver a compilação de seus artigos em A Luta contra o Fascismo.

77 Paxton, Anatomia do Fascismo, 82.

78 Ibid., 196.

44 externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza79.

O olhar do fascismo como um processo e as camadas construídas por Paxton em sua caracterização80, no entanto, não são suficientes para negar a tese marxista, pois como ele demonstra no caso do Partido da Cruz de Ferro de Ferenc Szálasy, na Hungria, e do Cristhus Rex, de Léon Dogrelle, na Bélgica, em que quando houve setores conservadores não fascistas com força para sustentar o Estado, as elites os preferiram como alternativas. Do mesmo modo, a leitura feita em relação à subida ao poder de Hitler e Mussolini chega a ser leviana ao atribuir a sorte como fator decisivo81.

Os fatos retratados por Paxton acabam por endossar a tese marxista, pois nos casos de Bélgica e Hungria há alternativa, nesse sentido o fascismo não era o último recurso. Por outro lado, nos casos italianos e alemães, por mais que tenha havido tentativas das elites conservadoras de tentar controlar o movimento fascista e fazê-los jogar segundo os seus interesses, o que se apresenta é que os movimentos guiados por Mussolini e Hitler eram o que restava para manter as elites no poder frente

79 Ibid., 358-359.

80 Além da definição aqui apresentada, Paxton apresenta uma série de características importantes tais como: “um senso de crise catastrófica, além do alcance das soluções tradicionais; a primazia do grupo, perante o qual todos tem deveres superiores a qualquer direito, sejam eles individuais ou universais, e a subordinação do indivíduo a esses deveres; a crença de que o próprio grupo é vítima, sentimento esse que justifica qualquer ação, sem limites jurídicos ou morais, contra seus inimigos, tanto internos quanto externos; o pavor à decadência do grupo sob a influência corrosiva do liberalismo individualista, dos conflitos de classe e das influências estrangeiras; a necessidade de uma integração mais estreita no interior de uma comunidade mais pura, por consentimento, se possível, pela violência excludente, se necessário; a necessidade da autoridade de chefes naturais (sempre de sexo masculino), culminando num comandante nacional, o único capaz de encarnar o destino histórico do grupo; a superioridade dos instintos do líder sobre a razão abstrata e universal; a beleza da violência e a eficácia da vontade, sempre que voltadas para o êxito do grupo; o direito do povo eleito de dominar os demais, sem restrições provenientes de qualquer tipo de lei humana ou divina, o direito sendo decidido por meio do critério único das proezas do grupo no interior de uma luta darwiniana.” in Paxton, A Anatomia do Fascismo, 360.

81 Ibid., 196.

45 ao desgaste político com a população, como o próprio Paxton reconhece82, portanto nesses casos não havia movimentos alternativos. Na verdade, havia os movimentos socialistas e comunistas com os quais as elites justamente temiam e negavam qualquer aliança83, e que, nesse sentido, mais uma vez endossa a definição proposta em 1924 pela Internacional Comunista.

A força da tese comunista pode ser compreendida na interpretação de fascismo proposta por Leandro Konder. No livro Introdução ao Fascismo, de 1977, Konder fez um movimento semelhante ao de Paxton, ao propor sua interpretação sobre o fascismo e refletir sobre diversas outras apresentadas até aquele momento.

A sua descrição é fundamentada no marxismo e apresenta, enquanto primeiro elemento explicativo, a localização do fascismo no seu determinado tempo histórico.

Sua tese acompanha a leitura marxista definida por Lenin que compreende o período como Imperialismo, nesse sentido, está atrelado a um movimento de “implantação do capitalismo monopolista de Estado”. Outro ponto ressaltado é o caráter conservador do movimento que atrela uma “ideologia pragmática”, que relaciona discursos em defesa do moderno com mitos irracionalistas, para então apresentar as principais características do fascismo como “um movimento chauvinista, antiliberal, antidemocrático, antissocialista, antioperário”.84

No entanto, ainda que neste trabalho se concorde com a caracterização feita por Konder sobre o que é o fascismo, se faz necessária uma ponderação com a

82 No caso italiano a fragilidade política que se arrastava na condução dos governos de coalizão, também a falta de segurança política no domínio das forças militares, bem como a possibilidade de golpe de outros membros da família real. No caso alemão, a inabilidade das elites de se comunicar com as massas, situação agravada com a depressão econômica dos anos 1930, o fortalecimento político dos nazistas nas eleições, bem como o temor da tomada do poder pelos comunistas. Ver Paxton, A Anatomia do Fascismo, 151-176.

83 Ibid., 173-174.

84 Konder, Introdução ao Fascismo, 53.

46 caracterização do processo de tomada do poder. Ele defende que o fascismo

“pressupõe uma preparação reacionária que tenha sido capaz de minar as forças potencialmente antifascistas (enfraquecendo a influência junto às massas)”. Konder não detalha esse processo, mas apresenta alguns pontos: faz referência, por exemplo, de modo objetivista, às consequências do processo de adaptação dos Partidos Socialistas ao capitalismo, sobretudo durante o período que antecede a 1ª Guerra Mundial, e que com a chegada do período pós-guerra e pós-revolução bolchevique acabou por estabelecer a construção de dois guias distintos para o proletariado85.

No caso alemão, em especial, é importante destacar que não se trata apenas de um processo determinista do meio sobre as lideranças sociais, mas sim de duas políticas que contribuíram para o fortalecimento do fascismo. Em primeiro lugar, a política reformista da Social-Democracia alemã não conseguiu administrar a crise do Estado e as necessidades sociais aplastadas pela depressão dos anos 1930. Em segundo, a política de Stalin para o Partido Comunista Alemão no período que antecede a chegada ao poder de Hitler em 1933, a caracterização do líder soviético, que impunha o caminho a ser seguido pelos demais partidos comunistas, era a dos socialistas como reacionários com os quais a classe trabalhadora não deveria se aliar;

importante que seja dito é que a crítica às ações políticas da Social-Democracia e da Internacional Comunista já eram feitas à época por figuras como Leon Trotsky86. Desta forma, é possível concluir que há um movimento de enfraquecimento ou vacilação política das massas progressistas e não apenas um fator estrutural das

85 Ibid., 44.

86 Trotsky, “A Social Democracia”, 190. Esse artigo faz parte de uma série de documentos publicados por Trotsky naquela época, entre 1930 e 1933, mais tarde copilados em português na obra A Luta Contra o Fascismo, Revolução e Contrarrevolução.

47 consequências do desenvolvimento do capitalismo, mas de políticas deliberadas que contribuíram para a maior catástrofe da humanidade.