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Capítulo 2 - O nazismo e os limites do capitalismo para ciência

2.2 A resposta de Bernal

47 consequências do desenvolvimento do capitalismo, mas de políticas deliberadas que contribuíram para a maior catástrofe da humanidade.

48 Apesar do ano de publicação do livro The Social Function of Science coincidir com o dos conflitos que marcam o início da 2ª Guerra Mundial, ele é publicado no início daquele ano, ou seja, antes do eclodir do conflito. Nesse sentido o que é trabalhado na obra tem como ponto de partida as características do Estado nazista que se estabeleceu em 1933 e as concepções e princípios que foram construídos por Hitler e seu aparato político até a antessala da maior catástrofe moderna.

Bernal faz menção ao nazismo em alguns momentos, ao longo de sua exposição, porém suas análises e críticas se concentram no capítulo oito,

“International Science”, em que explora sua visão sobre a constituição e características do fazer científico no mundo, com destaque para Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra e União Soviética. A separação feita por Bernal, dos tópicos e ordens de assuntos, se faz importante destacar, pois demonstra a maneira como ele enxerga o progresso da ciência. Os primeiros países apresentados são os que em sua visão deram origem à ciência moderna: Inglaterra, Alemanha antes do nazismo, Países Baixos e França. Em seguida apresenta, bem brevemente, como vê a situação do fazer científico em mais alguns países e regiões do ocidente, para então fazer um grande destaque para os Estados Unidos e por fim apresentar a situação nos países do Leste, sobretudo Índia, China e Japão. Após expor sua caracterização do que era o fazer científico nos países capitalistas centrais e periféricos que mantinham aspectos democráticos, inclusive, apresentando relações de comparação e dependência política e econômica entre eles, é que Bernal discorre a respeito dos países fascistas, passando rapidamente pela Itália e se dedicando à caracterização do fascismo na Alemanha. Como se verá, toda a caracterização negativa a respeito do fazer científico nazista contrasta com a sua visão positiva em relação à União Soviética, sobre a qual iremos tratar com maior atenção em capítulo posterior.

49 A análise de Bernal sobre o fascismo neste capítulo é enfática; logo no início de sua análise, ele afirma que “com o advento do fascismo, um ataque direto foi lançado contra esses princípios [a liberdade de pesquisa e de publicação da ciência]

e um ataque que, se for permitido se espalhar, ameaça o progresso e até a própria existência da ciência”87.

Essa visão de uma catástrofe para a ciência poderia ocorrer quer de modo definitivo, como apontado pela possibilidade de propagação das ideias fascistas, como também se essa ideologia se mantivesse confinada dentro do Estado alemão.

Isso porque Bernal destaca que a Alemanha havia sido o principal país naquela época que se colocou o desafio de sistematizar e codificar a ciência e que guardava a memória do progresso do conhecimento humano. Logo, a destruição deste acervo significaria um dano irreparável para a ciência88.

Corrobora nesse ponto a sua definição de fascismo, na qual afirma que “é essencialmente uma tentativa de manter um sistema instável e desacreditado de produção privada ou monopolista pela combinação de força física e demagogia mística”89. A definição de ser um processo de produção privada ou monopolística já indica a caracterização de se tratar de um modelo capitalista – tal qual a leitura de Konder, fundamentado no conceito de imperialismo –, ideia essa que é reafirmada em outras passagens de modo explícito, como iremos demonstrar. No que toca à caracterização da combinação da força física e da demagogia mística, ele afirma e apresenta documentos que tentam fundamentar a sua visão de que esses dois fatores estavam relacionados diretamente à ciência nazista. Da mesma forma, esses

87 Bernal, The Social Function of Science, 211.

88 Ibid., 212.

89 Ibid., 211.

50 elementos davam sentido, segundo ele, aos novos princípios estabelecidos na sociedade nazista que visavam substituir os ideais liberais e cristão, pelo ideal de sangue e solo.

No que diz respeito à questão mística é apresentada a interpretação de que a formação do pensamento científico alemão teria sido importada do modelo francês, no século XVIII, por Frederico, o Grande. Assim, antes desse período havia a presença de uma fonte de irracionalismo místico no pensamento alemão; é, ainda dito, que este nunca fora completamente apagado, tendo convivido em algumas abordagens filosóficas. A visão de Bernal é de que os nazistas se aproveitaram dessas interpretações místicas para estabelecer a ideia de uma ciência baseada na raça, portanto, no sangue.

Infelizmente, na Alemanha em particular, havia todo um conjunto de crenças que poderiam substituir as da razão e da ciência. Sempre houve uma forte corrente de irracionalidade mística no pensamento alemão. É verdade que o próprio racionalismo foi uma importação liberal da França, realizada, ironicamente, pelo arqui-herói dos nazistas, Frederico, o Grande. Dos místicos alemães aos filósofos dos séculos XVIII e XIX, a tendência a confundir o obscuro com o profundo nunca desapareceu, mas se inspirou, em geral, em uma combinação de benevolência e docilidade, especialmente em relação ao Estado.

Esse modo de pensar, ou melhor, recusar-se a pensar, foi aproveitado pelos nazistas e voltado para a glorificação das ideias gêmeas de raça e guerra.90

Como apresentado na citação acima, além do argumento em si, não há na obra uma alusão ao que seria esse irracionalismo místico, tão pouco quais teorias e/ou visões de mundo elas representariam. Talvez Bernal tenha preferido não trazer à sua obra as teorias que ele julgava como recusa ao pensamento, ou ele pode ter partido do princípio de que era um fato de conhecimento geral, ou ainda, as duas

90 Ibid., 212-213.

51 possibilidades juntas. No entanto, a literatura sobre o nazismo produziu diversas análises sobre os fundamentos desse irracionalismo místico.