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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Academic year: 2022

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência

Centro Simão Mathias de Estudo em História da Ciência

Luís Henrique São João Oliveira

A ideia de progresso na obra The Social Function of Science de John Desmond Bernal

Doutorado em História da Ciência

São Paulo 2022

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência

Centro Simão Mathias de Estudo em História da Ciência

Luís Henrique São João Oliveira

A ideia de progresso na obra “The social function of science”

de John Desmond Bernal

Doutorado em História da Ciência

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em História da Ciência sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Helena Roxo Beltran.

São Paulo 2022

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Banca Examinadora

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O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001.

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Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) pelo financiamento da presente tese, por meio do processo no 88887.16526/2018-00.

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Helena Roxo Beltran, a quem eu admiro profundamente e sou especialmente grato por todo ensinamento e incentivo, aos apontamentos precisos e considerações cuidadosas, sua paciência e capacidade de acolher nos bons e maus momentos de uma trajetória intensa, por seu exemplo enquanto historiadora da ciência e educadora.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), em especial à coordenação, à secretaria e à Camila Vicentino, por todo o suporte dos últimos seis anos

Às Professoras Dra. Márcia H. M. Ferraz e Ana Maria Alfonso-Goldfarb que me agraciaram com aulas excepcionais, além do suporte e consideração as idiossincrasias do meu processo de formação. Também dos momentos de confraternização e aprendizados que extrapolaram o espaço da sala de aula.

Ao Professor Dr. José Luiz Goldfarb, uma das pessoas mais generosas que eu conheço, com quem as conversas são sempre ótimas e enriquecedoras. Junto ao Professor Dr. Gilson Queluz agradeço pelas contribuições na banca de qualificação.

Aos colegas do Programa de História da Ciência da PUC, pelos debates e partilhas, além dos laços de amizade que se iniciaram no mestrado.

Aos amigos, que são a família que escolhi, em especial à Beatriz pelos anos de companheirismo, à Sandra pela revisão cuidadosa e ao Gabriel, um verdadeiro irmão, que tenho a honra de ter apresentado o Programa de História da Ciência da PUC-SP.

À minha família: aos meus pais Neusa São João Moura e Claudecir Soares de Moura, à minha irmã, Aline, por todo amor e força que me deram e os esforços que fizeram

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mesmo à distância na construção de laços de solidariedade e carinho. Em especial a minha avó, Luzia Garcia São João (in memoriam), minha segunda mãe, que sempre me inspirou com seu amor e força.

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Resumo

Esta tese aborda a ideia de progresso desenvolvida pelo, cientista e historiador da ciência britânico, John Desmond Bernal (1901-1971) em sua obra The Social Function of Science, publicada em 1939. No primeiro capítulo, a tese percorre algumas definições de progresso para filosofia e como tais visões impactam na compreensão do papel da ciência. Assim como aborda, também, ideias de progresso em História da Ciência que se tornaram referencias. Por fim apresenta a produção da obra de Bernal em meio a um momento de forte engajamento social de cientistas identificados com questões sociais e na luta antifascista. O segundo capítulo aborda a temática do fascismo, principalmente o alemão, e a respostas de alguns cientistas sobre esse marco da degeneração social e da ciência. Sobretudo a ideia de Bernal e sua defesa do nazismo como resultado de um capitalismo decadente e seus impactos destrutivos para o progresso da ciência. O terceiro capítulo explora questões apresentadas por Bernal sobre o fazer científico nos países capitalistas democráticos e seus problemas estruturais, também, de como era feito na União Soviética, defendida como um exemplo que começava a despontar. O capítulo explora as contradições dos argumentos de Bernal que constrói análises e questionamentos importantes sobre o fazer ciência no capitalismo, mas ao tratar do modelo soviético, tenta construir a ideia de um modelo infalível. Nesse sentido busca-se compreender os aspectos historiográficos, mas também políticos da ideia de progresso de Bernal.

Palavras Chaves: História da Ciência, J. D. Bernal, Fascismo, Progresso, Socialismo.

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Abstract

This thesis focuses on the idea of progress developed by the British scientist and historian of science, John Desmond Bernal (1901-1971) in his work The Social Function of Science, published in 1939. In the first chapter, the thesis covers some definitions of progress for philosophy and how such views impact the understanding of the role of science. It also addresses ideas of progress in the History of Science that have become references. Finally, it presents the production of Bernal's work during a moment of strong social engagement of scientists identified with social issues and the anti-fascist struggle. The second chapter addresses the issue of fascism, mainly German, and the responses of some scientists about this landmark of social degeneration and science. Above all, Bernal's idea, and his defense of Nazism as a result of a decadent capitalism and its destructive impacts on the progress of science.

The third chapter explores questions raised by Bernal about scientific work in democratic capitalist countries and its structural problems, as well as how it was done in the Soviet Union, defended as an example that is beginning to emerge. The chapter explores the contradictions of Bernal's arguments, which builds important analyzes and questions about doing science in capitalism, but when dealing with the Soviet model, it tries to build the idea of an infallible model. In this sense, we seek to understand the historiographical, but also political aspects of Bernal's proposal for progress.

Keywords: History of Science, J. D. Bernal, Fascism, Progress, Socialism.

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Sumário

Introdução ... 10

Capítulo 1 - O Progresso ... 12

1.1 As disputas pela ideia de progresso ... 12

1.2 O século XIX e os progressos ... 16

1.3 A crise do progresso no início do século XX ... 20

1.4 A crise da ciência e a resposta dos cientistas marxistas ... 27

1.5 Apresentação da obra ... 34

1.6 Teoria e Prática e a História da Ciência ... 36

Capítulo 2 - O nazismo e os limites do capitalismo para ciência ... 41

2.1 O que é o Fascismo? ... 41

2.2 A resposta de Bernal ... 47

2.3 A defesa do irracionalismo ... 51

2.4 A leitura de cientistas próximos a Bernal ... 56

2.5 Langevin e o antifascismo na França. ... 62

2.6 Lancelot Hogben, ni fu ni fa ... 64

2.7 As contradições do fazer científico nazista ... 67

Capítulo 3: O socialismo como resposta ... 72

3.1 Que fazer? ... 72

3.2 Os limites estruturais da ciência capitalista ... 79

3.2 As qualidades estruturais do socialismo ... 86

3.4 Dois pesos e duas medidas? ... 93

3.5 O que a Ciência pode fazer? ... 99

Considerações Finais ... 104

Bibliografia ... 106

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10 Introdução

Esta tese aborda a ideia de progresso desenvolvida pelo cientista e historiador da ciência britânico John Desmond Bernal (1901-1971), em sua obra The Social Function of Science, publicada em 1939. O primeiro capítulo trabalha como a noção de progresso na história da ciência não é estática, tendo variado de acordo com cada momento histórico e com as diferentes interpretações feitas pelas pessoas que viveram e/ou estudaram esses momentos.

Em seguida, o capítulo foca em duas importantes ideias filosóficas do séc.

XIX, o positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e o materialismo de Karl Marx (1818-1883), suas interpretações de progresso e a relação entre suas ideias e o fazer científico, para então fazer uma breve caracterização dos anos 1930, como as consequências da crise de 1929 e a ascensão do fascismo na Europa. Também, como na Grã-Bretanha um grupo importante de cientistas se mobilizaram por temas sociais e na luta contra o fascismo.

Entre esses cientistas estava Bernal, que defendia ideias marxistas para a história da ciência e para o fazer científico. O capítulo trabalha como essa defesa não era realizada apenas por Bernal, mas estava relacionada a um movimento de alguns cientistas, de seu país, que dialogavam com o Partido Comunista Britânico e estavam impactados pelo 2° Congresso Internacional de História da Ciência, que recebeu uma importante delegação da União Soviética e teve na apresentação da obra de Boris Hessen um momento muito significativo.

Será apresentada ainda a caracterização da obra e sua importância, bem como os elementos trabalhados por Bernal no capítulo dedicado à História da Ciência.

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11 O capítulo 2 analisa os fundamentos do fascismo, bem como a ideia de progresso de Bernal se relacionava com sua compreensão sobre o que era o fazer científico no Estado nazista, e como o nazismo significava, a seu ver, um limite claro para o desenvolvimento da ciência, pois seria a representação material da decadência capitalista.

Para tanto, é analisado o capítulo “International Science” o qual expressa por Bernal sua compreensão sobre as origens da ciência moderna e a situação da ciência em distintos países durante os anos 1930.

Além da visão de Bernal, são apresentadas análises de outros cientistas que também se posicionaram contra o fascismo, em especial os britânicos John Haldane e Lancelot Hogben, e o francês Paul Langevin. Deste modo, são apresentadas semelhanças e diferenças entre as ideias desses cientistas e as de Bernal.

O terceiro capítulo explora questões apresentadas por Bernal sobre o fazer científico nos países capitalistas democráticos e seus problemas estruturais, e também de como era feito na União Soviética, defendida como um exemplo que começava a despontar.

Por fim, o capítulo se debruça em compreender como esses elementos se entrelaçam com a construção da ideia de progresso de Bernal, tanto em seus aspectos epistemológicos quanto políticos.

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12 Capítulo 1 - O Progresso

1.1 As disputas pela ideia de progresso

A ideia de progresso permeou diversas percepções ao longo da história humana e se constituiu como um tema central no século XIX, enquanto fundamento dos ideais do desenvolvimento econômico e social nos países europeus que se destacavam economicamente naquele período, sobretudo, Inglaterra, França e Alemanha.

A importância do progresso aparecia na concepção do positivismo de Auguste Comte, no materialismo histórico de Karl Marx e até nas teorias que ficaram conhecidas como darwinismo social. Em todas elas, apesar das diferenças significativas de conteúdo, intenções, sentidos e significados, se advogava em prol de um progresso que poderia ou deveria ser realizado a fim de que se pudesse melhorar a própria vida humana.

Na obra Naufrágios sem Espectador, Paolo Rossi (1923-2013) destaca três aspectos fundamentais da concepção de progresso desenvolvida no séc. XIX.

Primeiro, a ideia de que o progresso é uma lei da história e coloca como principais representantes dessa visão Condorcet, Saint-Simon e Comte; segundo, uma relação entre progresso científico e progresso moral, sendo o segundo dependente do primeiro; terceiro, a ideia de que o mais apto é quem vence, como forma de transformações positivas, sendo esse elemento intrínseco ao progresso; essa última ideia relaciona-se às teorias de Spencer e do darwinismo social.1

1 Rossi, Naufrágio sem Espectador, pág. 98.

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13 Outrossim, Rossi afirma que, apesar de haver questões que possam ser relacionadas em algum sentido entre a ideia de progresso novecentista com as que foram construídas nos séculos XVII, não é possível confirmar que essas semelhanças sejam substanciais em demarcar um sentido de continuidade2. Por outro lado, a riqueza desse trabalho está em demonstrar como no período chamado de primeira modernidade foram construídas diferentes perspectivas sobre a noção de progresso.

Assim, é demonstrado que no século XVII coexistiam as noções de tempo no sentido linear e, também, no cíclico, como um eterno retorno. Rossi, inclusive, chega a afirmar que tais interpretações sobre esses homens de ciência já se mostraram superadas. Cita, por exemplo, como a cosmologia de Newton era construída com base na ideia de criação e destruição e não em uma perspectiva evolutiva3. Ele, também, defende visões de diferentes perspectivas de progresso coexistirem enquanto dualidade, a seu ver, não dicotômica, nas concepções da mesma pessoa a quem ele traz como exemplo e a figura de Francis Bacon, central em seus estudos. Ele demonstra como é possível e factível a percepção, em Bacon, de discursos em prol do progresso e da evolução do conhecimento, assim como da defesa do constante processo de destruição e de perda dessas linhas de continuidade histórica4.

Essa ideia também pode ser percebida no artigo “Enredos, Nós e Outras Calosidades em História da Ciência” de Alfonso-Goldfarb e Ferraz, no qual as historiadoras da ciência também apresentam a imagem da coexistência de diferentes perspectivas sobre o fazer científico e seu desenvolvimento nas teorias elaboradas na primeira modernidade. Elas citam, por exemplo, a questão dos chamados modos

2 Ibid., 100.

3 Ibid., 39.

4 Ibid., 38.

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14

‘antigos’ e ‘modernos’, seja no fato de que esses debates também existiam anteriormente àquele período, bem como era possível perceber essa visão antiga e moderna no mesmo pensador.5

As duas abordagens citadas apontam para uma compreensão sobre a história da Ciência não ser um fato estabelecido desde sua institucionalização no início do séc. XX, pois existe a possibilidade da coexistência de distintas concepções de progresso. A própria história da História da Ciência é também a história de diversas concepções de progresso sobre o fazer científico. As interpretações de Alfonso- Goldfarb e Ferraz e a de Rossi se localizam em propostas mais recentes que compreendem a possibilidade de noções de continuidade e descontinuidade no fazer científico, bem como nos caminhos do progresso.

No entanto, até a construção dessa perspectiva, muitas outras se desenvolveram e nortearam os distintos fundamentos historiográficos, visões essas que são clássicas e importantes referenciais. Como já é sabido, a História da Ciência se constituiu como disciplina institucionalizada no início do século XX. George Sarton (1884-1956), um expoente nesse processo, fundamentado em ideias positivistas, defendia uma concepção de progresso ininterrupto e linear para a ciência. Na leitura sartoniana caberia ao historiador da ciência o papel de descobrir os caminhos percorridos por um saber sobre a natureza, desde o seu surgimento, provavelmente grego, até os seus dias. Nesse processo, o historiador deveria tentar identificar o precursor daquele conhecimento, bem como os cientistas que, ao longo da história

5 Alfonso-Goldfarb & Ferraz, “Enredos, Nós”, 32.

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15 humana, contribuíram para o melhoramento daquela teoria até chegar a sua forma finalizada.6

Nos anos 1930, ideias como a de Gaston Bachelard (1884-1962) passam a admitir a possibilidade de um processo disruptivo no fazer científico. Diferente de Sarton, que defendia um processo cumulativo no desenvolvimento da ciência, Bachelard defende que o progresso acontece quando as novas gerações conseguem superar os erros das gerações passadas, o que ele chamou de obstáculos epistemológicos.

Ao retomar um passado cheio de erros, encontra-se a verdade num autêntico arrependimento intelectual. No fundo, o ato de conhecer dá-se contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que, no próprio espírito, é obstáculo à espiritualização.7

No entanto, independente de esse processo ser a favor, como um melhoramento da teoria anterior, como defende Sarton, ou contra, como defende Bachelard, as duas leituras apontam para um caminho de um progresso em que a ciência sempre está melhorando.

Por sua vez, a proposta que passou a ser o referencial em definir a quebra do avanço linear na História da Ciência foi a interpretação de Thomas Kuhn (1922-1996), a partir do conceito de revolução científica. Essa tese defende que a ciência se desenvolve na história através da substituição de um paradigma8, que não consegue mais responder aos desafios postos pelas problemáticas de seu tempo, por um novo, que acaba por alterar as bases e os princípios da ciência.

6 Alfonso-Goldfarb et al., “Historiografia Contemporânea”, 107.

7 Bachelard, Formação do Espírito Científico, 17.

8 Nas palavras de Kuhn, Estrutura das Revoluções Científicas, 53: “Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de ciência.” In Kuhn,.

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16 Em seu livro, Kuhn defende que o progresso só existe na fase de desenvolvimento de um mesmo paradigma, sobretudo, na chamada ciência normal, em que há aprimoramentos no fazer científico9. A abordagem de Kuhn introduz, também, o conceito de incomensurabilidade, que deu um contorno ainda maior para uma questão muito importante no estudo da História da Ciência, a impossibilidade de comparação entre passado e futuro, por se tratar de paradigmas diferentes, dessa forma, a impossibilidade de julgar a existência do progresso.10

No entanto, apesar do desenvolvimento do conceito de incomensurabilidade, a explicação sobre como os novos paradigmas superam os anteriores mantém características da mesma ideia de progresso dos pensadores citados aqui anteriormente. Isso porque o novo paradigma só consegue substituir o anterior na medida em que consegue responder as questões que o anterior também respondia e ir além, ou seja, o novo paradigma consegue responder a mais problemas que o anterior.

1.2 O século XIX e os progressos

O século XIX também pode ser visto como um período com distintas visões acerca da ideia de progresso. Dois dos pensadores citados anteriormente, Comte e Marx, representavam concepções distintas, embora não completamente antagônicas, para o desenvolvimento e consolidação do progresso, como será visto ao longo deste trabalho.

9 Ibid., 264-266.

10 Kuhn, Comensurabilidade, 50.

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17 Comte, por exemplo, fundamentou o desenvolvimento humano e das ideias através da teoria dos três estados. Nessa perspectiva, o espírito humano era compreendido enquanto representação do conhecimento de uma dada época, e foi dividido por Comte em três estados distintos: o primeiro e mais primitivo é o estado teológico, o qual “apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias presentes no universo”11; o segundo estado, um pouco mais desenvolvido, é o metafísico, em que “os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) (...) concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados”12; por fim, o estado positivo no qual Comte destaca que

... o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômeno particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.13

Comte apresenta, portanto, uma leitura de progresso focada no avanço das ideias, representada pelo espírito humano, que, ao longo do seu desenvolvimento, livra-se das amarras da religião e das especulações metafísicas voltadas para o ser e passa a centrar em uma leitura pragmática preocupada em saber como as coisas funcionam, ou seja, na compreensão do fenômeno em si.

11 Comte, Curso de Filosofia Positiva, 4.

12 Ibid., 4.

13 Ibid., 4.

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18 Enquanto a leitura de Comte é focada no avanço das ideias como elemento decisivo no progresso, Marx nega essa lógica explicativa do progresso; a sua leitura parte do aprendizado e da negação de uma outra concepção de progresso através das ideias, a de George Hegel (1770-1831). Marx sintetiza sua crítica a Hegel em sua obra Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859, ao questionar a visão de Hegel de que o Estado era a encarnação do espírito humano:

... as relações jurídicas, bem como as formas do estado, não podem ser explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas condições materiais de existência, em suas totalidades, condições estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, compreendia sob o nome “sociedade civil”.14

A defesa de Marx de uma leitura materialista da realidade o levou a importantes escritos na construção de debates no curso do século XIX. Alguns desses foram publicados como A Sagrada Família, de 1844, outros chegaram ao conhecimento público de forma fragmentada, como a compilação que deu origem ao livro A ideologia Alemã, primeira vez publicada em 192115. Este último guarda uma passagem que demonstra a concepção materialista de Marx e seu repúdio a qualquer interpretação da realidade, não só as de Hegel, que compreendiam o pensamento e as ideias como determinantes para compreensão da realidade humana.

Os pressupostos de que partimos não são pressupostos arbitrários, dogmas, mas pressupostos, de que só se pode abstrair na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas como as produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via puramente empírica.

(...)

14 Marx, Crítica da Economia Política, 47.

15 Enderle, “Sobre a Tradução”, 17.

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19 Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material.16

O desenvolvimento da produção da vida material, o progresso humano, é lido por Marx enquanto uma sucessão de conflitos, na luta de classes como o motor da história, ou seja, a disputa entre as classes sociais opressoras, que detinham os meios de produção, e as classes sociais oprimidas, que não detinham os meios de produção.

A história de todas as sociedades até hoje existente é a história das lutas de classes.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito.17

O progresso que se consolidava nas transformações revolucionárias significava avanços sociais importantes, mas também avanço no campo da ciência e de suas aplicações; o capitalismo, reconhecido como último estágio antes da “chegada ao paraíso”18, demonstra sua superioridade nesse sentido.

A burguesia, em seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais numerosas e mais colossais do que todas as gerações passadas em seu conjunto. A subjugação das forças da natureza, as máquinas, a aplicação da química na indústria e na agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização de rios...19

16 Marx & Engels, A Ideologia Alemã, 86-87.

17 Marx & Engels, Manifesto Comunista, 40.

18 Como será discutido no capítulo 2, ver nota XX, Marx compreende o capitalismo como último estágio no desenvolvimento das forças produtivas que possibilitou surgir um modelo de sociedade no qual não haverá mais opressão, o comunismo.

19 Ibid.,44.

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20 Marx e Comte partem de fundamentos distintos para compreender os caminhos do progresso e do desenvolvimento humano, mas havia um ponto em comum para ambos: o progresso era o caminho para salvar a crise da sociedade. Para tanto, Marx defendia a ideia de que o proletariado tinha a força de ser o agente impulsionador de uma nova etapa humana e que a revolução socialista guiaria o ser humano para o progresso rumo ao comunismo.

O progresso da indústria, de que a burguesia é agente passivo e involuntário, substitui o isolamento dos operários, resultantes da competição, por sua união revolucionária resultante da associação. (...) A burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.

Já Comte defende que o modelo de pensamento positivo, fruto do progresso do espírito humano, é o caminho para reparar os problemas sociais.

Só a filosofia positiva pode ser considerada a única base sólida da reorganização social, que deve terminar o estado de crise no qual se encontram, há tanto tempo, as nações mais civilizadas.20

1.3 A crise do progresso no início do século XX

O século XIX, como foi demonstrado, construiu a ideia de que o progresso humano estava em franco desenvolvimento, ainda que pudesse ser acompanhado de uma visão negativa acerca das relações humanas, como citado nas interpretações de Marx ou de Comte. O início do século XX, por outro lado, demonstrou uma situação de desgaste e crise, não só social, mas da própria ideia de progresso novecentista.

20 Comte, Curso de Filosofia Positiva, 17.

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21 Como demonstra Rossi, esse período marcado pelas Guerras Mundiais, a queda da bolsa de 1929 e a ascensão do nazifascismo na Europa, coloca em xeque a ideia de um progresso inexorável na sociedade e na ciência21. Mas, não era apenas a crença no progresso da ciência que estava sob questionamento naquele momento, havia também uma crise nas próprias bases que fundamentavam os aspectos epistemológicos do fazer científico.

O modelo físico setecentista, alçado à referencial de fazer científico no século XVIII, perde cada vez mais sua centralidade. O próprio campo da física apresenta sintomas dessa crise, no século XIX, com novos estudos nas áreas da termodinâmica, e se aprofunda no século XX com as teorias dos quanta e da relatividade. A biologia, também, estava em um momento de inflexão com as teorias da evolução e da genética que trouxeram a questão do desenvolvimento de uma metodologia própria. Esses fatores levaram o modelo físico – que era muitas vezes uma base de transposição para o estudo de inúmeras ciências, entre eles a biologia – como insuficiente ou não aplicável para a compreensão daqueles fenômenos.22

A resposta a essa crise foi dada de formas muito diversas e em diferentes perspectivas. Uma das formas encontradas foi a de responder as dinâmicas sociais e econômicas como feita pelas inúmeras vertentes do marxismo (marxismo oficial soviético, o trotskista, as teorias reformistas dos partidos socialistas, entre outras), as teorias de Keynes e os propositores do New Deal nos E.U.A.23 No geral, essas

21 Rossi, Naufrágio sem Espectador, 96-97.

22 Ver Ceruti, Materialismo Dialético, 339-340; Alfonso-Goldfarb et al., “Historiografia Contemporânea”, 108.

23 Sobre o conjunto de propostas que apresentam soluções para crise social dos anos 30 ver:

Hobsbawn, “Intelectuais e Antifascismo”, 257-314; Limoncic, Inventores do New Deal.

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22 propostas compartilhavam a ideia de que era preciso um processo de mudança profunda nas relações econômicas para assegurar o retorno do progresso.

Outra forma de responder a essa crise se encontrava no campo das reflexões sobre o progresso ou o desenvolvimento humano em si mesmo, tal tema norteou as teorias de pensadores como Walter Benjamin (1892-1940), Theodor W. Adorno (1903- 1969) e Max Horkheimer (1895-1973), a primeira geração da Escola de Frankfurt.24 As abordagens desenvolvidas por eles se tornaram fundamentais para o pensamento do século XX, justamente por criticarem o papel do progresso, trazendo consigo uma leitura do marxismo e do materialismo dialético focado em compreender os processos de alienação. Alguns trabalhos desses autores só foram conhecidos após o fim do conflito da 2ª Guerra, como é o caso de Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer, publicado em 1947, mas que já estavam finalizados à exceção do artigo sobre o antissemitismo, no início dos anos 194025. As teorias de Adorno, Horkheimer e Benjamin apontavam para a própria construção das bases do progresso moderno como o grande problema da sociedade da primeira metade do século XX. Em a Dialética do Esclarecimento, por exemplo, era pautada a crítica da razão como caminho infalível do progresso, assim como tal visão ser uma crença dogmática que favorecia as elites que instrumentalizaram a razão com o propósito de estabelecer e consolidar o domínio social.

O preço da dominação não é meramente a alienação dos homens com relação aos objetos dominados; com a coisificação do espírito, as próprias relações dos homens foram enfeitiçadas, inclusive as relações de cada indivíduo consigo mesmo. Ele se reduz a um ponto nodal das reações e funções convencionais que se esperam dele como algo objetivo. O animismo havia dotado a coisa de uma alma, o industrialismo coisifica as almas. O aparelho

24 Löwy, “Introdução”, 13-14.

25 Adorno & Horkheimer, Prefácio, 16.

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23 econômico, antes mesmo do planejamento total, já provê espontaneamente as mercadorias dos valores que decidem sobre o comportamento dos homens.26

Adorno e Horkheimer demonstram como na busca por superar as visões místicas, religiosas e metafísicas, o processo dialético de transformação não levou aos resultados almejados, mas a uma síntese que abarcava em si as características do passado sob uma nova roupagem ainda mais destrutiva.

Um após o outro, os comportamentos mimético, mítico e metafísico foram considerados como eras superadas, de tal sorte que a ideia de recair neles estava associada ao pavor de que o eu revertesse à mera natureza, da qual havia se alienado com esforço indizível e que por isso mesmo infundia nele indizível terror. (...) O espírito esclarecido substituiu a roda e o fogo pelo estigma que imprimiu em toda irracionalidade, já que esta leva à ruína. O hedonismo era moderado, os extremos não lhe eram menos odiosos do que para Aristóteles. O ideal burguês da naturalidade não visa a natureza amorfa, mas a virtude do meio.

A promiscuidade e a ascese, a abundância e a fome são, apesar de opostas, imediatamente idênticas enquanto potências da dissolução. Ao subordinar a vida inteira às exigências de sua conservação, a minoria que detém o poder garante, justamente com sua própria segurança, a perpetuação do todo.27

O esclarecimento, visto como ápice do progresso, ao invés de ter sido o caminho para a emancipação humana, como acreditavam não só Comte, mas também Marx, foi, ao contrário, o processo que ratificou a dominação burguesa.

A essência do esclarecimento é a alternativa que torna inevitável a dominação. Os homens sempre tiveram de escolher entre submeter-se à natureza ou submeter a natureza ao eu. Com a difusão da economia mercantil burguesa, o horizonte sombrio do mito é aclarado pelo sol da razão calculadora, sob cujos raios gelados amadurece a sementeira da nova barbárie. Forçado pela dominação, o trabalho humano tendeu sempre a se afastar do mito, voltando a cair sob o seu influxo, levado pela mesma dominação.28

26 Adorno & Horkheimer, Dialética do Esclarecimento, 35.

27 Ibid., 37-38.

28 Ibid., 38.

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24 Adorno e Horkheimer concluem que, longe da visão de um progresso que se estabelece sempre no novo, o que se apresenta é a ideia de desenvolvimento como cíclico, uma vez que o novo modelo é pelo desenvolvimento dialético uma resposta fundamentada nas mesmas bases míticas do passado. Também, que está no desenvolvimento do progresso em si o fundamento da própria crise social instalada – da qual ambos, pensadores judeus, foram vítimas.

... adaptação ao poder do progresso envolve o progresso do poder, levando sempre de novo àquelas formações recessivas que mostram que não é o malogro do progresso, mas exatamente o progresso bem-sucedido que é culpado de seu próprio oposto. A maldição do progresso irrefreável é a irrefreável regressão.29

O filósofo Walter Benjamin desenvolve uma concepção próxima aos seus companheiros da Escola de Frankfurt, mas como aponta Löwy, as bases marxistas de sua interpretação da história entrelaçavam-se com suas concepções teológicas do judaísmo, bem como suas análises do Romantismo alemão.30 Na publicação Sobre o Conceito de História, Benjamin escreve dezoito teses em que discorre sobre a ideia de progresso de uma forma sui generis. A proposta apresentada é a de que o progresso não decorre no sentido de melhorar as condições de vida, mas significa um acúmulo de derrotas dos oprimidos. O fascismo representava não a degeneração, mas o símbolo desse progresso opressor que, infelizmente, acabou por ceifar sua vida31. A própria ideia de revolução defendida por Benjamin não está em construir uma ponte para o verdadeiro progresso, mas de suspender o processo de opressão.

A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de

29 Ibid., 41.

30 Löwy, “Introdução”, 17.

31 Benjamin se suicida, após ser preso durante a ocupação nazista na França em, 1940.

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25 exceção; e graças a isso, nossa posição na luta contra o fascismo tornar-se-á melhor. A chance deste consiste, não por último, em que seus adversários o afrontem em nome do progresso como se este fosse uma norma histórica.32

Por fim, como aponta Helena Sheehan, essa crise foi também respondida no campo da filosofia da ciência com as teorias do neopositivismo do Círculo de Viena e as teorias do empirismo radical (pragmático) propostas nos EUA por William James (1842-1910) e John Dewey (1859-1942), também, através de teorias marxistas33.

Esta tese se foca em compreender um exemplo que se construiu dentro das perspectivas do marxismo e passaremos a tratar mais sobre ela nos tópicos seguintes, no entanto é importante uma breve colocação acerca das demais formas de abordagens.

O neopositivismo, assim como afirma Sheehan, é a principal referência quando se discute abordagens sobre epistemologia da ciência no início do século XX.34 O movimento, que perdura entre as décadas de 1922 a 1936, reúne diversos filósofos e cientistas de diferentes áreas; a diluição do grupo se dá após o assassinato, por um nazista, de Moritz Schlick, seu fundador e um de seus principais referenciais.35 Os adeptos do movimento construíram um manifesto publicado em 1929 que buscava sintetizar as principais ideias defendidas, entre elas a recusa do retorno de visões metafísicas para ciência, a defesa da empiria como elemento fundamental para o fazer científico e a construção de um mecanismo de organização dos conceitos científicos de modo a criar uma estrutura universal.

32 Benjamin, Conceito de História, 83.

33 Sheehan, “Introduction to Marxism”.

34 Ibid.

35 Ouelbani, Círculo de Viena.

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26 Caracterizamos a concepção científica do mundo essencialmente mediante duas determinações. Em primeiro lugar, ela é empirista e positivista:

há apenas conhecimento empírico, baseado no imediatamente dado. Com isso se delimita o conteúdo da ciência legitima. Em segundo lugar, a concepção cientifica do mundo se caracteriza pela aplicação de um método determinado, o da análise lógica. O esforço do trabalho científico tem por objetivo alcançar a ciência unificada, mediante a aplicação de tal análise lógica ao material empírico.

Do mesmo modo que o sentido de todo enunciado científico deve poder ser indicado por meio de uma redução a um enunciado sobre o dado, assim também o sentido de cada conceito, pertencente a qualquer ramo da ciência, deve poder ser indicado por meio de uma redução gradativa a outros conceitos, até aos conceitos de grau mínimo, que se relacionam ao próprio dado. Caso se empreendesse tal análise para todos os conceitos, estes se enquadrariam em um sistema de redução, em um "sistema de constituição".36

Por fim, as teorias desenvolvidas nos EUA que ficaram conhecidas como empirismo pragmático, às quais os próprios adeptos do Círculo de Viena se contrapunham37, são expressas como citamos em pensadores como James e Dewey.

Para fins de apresentação das bases dessa leitura serão mostrados alguns fundamentos do empirismo radical de James.

Importante ressaltar, como afirma Ceruti, que, no tocante aos elementos da crise epistemológica, levou um tempo significativo de maturação até a compreensão, por exemplo, no caso da física, da diferenciação entre as propostas tradicionais da física mecânica e a proposta das teorias dos quanta e da relatividade.38

36 Hahn, “Concepção Científica do Mundo”, 12.

37 Ibid., 6.

38 Ceruti, “Materialismo Dialético”, XX.

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27 1.4 A crise da ciência e a resposta dos cientistas marxistas

Marxismo e ciência estabelecem tentativas de conexões desde seus fundadores, como é possível observar nas cartas trocadas por Marx e Friederich Engels desde os anos 1840 até 187039. Do mesmo modo, é possível perceber essa relação nas obras de Engels Anti-Düring40, publicadas entre 1877 e 1878, e no manuscrito A Dialética da Natureza, de 188341.

Após a Revolução Russa, sobretudo a liderada pelos bolcheviques, de novembro (do nosso calendário) de 1917, houve muitas propostas de intervenção no campo das ciências. Essas abordagens devem ser divididas em dois momentos, o período liderado por Vladmir I. Lenin (1870-1924) e o período pós 1928 com a consolidação de Josef Stalin (1878-1953) no poder. O primeiro período é marcado por uma tentativa de utilizar a ciência como um mecanismo para impulsionar o desenvolvimento do país com diálogos abertos às diversas áreas do conhecimento e da divulgação científica, principalmente a popular. Já o segundo período se concretiza pela defesa de uma forma de marxismo como fundamento da própria ciência e de uma política de colocá-la a favor do desenvolvimento industrial. Tal período foi marcado, também, por um processo de ideologização do fazer científico, tal qual Bernal discorre sobre o caso do nazismo42, em que ideias e teorias são julgadas não por seus resultados e análise de pares, mas por fundamentos políticos e/ou disputas personalistas. 43

39 Marx & Engels, Cartas.

40 Engels, anti-Düring.

41 Engels, Dialética da Natureza.

42 Ver cap. 2.

43 O marxismo da fase Stalinista é uma leitura das ideias de Engels e Kautsky da ideia de que a lógica materialista dialética explica todos os fenômenos, naturais ou sociais. Sobre as propostas de

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28 No ocidente, as ideias marxistas para a ciência ganham força, nos anos 1930, sobretudo, na Inglaterra e na França, e tiveram impacto tanto na reflexão sobre propostas de abordagem de uma nova epistemologia da ciência, também, de uma análise sociológica do fazer científico, bem como, da própria história da ciência.44

Foram muitos os cientistas que naquele período adotaram abertamente a defesa do marxismo, como Henry Walon (1879-1962) e Paul Langevin (1872-1946) na França, e o grupo que ficou conhecido como cientistas vermelhos na Inglaterra, compostos por John. B. S. Haldane (1892-1964), Joseph Needhan (1900-1995), Hyman Levy (1889-1975), e o pensador a quem dedicamos o maior foco de estudos desta tese, John Desmond Bernal (1901-1971).

Bernal era irlandês formado em Cambridge, reconhecido por suas pesquisas com cristalografia por raios X. Foi professor em Cambridge e no Birbeck College of London, também, membro da Royal Society. O caminho trilhado por ele, relacionando marxismo e ciência, já se constituía desde sua época de estudante em Cambridge, porém tal convicção se consolida quando em 1931 assiste às apresentações dos trabalhos da delegação soviética para o 2º Congresso Internacional de História da Ciência. Bernal, já membro do Partido Comunista Britânico, foi o guia do líder da comitiva, Nikolai Bukharin (1888-1938). Em que pese os distintos trabalhos apresentados, foi o de Boris Hessen (1893-1936) “As Raízes Sociais e Económicas dos Principia de Newton” que teve impacto significativo na reflexão de Bernal e de

construção de conhecimentos na Rússia pós revolução Ver: Andrews, Science for the Masses; Ings, Stalin and Scientists; Freire, “Sobre Raízes Sociais”, 51-64.; Goldman, Mulher, Estado e Revolução.

44 Ver: Werskey, “British Scientists”, 67-83.; Burhop, “Scientist and Public”, 32-46.

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29 outros cientistas britânicos presentes no congresso acerca do fazer científico, da relação entre ciência e sociedade e, também, da história da ciência.45

Bernal foi, na década de 1930, uma figura de destaque, seja em suas contribuições diretas para a ciência, como em seus trabalhos críticos às estruturas políticas e sociais do fazer científico. Suas críticas abrangiam o campo dos países capitalistas democráticos, tendo como exemplo principal o país em que residia, Grã- Bretanha, assim como os países degenerados pelo fascismo, sobretudo a Alemanha.

Por outro lado, ressaltava a defesa do marxismo enquanto fundamento epistemológico para o fazer científico e a União Soviética como um caminho frente à crise social e científica a qual se atravessava. No que pese às análises sociais, econômicas e políticas de Bernal terem sido produzidas em diversos artigos daquela década e mais tarde publicadas na obra The Freedom of Necessity, de 1949, foi em 1939 que Bernal publicou a obra que era uma síntese de sua visão sobre a ciência, bem como representava, talvez, o zeitgeist dos cientistas ocidentais que se aproximaram do marxismo, The Social Function of Science.

No entanto, antes de ser apresentada a construção das ideias de Bernal, convém que nos debrucemos sobre os fenômenos citados no contexto daquela época.

A crise econômica que se instaura com a queda da bolsa de Nova York, em 1929, apresentou consequências de longo prazo e, em 1931, avançou para uma depressão econômica que perdurou por 3 anos e afetou todo o ciclo econômico dos anos 1930.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, em A Era dos Extremos, a crise significou o fim de um breve momento de melhoria das condições da classe trabalhadora em

45 Sobre a apresentação das ideias de Bernal, bem como dos impactos do 2º Congresso Internacional de História da Ciência há uma bibliografia extensa sobre o tema, sugerimos a leitura de nosso trabalho de dissertação “A ideia de Revolução Científica na Obra de John Desmond Bernal”.

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30 países, como a Grã-Bretanha, que mantinham uma estabilidade econômica e política após o fim da 1ª Guerra. Junto disso houve, também, um estancamento dos processos migratórios e do fluxo financeiro, com a diminuição dos empréstimos internacionais na ordem de 90%.46

O impacto da crise foi geral e irrestrito, mas como assinalou Hobsbawm, teve um efeito ainda mais significativo sobre o emprego industrial, as taxas de desemprego ficaram acima dos 20%, sendo 22% na Grã-Bretanha e 44% na Alemanha entre os anos de 1932 e 1933. Ainda após o período da depressão, os números não melhoram expressivamente, ficando acima dos 16% na Grã-Bretanha. A exceção dos países europeus ocidentais pós 1933 foi, justamente, a Alemanha nazista que conseguiu diminuir sua taxa de desemprego significativamente entre 1933 e 1938.47

Aqui é importante destacar como esses elementos refletem no espectro político e ideológico dos anos 1930 para os cientistas que, como Bernal, se aproximaram do marxismo na Grã-Bretanha. A ineficiência do partido trabalhista inglês, que era governo, em responder às demandas sociais frente a depressão de 1931 enfraquece os discursos sociais-democratas e reformistas de responder aos problemas capitalistas de modo interno; assim como as perseguições políticas e o terrorismo de Estado promovido pelo nazismo afastavam qualquer chance de olhar para o modelo alemão como uma saída viável, mesmo com dados que apontavam para uma melhora significativa da economia. Por outro lado, o Estado soviético parecia imune à crise, pois estava em uma fase de forte desenvolvimento e, ao mesmo tempo, aparentava

46 Hobsbawm, Era dos Extremos, 93.

47 Ibid., 97.

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31 ser um porto seguro para o desenvolvimento da ciência e de uma sociedade sem desigualdades.48

A ideia de que o Estado soviético seria um porto seguro para a ciência ocorreu em um período breve, mas, como concordam Ceruti e Werskey, também no momento preciso. Pois, entre os anos de 1930 e 1931, havia ainda uma série de disputas políticas internas na União Soviética, em meio ao processo de viragem ideológica que marca a consolidação de Stalin como líder do Estado. O final de 1931 começou a apresentar exemplos mais duros das políticas de controle sobre as teorias científicas, que ganharam cada vez mais força nos anos seguintes. Neste período os cientistas ainda gozam de liberdade de suas pesquisas e não precisam, necessariamente, adotar o materialismo dialético tal qual como defendido pelo Estado, enquanto método, nem tampouco há ainda a subordinação da ciência em favor dos interesses do desenvolvimentismo.49

Tal período coincide com a participação soviética no Congresso de História da Ciência. Se, como dito acima, o trabalho de Hessen se tornou o grande referencial para Bernal e os demais cientistas ingleses que tinham como norte a interação entre ciência e sociedade, o trabalho de Nicolai Vavilov (1887-1943), “The Problem of the Origin of the World's Agriculture in the Light of the Latest Investigations”, um cientista não adepto ao marxismo, simbolizava esse elemento de liberdade no fazer científico50. Ainda que, como salientam Hobsbawm e Ceruti, a partir de 1932 tenha tido início a política centralizadora de Stalin sobre o fazer científico dentro da União Soviética, tal política não se propôs a ser um processo internacional nos campos da

48 Hobsbawm, “Intelectuais e Antifascismo”, 263-264.

49 Ceruti, “Materialismo Dialético”, 321-323.

50 Bukharin, Science Cross Roads.

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32 ciência e das artes. Desta forma houve um movimento diferente do adotado em relação ao fazer política dos grupos que se colocaram como contrários às estratégias do Estado Soviético no campo político, como era a rejeição às propostas pelos que se reivindicavam trotskistas, tratados como inimigos do comunismo.

Esse fato foi muito importante, pois estabeleceu um critério de liberdade na interpretação do marxismo para os intelectuais ocidentais, que de modo geral, apresentaram uma pluralidade de ideias seja na construção da interpretação sobre a ciência ou sobre o fazer científico social e historicamente. Junto a isso, a nova política adotada pela União Soviética, em 1934, de apoiar a construção das Frentes Populares antifascistas contribuiu para aproximar uma camada significativa de intelectuais e cientistas. Eles acabaram se relacionando com as políticas comunistas em três situações: os que adotaram o marxismo, assim como já havia ocorrido com Bernal e seus companheiros britânicos, os que aderiram ao Partido Comunista de seu país (tendo aderido ou não ao marxismo), ou, ainda, aqueles que se mantiveram como simpatizantes de ideais voltados à defesa de uma sociedade menos desigual.51

Assim, os anos 1930 e a primeira metade dos anos de 1940, conheceram um conjunto significativo de publicações na área das ciências naturais de obras marxistas e/ou com forte influência desses ideais. Na Grã-Bretanha, foram publicadas, além do The Social Function of Science de Bernal, as obras Mathematics for the Million, de 1936, Science for the Citizen, de 1938 e Dangerous Thoughts, de 1939, por Lancelot Hogben. També, foi publicada Scientific Research and Social Needs, em1934, por Julian Huxley. O biólogo John B. S. Haldane publicou os livros Heredity and Politcs e

51 Werskey, “British Scientists”, 71.

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33 Marxist Philosophy and Sciences, ambos de 1938. Ainda o livro de J. G. Crowther, de 1941, Social Relations of Science52.

Esses trabalhos representam uma parte do esforço de muitos cientistas britânicos na luta antifascista53 e na defesa de uma ciência pró-social, que, além de trabalhos individuais, contribuíram com a construção de organizações como a Association of Scientific Workers and the Cambridge Scientists’ Anti-War Group, ou mesmo atuando nas já existentes como a British Association for the Advancement of Science54. Também, alguns deles eram membros do Partido Trabalhista ou do Partido Comunista, no caso do último, por exemplo, é possível citar Bernal e Haldane. Houve ainda importantes ações coletivas em publicações em revistas de renome, como a Nature, principalmente, contra o tema da eugenia e no combate a discursos nazistas.

Bernal participou desse processo, não apresentou muitos escritos justamente por não ser da área das ciências biológicas, mas organizou campanha em prol da liberdade dos cientistas perseguidos pelo nazismo.55

Desse modo, verifica -se que as reflexões e produções de Bernal sobre as relações entre ciência e sociedade não foram ações isoladas, mas estavam alinhadas a um esforço coletivo e engajamento político dos cientistas de seu tempo. O que é possível afirmar é que The Social Function of Science se tornou o grande referencial desse processo. Isso se comprova com os números de reimpressões, foram cinco

52 Filner, “Social Relations”, 307.

53 Sobre as ações políticas dos cientistas na Grã-Bretanha ver Filner The Social Relations of Science Movement (SRS) and J. B. S. Haldane; Roberts, From the History of Science to the Science of History;

Rose & Rose, Red Scientist; Werskey, British Scientists and 'Outsider' Politics, 1931-1945.

54 O editor da Nature, Sir Richard Gregory criou neste período a Seção X na B.A. com a intenção de abrir os debates sobre ciência e sociedade, após 1946, Bernal foi afastado por suas defesas no caso Lysenko e do Estado soviético. Ver Rose & Rose, Red Scientist, 141.

55 Rose & Rose. Red Scientist,

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34 reimpressões, desde a publicação de 1939 até 194656. Outro ponto é a reação dos que se posicionavam contra as ideias defendidas, como serão trabalhadas no capítulo 3, por figuras como John Randal Baker e Michael Polaniy. Também nos materiais publicados em reverência à importância do livro, ao menos duas publicações: a primeira The Science of Science57, em 1964, organizada por Maurice Goldsmith e Alan Mackay, comemora os 25 anos do livro, com textos do próprio Bernal; a outra, menos conhecida 1939 J. D. Bernal’s The Social Function of Science 1989, publicada, em 1989, em Berlin Oriental, um mês antes da queda do muro, como resultado de um congresso que comemorou os 50 anos.

1.5 Apresentação da obra

The Social Function of Science possui um objetivo muito claro: tentar analisar e responder sobre as características do fazer científico de seu tempo e apontar para qual seria a verdadeira função social da ciência e as ações que poderiam ser desenvolvidas para alcançá-la. Bernal apresenta assim uma divisão em dois grandes temas: o primeiro, intitulado “What Science Does”, faz uma retrospectiva histórica em que tenta reconstruir o caminho da ciência desde o surgimento do homem até o seu tempo, para depois desenvolver uma profunda análise sociológica acerca do fazer científico de seu tempo, tendo a Grã-Bretanha como o principal objeto, mas mantém como critério uma comparação entre o desenvolvimento da ciência nos países

56 O livro ainda contou com traduções para alemão, em 1986, três edições para chinês, em 1950, 1982 e 2003, e uma edição turca, em 2011, sendo a última edição para língua inglesa, em 2020 pela indiana Aakar Books, dados do portal WorldCat.

57 O termo the science of science não foi cunhado por Bernal, mas ganhou força entre muitos que assimilaram a importância de quantificar e analisar os dados do fazer científico, como apontam Rose

& Rose, boa parte do sucesso que a obra continuou a fazer, após os anos 1940, estava no aprendizado sobre as análises dos dados do fazer científico e nos qual os ideais políticos do livro não importavam.

Ver Rose & Rose, Red Scientist, 136-137.

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35 capitalistas democráticos, nos degenerados pelo fascismo e em como era feito no socialismo; o segundo, “What Science Could Do”, foca em desenvolver propostas para o fazer científico, com respostas a diversas críticas que construiu na primeira parte da obra ao capitalismo e na defesa do socialismo como o novo modelo capaz de garantir o progresso do fazer científico.

Nesse sentido, esta tese visa compreender a narrativa de Bernal e analisar os seus fundamentos sobre a ideia de progresso, como essa visão norteia a proposta do que deveria ser o fazer científico e de como ele pode ser plenamente assegurado.

Para tanto será feita uma breve consideração sobre o capítulo que trata do desenvolvimento da história da ciência, de modo a perceber alguns elementos que apontam para a encruzilhada em que se encontrava a ciência, a qual a obra defende existir naquela época.

Bernal defende que a história da ciência se desenvolveu em dois campos, um de viés especulativo em que se encontram as figuras do mágico, do sacerdote ou do filósofo e outro do campo prático do artesão58. Ele defende que o mais estudado até o momento é apenas o primeiro aspecto, ou seja, ele está defendendo que a história da ciência tem se concentrado em olhar apenas para a questões das ideias, visão que ele manterá ao longo de sua vida e será representada novamente, por exemplo, em Science in History, de 195459.

A defesa de olhar a história da ciência em dois campos de análise estava também em Boris Hessen, pensador que, como pontuamos, encantou Bernal, e que defende a importância de olhar a história da ciência estabelecendo uma conexão entre

58 Bernal, Social Function, 13.

59 Oliveira, “Revolução Científica”, 45.

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36 os campos teórico e prático, em que o segundo é determinante sobre o primeiro60. Nas palavras de HessenA prática não deve ser explicada por referência a ideias, mas, ao contrário, a formação de ideias deve ser explicada por referência à prática material.” Essa forma de olhar a História da Ciência acabou por se tornar uma tendência, conhecida como externalismo, que, além dos teóricos marxistas, teve outros expoentes, por exemplo, Robert Merton que tem entre seus trabalhos o livro Ciência Tecnologia e Sociedade na Inglaterra do séc. XVII, de 1938.

O termo externalismo se deve ao fato de que nessa leitura, por mais que apareçam as questões de ordem teórica e ou aspectos ideológicos, eles estão subordinados a questões de ordem externa ao fazer científico. Essa leitura é uma forma simplista de se referir à fonte dessa ideia, o materialismo histórico de Karl Marx e a relação entre infraestrutura e superestrutura. Mas a discussão sobre esse termo, sua relação com o marxismo, assim como existe um processo de simplificação de teorias para inferiorizá-las, daria uma outra tese61.

1.6 Teoria e Prática e a História da Ciência

Bernal defende que os dois aspectos da História da Ciência se desenvolvem desde os primeiros seres humanos que buscavam solucionar demandas importantes como: caçar; produzir armadilhas; cozinhar; curtimento e vestir peles; trabalho em pedra, madeira e ossos; pintar e desenhar.62

60 Hessen, “Newton’s Principia”, 154.

61 Um interessante exemplo de quem apresenta esse debate está em Sheehan, “Marxism and the Philosophy”.

62 Bernal, Social Function, 13.

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37 Em seguida, discute o papel da agricultura para o desenvolvimento da civilização, destaca que mais que descobertas científicas, a agricultura possibilitou a criação de duas instituições fundamentais, o comércio e as cidades. A narrativa faz questão de manter pontos de contato entre teoria, expondo a importância dos rituais nas trocas, e do conhecimento prático, expondo quais as técnicas necessárias para a produção.63

Toda narrativa segue sem referências a historiadores, ou até mesmo a Friedrich Engels que havia dedicado alguns escritos ao tema, como A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Mas as afirmações de Bernal sobre o papel da agricultura e seu impacto sobre a organização da sociedade se aproximam muito da defesa de Engels64.

Após apresentar o processo que teria dado origem às cidades, ele apresenta a sua grande tese sobre o problema do progresso da ciência, a separação entre teoria e prática.

... com o surgimento das cidades, ocorreu pela primeira vez uma separação entre o artesão, o homem de ação, e o sacerdote, o homem de palavras. O desenvolvimento da escrita por muitos séculos foi um monopólio sacerdotal quase exclusivo; a vida do sacerdote era mais fácil e mais honrada que a do artesão, e tendia a atrair os espíritos intelectuais mais ativos. A teologia e a metafísica são um jogo tão divertido quanto a ciência para aqueles que estão bem providos para não se preocuparem com coisas terrenas. Uma vez bem estabelecida a divisão entre o homem da teoria e o homem da prática, o progresso material e o desenvolvimento da ciência tornaram-se igualmente difíceis, incertos e passíveis de lapsos.65

63 Ibid., 14.

64 Engels, Origem da Família, 27.

65 Bernal, Social Function, 15.

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38 A exceção estaria, felizmente segundo ele, em dois campos: a medicina e a astronomia. Sobre o último são citadas as aplicações práticas dessa forma de conhecimento, como a construção de calendários, na agricultura, também, como um guia (localização) para comerciantes e navegadores. Discute, ainda, como a astronomia teria tido um papel voltado à compreensão dos deuses, e o lugar onde a matemática elementar era trazida para o mundo externo.66

Em relação à medicina, Bernal afirma que tenha a necessidade de lidar com algo prático, as doenças, o sucesso dessa relação foi menor. Isso porque a tendência dada ao fato de a medicina lidar com a saúde das pessoas teria possibilitado aos médicos ascenderem socialmente próximo às classes privilegiadas, com a consequente redução de suas ações no campo prático para apenas o teórico.67

A linha entre esses dois campos segue sendo o fio condutor das diversas sociedades humanas, e nesse percurso um ponto a ser destacado é o papel dos Gregos mais como sistematizadores dos conhecimentos babilônicos e egípcios e não como aqueles que criaram a ciência. Ao contrário, Bernal atribui aos filósofos o papel de ter acentuado tal divisão, desde a importância do discurso na democracia até a busca pelas verdades eternas de Platão, sendo Aristóteles o único que se ateve a questões práticas e que isso contribuiu para a grandeza do império de Alexandre68. Isso é um ponto relevante, pois destoa das interpretações comuns na história da ciência da época em ver os gregos como a origem de todo conhecimento69.

66 Ibid., 15-16.

67 Ibid., 16-17.

68 Ibid., 16-18.

69 Ana-Goldfarb et al., “Historiografia Contemporânea”, 107.

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