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5.2 A (in)fidelidade nas adaptações de obras literárias para a televisão

5.2.1 A linguagem televisiva e as suas particularidades

No estudo das adaptações literárias, além das implicações de mercado e de recepção, precisamos também levar em conta as particularidades de cada forma de expressão, preservando as especificidades da linguagem televisiva e da linguagem literária. No entanto, é inegável a integração de ambas às muitas formas de narrativas, que “[...] podem assumir diferentes substâncias de expressão, diversas funções socioculturais e variados enquadramentos pragmáticos” (SARAIVA, 2003, p.9).

Anna Christina Bentes, Mônica Magalhães Cavalcante e Ingedore Villaça Koch trazem-nos outro argumento acerca da validade do estudo da relação entre literatura e televisão, quando falam acerca do princípio da intertextualidade, a partir do ponto de vista da pesquisa semiológica:

a) As operações produtoras de sentido são sempre intertextuais no interior de um certo universo discursivo (por exemplo, o cinema);

b) O princípio da intertextualidade aplica-se também entre domínios discursivos diferentes (por exemplo, cinema e TV) (BENTES; CAVALCANTE; KOCH, 2008, p. 15).

As palavras das autoras referem-se a dois caminhos relacionais: entre textos de um mesmo universo discursivo — como Lobato faz com os contos de fadas, por exemplo — ou entre domínios discursivos diferentes. Exemplificam esse segundo tipo de relação com o cinema e a TV, que possuem formas de expressão bastante similares.

Robert Stam (2008) afirma que está disseminada, no senso comum, a ideia de que o cinema — e aqui estendemos o comentário à televisão — tem prestado um desserviço à literatura, no sentido de que, por meio das adaptações, vulgariza, deturpa, deforma e trai as obras a que se referem87. Tais ações se dariam porque, seguindo a

lógica do capitalismo e da sociedade de consumo, a televisão e o cinema servem-se das obras literárias de referência — especialmente aquelas que já se constituíram sucesso de público e, por isso, de certa forma, assegurariam também o sucesso da

87 Em sua obra A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação, Robert Stam (2008)

tece considerações acerca da fidelidade das adaptações de obras literárias para o cinema que seguem válidas também para as adaptações televisivas, embora reconheçamos as inúmeras diferenças de linguagem, de público, de alcance e de qualidade entre essas mídias.

produção para as telas —, extraindo delas o que fosse útil e interessante às especificidades das suas produções e de seu público. O que restaria dos textos originais não seria apenas descartado como também substituído por outros elementos que melhor se adequassem aos objetivos de sucesso e, por consequência, de lucro das indústrias cinematográficas e televisivas. A diferença entre ambas residiria, no que tange ao comportamento direcionado a resultados e a lucros, nas particularidades de cada uma das indústrias e, dentro delas, dos subsistemas que ocupam nichos de mercados bastante específicos.

Em vista dessas particularidades, o meio televisivo seria muito mais agressivo e devastador frente às obras literárias de que se apropria do que o cinema. Isso porque a televisão constitui-se como um meio muito mais efêmero, com produções muito menos elaboradas, já que precisam ficar prontas em um espaço de tempo infinitamente mais curto do que o que ocorre com o cinema e com custos também muito mais baixos para constantemente abastecer as grades de programação com “mais do mesmo”.

Desse modo, é comum, como nos mostra Stam (2008), ouvirmos o comentário, decepcionado, de quem, após ler alguma obra, assistiu à sua adaptação cinematográfica ou televisiva de que “o livro era melhor” (Idem, p. 20). Ou seja, as adaptações acabam contrariando os horizontes de expectativas daqueles que já leram a obra literária e partem para a nova experiência estética de posse de construções de significações prévias e muito particulares — particularização essa acentuada pelo fato de a leitura literária ser uma atividade solitária, sem a mediação de imagens visuais que não sejam as das ilustrações, que exige abstrações por parte do leitor.

Apesar de considerarmos todas as implicações da passagem de um meio para outro, segundo Stam (2008), os comentários advindos do senso comum acerca da decepção pela falta de fidelidade em relação aos originais literários não são totalmente destituídos de razão. O autor elenca três razões para a decepção com as adaptações:

a) algumas adaptações de fato não conseguem captar o que mais admiramos nos romances-fonte; b) algumas adaptações são realmente melhores do que outras; c) algumas adaptações perdem pelo menos algumas das características manifestas em suas fontes. (Idem, p. 20, grifos do autor)

Quanto à primeira razão apontada por Stam para que a ideia de fidelidade ganhe força, sabemos que, por mais solitária e individual que seja a leitura literária, as obras que servirão de fonte para adaptações, via de regra, já são consagradas pela crítica. Devido a isso, circulam informações sobre elas tanto nos meios informais quanto nos meios acadêmicos. Essa circulação faz com que haja valorações prévias e conhecimentos construídos sobre essas obras literárias que podem ser partilhados até mesmo por quem não as leu. Por isso, as obras consagradas pela crítica, pelos meios acadêmicos e pela voz popular e informal implicam algumas construções que acabam por determinar não só futuras leituras das obras literárias como também se espera que essas sobredeterminações balizem as possíveis adaptações para outros meios. Portanto, se as adaptações não estiverem em consonância com as sobredeterminações — muitas vezes tácitas —, não irão, de fato, captar o que uma coletividade mais preza nessas obras-fonte.

Já o segundo motivo arrolado por Stam para que haja decepção com adaptações reside no fato de que há algumas melhores do que as outras. Aqui, no contexto em que escreve o autor, o critério de qualidade é o do senso comum, ou seja, a fidelidade às obras originais. Podemos dizer que há adaptações com maior ou menor grau de proximidade com as obras a que se referem devido a, pelo menos, dois motivos: a) as especificidades do texto literário original, o qual pode se apresentar mais adequado a essa adaptação, mais pronto para ser roteirizado, com maior número de sequências de ações e de diálogos prontos para serem transpostos para os scripts; b) a adequação do texto literário original aos interesses da emissora e das especificidades do público ao qual se quer atingir com a produção televisiva.

Essa maior ou menor adequação da obra literária original leva-nos a pensar no terceiro motivo apontado como provocador de decepção frente às adaptações, o da perda de algumas características originais das obras literárias. Quanto menos a obra se mostrar adequada aos gostos, ao modus vivendi do público ao qual a emissora quer atingir e aos objetivos de lucro e de consumo da produção, maiores serão as alterações e os apagamentos de características originais.

Desse modo, dificilmente o confronto com uma adaptação depois da experiência da leitura literária não resultará em decepção se o espectador considerar como critério

de julgamento apenas a fidelidade em relação aos originais, condição que, levada à estreiteza, pode sequer ser possível. Essa impossibilidade se dá porque

Uma adaptação é automaticamente diferente e original devido à mudança do meio de comunicação. A passagem de um meio unicamente verbal como um romance para um meio multifacetado como um filme, que pode jogar não somente com palavras (escritas e faladas), mas ainda com música, efeitos sonoros e imagens fotográficas animadas, explica a pouca probabilidade de uma fidelidade literal, que eu sugeriria qualificar até mesmo de indesejável. (STAM, 2008, p. 20, grifo do autor)

A fidelidade literal indesejável aludida por Stam lembra-nos o que afirma Kristeva (apud Lopes, 1994, p. 71): “[...] todo texto é absorção e transformação de outro texto”. Nesse caso, o da transformação do texto literário para o televisivo, trata-se de uma transformação profunda e radical, tanto no que diz respeito às questões do plano da expressão, observando-se as especificidades do meio, quanto no que se refere às imposições do contexto enunciativo.

Tratando-se do plano de expressão, um texto literário, por mais sinestésico que seja, devido ao fato de ter como matéria-prima apenas as palavras, não dá conta do universo de signos implicados em uma produção televisiva. O sincretismo dessa produção pode ter no texto escrito o seu ponto de partida, mas a ele são acrescentadas outras formas de representação, como cenários, figurinos, sonoplastia, iluminação, edição, recursos computacionais e a dramatização dos atores, envolvendo várias formas artísticas. Nesse caso, a produção de sentidos se dá não apenas por meio de signos verbais, como no texto literário, devido às características particulares do meio televisivo, que envolve som e imagem. Acerca da diversidade sígnica constituinte da mensagem televisiva, Elisabeth Duarte afirma:

Trata-se de textos complexos que articulam o verbal, o musical, a diferentes sistemas de significação visuais; cenários, iluminação, cores, corpos, vestuário, gestos, expressões faciais, etc. […] o que caracteriza a gramática de formas de expressão do texto televisivo é um complexo de relações que remete não só ao tipo de imagem configurada, mas ao tipo de emissora e programação, às formas e horários de transmissão, aos gêneros e formatos dos textos, aos tipos de narrativas privilegiadas, bem como a outros elementos, tais como o tipo de público a que se destina, as condições em que esse público se encontra, os entornos sociais e culturais. (DUARTE, 2002, p. 5-6)

Como vemos, a composição do texto televisivo implica questões não apenas de configurações internas — os múltiplos sistemas de significação envolvidos — como também as forças externas, que dizem respeito às imposições mercadológicas. Essas últimas influenciam diretamente as primeiras, ou seja, a lógica do mercado exerce papel significativo na configuração do texto televisivo, o qual deve estar em consonância com suas imposições a fim de angariar audiência. Devido a essas particularidades, os signos verbais empregados na adaptação televisiva, especialmente na fala dos personagens, portanto, não correspondem, na maioria das vezes, exatamente ao que se encontra no texto literário. A explicação para essa divergência reside não só no fato de se tratar de meios comunicacionais diferentes, mas também de contextos enunciativos diferentes — os “entornos sociais e culturais” aos quais se refere Duarte. Como há uma distância temporal significativa entre a obra literária em questão e a sua versão televisiva, os imperativos do momento de produção são bastante diferentes. Essa diferença também se encontra no perfil do público a que se destina essa versão. Desse modo, o entendimento das rupturas entre texto literário e texto televisivo passa, necessariamente, por questões da chamada “linguagem televisiva” e também por reflexões acerca das transformações na história social do Brasil nos últimos sessenta anos. Na esteira da História, poderemos encontrar explicações de cunho ideológico para as modificações empreendidas na adaptação televisiva, relacionando forma e conteúdo.

Dessa forma, não se trata de discutir a “fidelidade” ou não do seriado televisivo

Sítio do Picapau Amarelo às obras literárias de Monteiro Lobato, já que se trata, segundo Stam, de “um tropo inadequado” (2008, p. 21) e rudimentar para falarmos de adaptações bem sucedidas ou não. O referido autor sugere que levemos em consideração a

[...] atenção dada a respostas dialógicas específicas, a ‘leituras’, ‘críticas’, ‘interpretações’ e ‘reescritas’ de romances-fonte, em análises que invariavelmente levam em consideração as inevitáveis lacunas e transformações na passagem para as mídias e materiais de expressão muito diferentes. (Idem, p. 22)

Por isso, é necessário que, ao analisarmos uma adaptação, levemos em conta as particularidades de linguagem, de recursos tecnológicos e de público que aquele suporte midiático em especial apresenta. Por isso, a transposição literal de um meio para outro é impossível. Nesse sentido, Stam (2008) nos indica, acerca das adaptações para o cinema, um importante fato que também podemos aplicar às versões televisivas do Sítio:

Adaptações fílmicas [...] são hipertextos nascidos de hipotextos preexistentes, transformados por operações de seleção, ampliação, concretização e realização. [...] De fato, as variadas adaptações anteriores juntas podem formar um hipotexto maior, cumulativo, disponível ao cineasta que ocupa um lugar “tardio” nessa sequência. (Idem, p. 22)

A partir dessa ideia, consideramos o universo ficcional lobatiano como um grande hipotexto do qual a adaptação da década de 1950 se serviu. Não podemos, entretanto, afirmar o mesmo acerca das adaptações das décadas seguintes, uma vez que, por mais que os profissionais envolvidos nas readaptações tenham, possivelmente, buscado referências na obra-fonte, não deixam de ocupar o “lugar tardio” e, de alguma forma, de “contaminar” o olhar com as adaptações anteriores. Essas obras televisivas anteriores, a partir de então, passam, junto com a obra-fonte, a fazer parte do hipotexto, em um continuum. Além dessas influências, as adaptações televisivas, assim como a literatura e o cinema, segundo o que nos aponta Stam (2008), são permeáveis às tensões históricas e sociais do momento de produção. Portanto, os processos de “seleção, ampliação, concretização e realização” referidos pelo autor estarão fortemente influenciados por esses dois fatores: o contexto e as obras que lhe sucederam.

Além disso, há questões pontuais da linguagem televisiva que distanciam as adaptações das obras literárias. À semelhança do que ocorre no cinema, sobre o qual nos explica Marcel Martin (2011), as imagens em movimento, juntamente com os aspectos sonoros, constituem também a base da linguagem televisiva. Como característica da linguagem cinematográfica que também podemos aplicar à televisiva, Martin nos indica a aparência realista das imagens, que, devido ao movimento e aos efeitos sonoros, acabam por tornar o cinema e a televisão em meios nos quais o referente, o significante e o significado imbricam-se, “[...] induzindo à crença na

existência objetiva do que aparece na tela” (MARTIN, 2011, p. 22). Sobre essa sensação de mimese da realidade nessas mídias que assim se configuram, Anna Maria Balogh (2005, p. 42) afirma:

A sensação de mimese da realidade é muito mais forte no cinema do que em qualquer outra das artes visuais, devido à capacidade de criar a ilusão do movimento e combiná-la ao áudio. Por essa razão, o cinema foi estusiasticamente [sic] saudado pela crítica em seus primórdios como o tipo de arte que poderia ‘vencer a própria morte’.

A aludida combinação também ocorre na televisão, herdeira das técnicas cinematográficas, portanto seguem válidas as ideias de sensação de reprodução do real, de realismo instintivo e da concretude88. A mesma autora, em outra obra, aponta-

nos o uso, de forma adaptada, dessa herança recebida não só do cinema, mas também de outras formas de expressão artística que lhe antecederam:

O mais corriqueiro dos programas de TV trará um agenciamento de sons e de imagens herdado da montagem cinematográfica à qual se acrescentam as interrupções para os comerciais, próprias da TV, os enquadramentos cuja concepção vem das artes plásticas, da fotografia e do próprio cinema, os ganchos ocorridos antes das interrupções nos remetem ao folhetim literário e radiofônico, com a diferença de que os intervalos da TV são inundados de propagandas. Ou seja, cada uma das estratégias de enunciação da TV remete a uma diacronia feita de heranças múltiplas incorporadas de forma assimétrica pela televisão. (BALOGH, 2002, p. 24)

A linguagem televisiva, portanto, (re)aproveita recursos artísticos de variadas procedências, a eles aliando as progressivas inovações tecnológicas. Isso amplia não só o alcance da mídia, mas também as possibilidades de se retroalimentar das produções artístico-culturais que lhe antecederam. Além disso, ainda segundo Balogh (2002), essa (retro)alimentação é constante, vinda de fontes diversas, o que leva a autora a classificar a televisão como uma “máquina antropofágica que devora tudo e

88 No entanto, não se trata, como nos mostra Martin (2011, p. 24), de a imagem audiovisual possuir o

caráter de “reprodução estritamente objetiva do real”. É necessário que consideremos que o ângulo de filmagem, o recorte da câmera, a seleção de imagens, os cortes, os closes, entre outros procedimentos, implicam as percepções subjetivas dos profissionais envolvidos nesse processo. Portanto, as imagens audiovisuais dão o efeito de realidade, mas não a reconstituem, tratando-se de “[...] imagem artística da realidade, ou seja, se refletirmos bem, totalmente não realista (veja-se o papel dos primeiros planos e da música, por exemplo) e reconstruída em função daquilo que o diretor pretende exprimir, sensorial e intelectualmente” (Ibidem, grifos do autor).

todos” (Idem, p. 26). Nesse “tudo” de Balogh, aplicando ao contexto brasileiro, incluem- se a incorporação, da readaptação e a recriação “[...] da cultura do outro, do estrangeiro, ou do outro brasileiro que está ao nosso lado, reciclamos tudo, e nessa metamorfose atingimos um fazer com o nosso carimbo tupiniquim: ‘yes, nós temos bananas’, petróleo, telenovela, bossa nova e sambalanço...” (Ibidem).

Além desse caráter antropofágico e catalisador, a televisão está constantemente presente na vida dos telespectadores, oferecendo programações ininterruptamente. Para suprir essa demanda, foi necessária a criação de uma indústria de produção, que conta com a serialidade como uma das suas principais características, que se desdobra em produtos como novelas, séries, minisséries. Com a serialidade, afirma-se a estética da repetição, que já dava seus ares desde que se descobriram mecanismos de reprodutibilidade na imprensa, na fotografia e na gravura. Trata-se, pois, de mais uma característica herdada de meios que a precederam.

No entanto, a serialidade, sozinha, não é suficiente para a alimentação da “máquina antropofágica”. Essa característica a alimenta, constantemente, de “mais do mesmo” em trajes ligeiramente diferentes. Contudo, para a produção desse “mesmo”, são necessários recursos financeiros. Assim, com o intuito de manter a programação ininterrupta, é necessário que seja patrocinada — e aí entram os comerciais, as rupturas na programação e mais uma característica herdada de meios que lhe são anteriores: trata-se do gancho, que pode se dar dentro de um mesmo episódio ou capítulo diário, ou mesmo entre capítulos e episódios diferentes.89 Para que se insiram

os intervalos comerciais, o fluxo do programa televisivo é cortado. Devido a isso, “[...] temas, isotopias, programas narrativos (pensamos sobretudo na ficção) são fragmentados em blocos” (BALOGH, 2005, p. 144). Nesse ponto, as narrativas fílmicas e televisivas se distanciam, uma vez que tais fragmentações não ocorrem no cinema. Nesse último, não observamos o uso de recursos como suspensão, manutenção e retomada de sentidos como vemos, em abundância, na televisão (BALOGH, 2005). Esses recursos, formas televisuais dos ganchos folhetinescos, são usados não só entre

89 O gancho, como se sabe, foi criado na época dos folhetins e remonta às narrativas das “Mil e uma

noites”.Trata-se de técnicas a partir das quais o sentido é suspenso, criando interesse ou até mesmo certo mistério, e desejo no leitor ou espectador para continuar seguindo, após o término da suspensão, o fio da narrativa.

as partes de um mesmo capítulo ou episódio diário, mas também entre capítulos ou episódios que são exibidos em dias diferentes — como as clássicas “cenas dos próximos capítulos”.90 Por meio desses mecanismos, a televisão pode ser considerada

não só uma “máquina antropofágica”, mas também uma “máquina de sedução”, de se fazer desejada. Esse desejo, no entanto, deve ser não só mantido, mas constantemente recriado a cada novo produto lançado. Essa manutenção se dá, em pelo menos dois campos: um paratextual e outro intertextual.

Em relação ao primeiro campo, sabemos que, para a manutenção e para a revitalização do desejo dos telespectadores frente a um novo objeto, há que se prepará-los, lançando mão de recursos que o captem e que o introduzam à nova produção, construindo e ressaltando familiaridades. Assim, é construída a “paratextualidade”, ou, como nos indica Balogh (2005), a “parasserialidade”, que seria composta de “[...] todos elementos marginales que sin pertenecer a la serie actúan para-ella, em forma enmascarada, haciendo de chivato e colocándose cômoda e impunemente fuera de la norma del género” (VILCHES apud BALOGH, 2005, p. 148). Esses elementos seriam, a título de exemplo, as chamadas que são exibidas nos intervalos comerciais, as entrevistas com atores, produtores e diretores em outros programas televisivos, as matérias em outros programas, como o Vídeo Show, da Rede Globo. Nesses casos, a televisão mostra sua autorreferencialidade, como afirma Balogh: “[...] a televisão está constantemente referindo-se a si mesma num processo delirante de autorremissão” (Ibidem). Essa autorreferenciação constitui-se, portanto, de modos de controle das possíveis leituras e dos horizontes de expectativas dos telespectadores frente aos programas com data marcada para estrear. No entanto, esse processo de