• Nenhum resultado encontrado

2.2 O nacionalismo de Monteiro Lobato: o modernismo antimodernista

2.2.2 O moderno antimodernista

O nacionalismo pragmático de Lobato, paradoxalmente, ao mesmo tempo que o aproximava das ideias de renovação dos modernistas, afastava-o das influências estéticas dos movimentos de vanguarda de origem europeia do início do século XX. Além do descompasso dos momentos da Belle Époque, o autor estava engajado em um projeto de construir uma nacionalidade, o que não era compatível com “[...] espírito demolidor das ‘artes importadas’” (YUNES, 1982, p. 17). Também devemos ressaltar que a série de “ismos” europeus estava, com frequência, mais voltada a questões formais e estéticas do que propriamente aos conteúdos por elas representados, fato

que distanciava ainda mais Lobato desses movimentos, uma vez que ao escritor interessava a crítica como instrumento de (re)construção nacional. Como afirma Yunes:

[...] o nacionalismo realista de Lobato convergia para uma crítica orgânica e sistemática (do país ou da região, pelo menos), onde (sic) a ironia acabava por ceder lugar à doutrina, enquanto a sátira e a paródia entre os modernistas eram os instrumentos de denúncia e anúncio de uma outra face nacional. Os mitos, os

costumes, serão matéria de um e de outros, cada qual a seu modo. (YUNES,

1982, p. 17, grifo nosso).

A partir da citação, podemos ver que a divergência de Lobato com as tendências de vanguarda se dá muito mais por questões metodológicas do que por motivos propriamente ideológicos. Segundo Campos (1986), embora houvesse adesão aos modelos (intelectuais, comportamentais, artísticos, entre outros) importados da Europa, à época da I Guerra, esses mesmos padrões são colocados em dúvida por uma parcela da intelectualidade, que volta suas atenções para as coisas nacionais. Esse olhar para o Brasil se dá, em grande parte, devido ao colonialismo cultural em relação à Europa, ao atraso do Brasil se comparado à vizinha Argentina e ao caos nas finanças e nas relações políticas. No entanto, os ângulos por onde se dão essas visões do país diferem, e Lobato recusa veementemente o prisma do colonialismo cultural, que fazia com que “[...] as elites pensassem através dos modelos europeus”.(CAMPOS, 1986, p. 23).

Essa reação de Lobato aos modelos importados não só se refletirá na sua literatura direcionada ao público adulto, mas principalmente atravessará o universo do Sítio do Picapau Amarelo, no qual enfatizará traços que potencialmente poderiam resgatar a cultura se não brasileira, ao menos a da região Sudeste. Destacam-se, assim, como veremos de forma pormenorizada mais adiante, a ambientação rural do Sudeste, as raízes agrárias do povo brasileiro, a culinária típica, o artesanato, as mais diversas manifestações folclóricas cujos personagens saltam da oralidade para as páginas de seus livros infantis. No entanto, ao mesmo tempo, elementos da cultura europeia e norte-americana são trazidos às suas obras, fazendo com que se adaptem ao ambiente do Sítio.

Dessa forma, ainda que as temáticas abordadas nas obras de Lobato se alinhem aos ideais do Modernismo, no sentido de tirar o país do atraso, o autor diverge no que

tange aos métodos e às inovações formais trazidas pelos movimentos de vanguarda. Exemplo claro de sua posição quanto a essas inovações está no ataque de Lobato à exposição de Anita Malfatti (1917), expresso em Paranoia ou mistificação, publicado no jornal O Estado de S. Paulo. Após tecer elogios ao talento latente que observa nas obras da artista, observa:

Entretanto, seduzida pelas teorias do que se chama arte moderna, penetrou nos domínios dum impressionismo discutibilíssimo e põe todo o seu talento a serviço duma espécie de caricatura. Sejamos sinceros: futurismo, cubismo,

impressionismo e tutti quanti não passam de outros ramos da arte caricatural.

(LOBATO apud CAVALHEIRO, 1962, v.1, p. 244, grifo nosso)27

Para os propósitos práticos e realistas de denúncia e de crítica da realidade, a arte expressionista de Malfatti não interessava. Portanto, para ele, os métodos vanguardistas, que seriam outros modos de se fazerem caricaturas, distanciando-se da realidade, não lhe cabiam. Suas posições como crítico de arte diferem do distanciamento de alguns escritores de sua época em relação à realidade do país. Segundo Campos, para Lobato, os intelectuais teriam múltiplas tarefas, todas elas profundamente engajadas em um fazer político: “mostrar o país a si mesmo” (CAMPOS, 1986, p. 59). Assim, os pensadores do país, por cujas ideias os dirigentes se guiariam, elaborariam as diretrizes sociais. Todas essas tarefas, portanto, seriam incompatíveis com visões distorcidas ou caricaturais da realidade e, mais ainda ,descompassadas em relação a posturas “colonizadas” e desvinculadas da realidade do país.

Dessa forma, o modernismo de Lobato pode ser lido a partir das seguintes afirmações de Berman:

Ser moderno é viver uma vida de paradoxo e contradição. [...] É ser ao mesmo tempo revolucionário e conservador: aberto a novas possibilidades de experiência e aventura, aterrorizado pelo abismo niilista ao qual tantas das aventuras modernas conduzem, na expectativa de criar e conservar algo real, ainda quando tudo em volta se desfaz. Dir-se-ia que para ser inteiramente moderno é preciso ser antimoderno (BERMAN, 2001, p. 21-22)

27 Optamos por deixar a citação de Lobato via Edgard Cavalheiro, uma vez que a encontramos nessa

obra e achamos mais justo dar o devido crédito da pesquisa do que simplesmente buscá-la onde o autor já nos indicou e destituí-lo do achado.

A vida e a obra de Lobato parecem antecipar o conceito de modernidade exposto por Berman: o autor sempre viveu envolto em paradoxos e contradições: revolucionário e iconoclasta nos temas abordados; conservador, até certo ponto, na maneira de abordá-los. Eternamente aberto ao novo, jogou-se em inúmeros projetos na expectativa de tornar real a sua nação idealizada, embora a sociedade apontasse, muitas vezes aos gritos, as impossibilidades de algumas empreitadas — tudo em volta se lhe (des)fazendo. O escritor, portanto, esteve variadas vezes à beira do abismo do fracasso, arriscando-se em prol da nação — e de si mesmo. As ideias que o levaram a essas situações-limite são o que nos chega acerca do escritor nos dias de hoje, embora envoltas em questionáveis (re)leituras, expressas principalmente pelas vias (in)diretas da sua literatura destinada ao público infantil.28

Essa antecipação de Lobato ao conceito de modernidade de Berman não é fato isolado. As ideias que ele tinha, por exemplo, acerca da nação, de regionalismos e da defesa do folclore nacional como forma de resistência encontram eco ainda nos dias de hoje, especialmente quando discutimos sobre globalização, trânsito entre culturas, apagamento de traços identitários nacionais ou regionais. É isto que abordamos nos próximos capítulos: o modo como esses conceitos articulam-se com o projeto de nação ideal de Lobato, como ela se configura e como essa configuração tem seus traços atenuados nas adaptações para outros suportes, relacionando esse apagamento com o contexto da pós-modernidade.

28É justamente o valor das suas obras destinadas a esse público que Sergio Milliet destaca, ao afirmar

que Lobato “passará pelo crivo das revisões impiedosas e ainda encontrará entusiasmos alucinados. Do barulho sairá para as antologias uma dúzia de contos modelares. E mais boa parte de sua literatura

infantil que só encontra paralelo nas grandes literaturas infantis internacionais” (MILLIET, apud

3 AS ANTECIPAÇÕES DE LOBATO

Lobato, como vimos no capítulo anterior, procurava, nas suas obras, desviar-se do nacionalismo ufanista, ao qual tecia duras críticas. Isso porque considerava que tal postura cegava para os diversos problemas do país, condenando-o à estagnação e ao atraso em relação às demais nações, especialmente aos Estados Unidos, país em que morou durante certo tempo e que tomava como exemplo de desenvolvimento. Classificava, inclusive, como falso patriota todo aquele que escondesse os problemas nacionais e que, segundo o que escreveu na obra O escândalo do petróleo, transmitisse às crianças “[...] a sórdida porcaria que recebeu de trás”29 (LOBATO, 1948,

p. 14). Percebemos, portanto, a consciência de que visões distorcidas e ufanistas acerca do Brasil, ao serem (re)transmitidas às crianças, teriam condições de se replicar, agindo em prol da manutenção do status quo. Além disso, o excerto também evidencia a leitura do cenário das produções literárias para o público infantil, com vistas ao didatismo, à época da enunciação30, interpretação que Lobato poderia realizar com

certa precisão, uma vez que falava do lugar de editor e de escritor. Fica implícita, dessa forma, que sua tarefa, na condição de escritor de obras infantis e juvenis, seria romper com esse ciclo de (re)produção de conteúdos ufanistas acerca do país. Essa esperança de rompimento pode ser traduzida nas seguintes palavras do autor: “A criança é a humanidade do amanhã. No dia em que isto se transformar num axioma — não dos repetidos decoradamente, mas dos sentidos no fundo da alma — a arte de educar as crianças passará a ser a mais intensa preocupação do homem”. (LOBATO apud CAMPOS, 1986, p. 124).

É notório o fato de que Monteiro Lobato, de certa forma, inaugura a produção literária voltada ao público infantil e juvenil no Brasil após o período em que se produziram algumas poucas obras de caráter nacionalista-ufanista, com franca inspiração nos modelos europeus. Acerca desse pioneirismo de Lobato, Cavalheiro (apud Ataíde, 1995, p. 33) assevera: “O aparecimento de Monteiro Lobato marca um começo feliz”. Sabemos que, antes dele, as obras lidas pelas crianças eram traduções

29 Essa expressão, “porcaria que recebeu de trás”, remete à perpetuação dos conteúdos ufanistas,

possibilitada, em grande parte, pelo uso de antigos materiais de leitura destinados às crianças.

ou imitações de produções europeias, marcadas pelo utilitarismo e pelo didatismo, com vistas à transmissão de lições moralistas e moralizantes de um código cultural no qual os pequenos leitores não estavam mergulhados. Além da falta de identificação resultante das disparidades culturais, o fato de ter objetivos que não os literários propriamente ditos tornava essas obras maçantes, de leitura árdua, desestimulando o hábito. A linguagem adotada, demasiadamente acadêmica, rigorosamente dentro dos padrões cultos, era outro elemento que se traduzia em desestímulo. O próprio Lobato, em conhecida carta datada de 1916 a seu amigo Godofredo Rangel, pontua essa necessidade de se produzir, no Brasil, obras literárias destinadas às crianças, como vemos no excerto de A barca de Gleyre:

Ando com várias ideias. Uma: vestir à nacional as velhas fabulas de Esopo e La Fontaine, tudo em prosa e mexendo com as moralidades. Coisa para crianças. Veio-me diante da atenção curiosa com que meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas de memória e vão recontá-las aos amigos — sem,entretanto, prestarem nenhuma atenção à moralidade, como é natural. A moralidade nos fica no subconsciente para ir se revelando mais tarde, à medida que progredimos em compreensão. Ora, um fabulário nosso, com os bichos daqui em vez dos exóticos, se for feito com arte e talento, dará coisa preciosa. As fábulas em português que eu conheço, em geral traduções de La Fontaine, são pequenas moitas de amora do mato — espinhentas e impenetráveis. Que é que nossas crianças podem ler? Não vejo nada. Fábulas assim seriam um começo da literatura que nos falta. Como um certo jeito para impingir gato por lebre, isto é, habilidade por talento, ando com ideia de iniciar a coisa. É de tal pobreza e tão besta a nossa literatura infantil, que nada acho para a iniciação de meus filhos. (LOBATO, 1959, p. 104)

O trecho citado evidencia o claro descontentamento do autor com as produções literárias destinadas às crianças até então. Esse descontentamento era proveniente tanto da linguagem utilizada — julgada por ele como “espinhenta e impenetrável” — quanto da falta de elementos ambientados na realidade em que estavam inseridos os leitores, quando menciona a necessidade de um “fabulário nosso, com os bichos daqui em vez dos exóticos”. Além dessas duas características, também é perceptível a preocupação estética, pois menciona a condição “se for feito com arte e talento”. Ainda podemos ver que Lobato se julga apto à conjugação dos três fatores, quando afirma que possui “jeito” e “habilidade por talento”. Aliando a observação doméstica ao seu

seu desejo de dedicar-se à produção de obras destinadas às crianças, como se observa no seguinte trecho:

Ando com ideias de entrar por esse caminho: livros para crianças. De escrever para marmanjos já me enjoei. Bichos sem graça. Mas para as crianças um livro é todo um mundo. Lembro-me de como vivi dentro do Robinson Crusoé do Laemmert. Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robinson e n’Os filhos do Capitão Grant (Idem, p. 292 e 293).

Como é saber corrente, o autor conseguiu alcançar plenamente seu intento. Sua obra veio suprir, em parte, os vazios deixados pelas produções literárias que lhe são anteriores. Por um lado, Lobato tinha por objetivo passar ensinamentos sobre diversos assuntos a partir de um viés também muitas vezes moralizante31; por outro, ele

acreditava que isso somente seria possível se feito a partir da própria perspectiva da criança e da fantasia, por meio de uma linguagem que as interessasse e que as convidasse a “morar na obra”. Conforme Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2007, p. 45):

Em 1921, Monteiro Lobato publica Narizinho Arrebitado [...] após ter se preocupado com a literatura infantil, conforme a correspondência trocada com Godofredo Rangel, com quem comenta a necessidade de se escreverem histórias para crianças numa linguagem que as interessasse32

A preocupação de Lobato, expressa na citação anterior, vinha na contramão do que se concebia como linguagem adequada para o trabalho em sala de aula, que elegia a língua portuguesa como símbolo pátrio intocável. Essa concepção era traduzida nas obras de autores como Olavo Bilac, Francisca Júlia e Coelho Neto. Devido a isso,

31 Em algumas passagens, as obras infantis lobatianas também resvalam, especialmente aos olhos do

leitor de hoje, para o didatismo e para a doutrinação político-ideológica, explicando, argumentando por meio de seus personagens. Isso se evidencia principalmente em obras como, por exemplo, Emília no

país da gramática e O poço do Visconde. Contemporaneamente, tal didatismo parece-nos sublinhado por

dois fatores, a saber: a) o modo como se configura a edição do ano de 2010, pela Editora Globo, que acrescentou paratextos a essas e outras obras, explicando termos e conceitos; b) as mudanças empreendidas no sistema educacional brasileiro desde a época da enunciação dessas obras — que eram evidentemente voltadas ao público escolar — até os dias de hoje. O que era novidade à época, atualmente, soa como excesso de didatismo.

32 Esclarecemos que, conforme lemos no quadro cronológico preparado por Lajolo para a obra Monteiro

Lobato: um brasileiro sob medida, em 1920 o autor lançou o álbum intitulado A menina do narizinho

arrebitado. Em 1921, há, portanto, uma reedição, alterando, inclusive, o título, quando “Lança Narizinho

arrebitado, com anúncios na imprensa e distribuição de 500 exemplares gratuitos para escolas” (LAJOLO,

segundo Vicente Ataíde, “Lobato despe a arte para crianças da literatice que a dominava” (LOBATO, 1995, p.33). O autor taubateano acreditava que a criança é um ser no qual o pensamento mágico predomina em absoluto, por isso o único modo de despertar o seu interesse seria falando-lhe à imaginação. Somando-se às questões da valorização da imaginação à necessidade de adequação à linguagem infantil impressa nas suas narrativas, instaura-se, nesse duplo papel, o seu caráter inovador e, por isso, distintivo.

A partir das aventuras ambientadas no Sítio do Picapau Amarelo, é possível constatar que Lobato deixa de lado a postura adultocêntrica que as obras destinadas ao público infantil apresentavam até então. No Sítio de Dona Benta, as crianças têm as rédeas de seus destinos em suas próprias mãos, resolvendo sozinhas os seus conflitos, ou com a ajuda de elementos mágicos, como, por exemplo, as ideias mirabolantes de uma boneca que fala, os conhecimentos de um boneco feito de sabugo de milho que também ganhou vida, o pó mágico que, no passe de um pirlimpimpim, pode transportá- las a lugares fabulosos, ou ainda as habilidades de um Saci que se tornou muito amigo. Imaginação e fantasia, desse modo, andam juntas na solução de conflitos, alicerçando uma postura emancipatória do leitor infantil.

Portanto, o aludido rompimento do ciclo de (re)produção de conteúdos ufanistas a respeito do Brasil e dos brasileiros nas obras infantis lobatianas não passa por um único caminho. Não se trataria, em um primeiro momento, no universo ficcional do Sítio do Picapau Amarelo, de simplesmente desnudar a nação aos olhos infantis, mas de vesti-la de outra forma. O Sítio traja-se, especialmente nas primeiras obras, como a grande metáfora da nação idealizada por Lobato, com as cores do regionalismo do Sudeste, explorando os saberes e as práticas populares que poderiam criar traços e laços identitários.

No entanto, no decorrer das publicações das obras que compõem esse universo ficcional, percebemos certa gradação na abstração e na metaforização dos conteúdos referentes ao conceito de nação idealizada e da relação com o Brasil. Em algumas obras, como em O poço do Visconde, há um discurso acerca da necessidade de “salvar o Brasil” de forma bastante direta. Já nas obras iniciais, como em Reinações de

em processos metafóricos, ou seja, o Sítio, nessas obras, sofre um processo de comparação com a nação de forma mais suave, sugerida, simbólica. Essa metaforização confere mais leveza e maior valor artístico a essas obras iniciais se comparadas às finais, muito mais panfletárias, nas quais as questões políticas e sociais às quais se referem não se insinuam: aparecem textualmente. No entanto, em certa medida, o que todas as obras têm em comum é fato de o Sítio também ser empregado em sentido metonímico, uma vez que assume as funções do Estado, substituindo-o.

Ao mesmo tempo em que se defendem os interesses nacionais com maior ou menor grau de transparência, essas obras são atravessadas por conteúdos das culturas europeia e norte-americana, incorporando tanto elementos de narrativas clássicas direcionadas ao público infantil quanto personagens da incipiente (à época) indústria cinematográfica hollywoodiana. Esse duplo movimento, de valorizar elementos específicos da cultura do Sudeste brasileiro e de incorporar a eles os elementos estrangeiros, vai na esteira do que era o pensamento do cidadão Monteiro Lobato acerca das estratégias para desenvolver o país, como lemos no seguinte excerto de O

escândalo do petróleo:

Não sou chauvinista, nem inimigo da técnica e das empresas estrangeiras. Reconheço a nossa absoluta incapacidade de fazer qualquer coisa sem recurso ao estrangeiro, à ciência estrangeira, à técnica estrangeira, à experiência estrangeira, ao capital estrangeiro, ao material estrangeiro. Tenho olhos para ver que tudo quanto apresentamos de progresso vem da colaboração estrangeira. E nesse caso do petróleo nada faremos de positivo se teimarmos em afastar do estrangeiro e ficarmos a mexer na terra com nossas colheres de pau. (LOBATO, 1957, p. 108).

Essa consciência da necessidade de incorporar do estrangeiro o que for necessário para o desenvolvimento do país, aliada à preocupação de não o descaracterizar, de certo modo, antecipa, já no início do século passado, conteúdos que estão no centro dos estudos culturais, nos debates contemporâneos acerca da globalização e da elasticidade das fronteiras e do apagamento de traços identitários nacionais e regionais. Por outro lado, a preocupação de Lobato não residia apenas nas questões culturais e identitárias, mas também, antes disso, situava-se claramente no plano econômico. É o que evidenciam as palavras do autor na continuação do excerto anteriormente citado:

Mas estou convencido de que os trusts estrangeiros de petróleo querem manter- nos em escravidão petrolífera, e em consequência agem cá de mil maneiras para acaparar as boas estruturas com o único fim de pô-las fora do alcance da exploração. Desconfio, pois, sistematicamente, de todas as entidades estrangeiras que se metem em petróleo no Brasil, já que a intenção confessada não é tirá-lo, mas impedir que o tiremos. Acho, entretanto, que do seu ponto de