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R EFLEXÕES DE UM PROFESSOR APRENDIZ ( A PESQUISA DE CAMPO )

6.1. A M INHA A LDEIA 9 : EEFM J ARDIM D O É DEN

O texto abaixo pode parecer ficção ou exagero, mas expressa o desabafo de um professor à beira de um ataque de nervos. Relata o primeiro dia de aula do período letivo de 2005 na EEFM Jardim do Éden. Uma escola situada na periferia de Fortaleza, mas que bem poderia estar localizada em muitos outros bairros e cidades.

Primeiro dia de aula ou, pelo menos, deveria ser. Aliás, já estamos com uma semana de atraso segundo o calendário proposto (ou seria melhor dizer imposto) pela Seduc. A escola estava um caos, como um navio totalmente à deriva, sem capitão e sem salva-vidas. Muitos alunos, alunas, mães, querendo saber se as aulas já iriam começar.

Na sala dos professores pairava um clima de desorientação, de confusão. Não sabíamos o que fazer. Ficamos esperando que a diretora da Escola-Sede10 aparecesse

e nos desse pelo menos uma noção do que realmente estava acontecendo na escola e respondesse nossas perguntas, como: A escola já tem um diretor definido? Quando é que o restante das cadeiras (carteiras) vai chegar? Vamos começar logo as aulas ou esperar até que chegue o pessoal do Núcleo Gestor?

Os alunos, talvez por perceber o caos na escola, estavam cada vez mais agitados. Houve até explosão de duas bombas “rasga-lata” no pátio da escola. Era uma “gritaria” nos corredores da escola... (28/02/2005).

9 Utilizo a expressão “minha aldeia” para me referir à EEFM Jardim do Éden, remetendo ao fato de que esse é

um estudo de caso específico, mas que permite que o leitor faça generalizações naturalísticas (ANDRÉ, 1998, p. 57). Como falou Alberto Caeiro (heterônimo do poeta português Fernando Pessoa): “De minha aldeia vejo o quanto da Terra se pode ver do Universo. Por isso a minha aldeia e tão grande como outra terra qualquer. (O Guardador de Rebanhos).

10 Usarei a expressão Escola-Sede para me referir à escola da qual a EEFM Jardim do Éden era um anexo até

A Escola Jardim do Éden, da rede estadual de ensino, está localizada no bairro Henrique Jorge, na periferia da cidade de Fortaleza. Foi criada como Anexo11 de uma antiga escola situada no mesmo bairro, no ano de 2003. Desde o início, a procura por vagas foi grande (como podemos ver no Quadro 9) e, no início do ano de 2005, quando realizou 1709 matrículas, ganhou sua autonomia, permanecendo, porém, no mesmo prédio alugado pelo governo estadual.

Quadro 9: Quantidade de turmas e alunos por série da EEFM Jardim do Éden – 2005

Série Turmas Manhã Alunos Turmas Tarde Alunos Turmas Noite Alunos Turmas Total Alunos

5ª EF 03 102 03 102 6ª EF 05 167 05 167 7ª EF 01 42 07 201 08 243 8ª EF 05 190 05 190 1º EM 04 110 04 92 02 103 10 305 2º EM 02 83 02 83 EJA III 01 42 04 131 05 173 EJA IV 01 43 03 124 04 167 TAM 01 34 05 245 06 279 TOTAL 16 540 16 483 16 686 48 1709

Fonte: Secretaria da EEFM Jardim do Éden

A escola, desde sua criação como Anexo, convivia com sérios problemas de estrutura física, como: falta de uma biblioteca e de um laboratório de informática, corredores entre as salas de aula muito estreitos. A infraestrutura e as condições precárias dificultavam o trabalho dos professores.

Durante o início do ano letivo de 2005 a escola ainda não tinha um Núcleo Gestor definido, pois deixou de ser Anexo após as eleições para Diretor, que aconteceram no final de 2004. Enquanto aguardávamos as definições da Seduc, o Núcleo Gestor da ex-escola-sede se esforçava para manter o controle na escola.

No dia 11 de março de 2005 fomos comunicados sobre a indicação do Diretor pela Seduc, que nos foi apresentado em uma reunião no dia 15 de março. Nesse encontro, apresentamos ao Diretor os problemas mais urgentes que a escola vinha sofrendo e solicitamos encaminhamento dos mesmos para providências:

11 “Anexo” é uma escola não-patrimonial, criada geralmente para atender uma demanda reprimida, não suprida

pelas escolas patrimoniais da região. Tem caráter imediato e temporário. Para maior aprofundamento sobre a problemática dos Anexos, sugiro a leitura do trabalho O homem e a conquista dos espaços: o que os alunos e os professores fazem, sentem e aprendem na escola (BARGUIL, 2006).

[Na primeira reunião com o novo Diretor da escola] Foram levantadas questões sobre a precariedade das instalações da escola, sobre a falta de material de trabalho, sobre a desorganização do horário, sobre a falta de carteiras para os alunos, sobre a falta de espaço adequado para as aulas de Educação Física, sobre a escassez de funcionários dos serviços gerais, a falta de um porteiro, etc. O Diretor anotou as questões levantadas e se comprometeu a fazer o possível para saná-las. (15/03/2005) A comunicação entre o novo Núcleo Gestor e o coletivo dos professores, essencial para o desenvolvimento de um trabalho integrado, começou de forma truncada, deixando um clima de tensão nas relações:

Logo os outros professores e professoras chegaram e teve início um breve período de conversas brincalhonas, mas ainda carregadas pelo clima tenso pelo qual a escola está passando, por causa da chegada da nova direção. (22/03/2005).

Vi pela primeira vez a nossa “possível nova coordenadora”, mas não falei com ela porque não fomos apresentados e achei sua atitude pouco amigável. (23/03/2005). O problema de faltas excessivas de alguns professores prejudicava o desenvolvimento de um ensino e uma aprendizagem de qualidade:

Faltaram três professoras e um professor do ensino fundamental, conseqüentemente, algumas professoras tiveram que “subir aula” e oito turmas foram liberadas mais cedo. O problema de falta de professores (apesar dos motivos que cada um deve ter) está se tornando sério. (16/03/2005)

Hoje meu planejamento foi totalmente por água abaixo! (...) Motivo principal: hoje faltou quase a metade dos professores(as) do ensino fundamental. Praticamente todos os professores que estavam na escola tiveram que “subir aula”, ficando com duas turmas ao mesmo tempo e a escola ficou muito difícil de ser controlada. (17/03/2005).

Foi nesse contexto de mudanças e incertezas, em que a escola estava praticamente se recriando, que a pesquisa de campo foi realizada.

6.2.REFLEXÕES SOBRE AS REFLEXÕES DE UM PROFESSOR APRENDIZ: ANÁLISE DO QUE VI, VIVI E