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R EFLEXÕES DE UM PROFESSOR APRENDIZ ( A PESQUISA DE CAMPO )

6.2. R EFLEXÕES SOBRE AS REFLEXÕES DE UM PROFESSOR APRENDIZ : ANÁLISE DO QUE VI , VIVI E SENTI NO DIA A DIA ESCOLA

6.4.7. Evidência da interdisciplinaridade no meio pedagógico

Questionados sobre as causas da atual evidência do tema interdisciplinaridade nos debates educacionais, a maioria dos docentes apontou para as demandas trazidas pelos novos paradigmas (econômicos, principalmente).

Fonte: Entrevistas.

As causas apontadas foram agrupadas em quatro categorias: novas necessidades e paradigmas trazidos pela globalização, busca de melhorias na aprendizagem, a novidade e sobrecarga de trabalho (ver Quadro 9).

Novas necessidades e paradigmas trazidos pela globalização

A maioria dos docentes apontou para as demandas trazidas pelos novos paradigmas decorrentes da globalização:

Eu entendo interdisciplinaridade, é... como uma coisa da globalização, em primeiro lugar; do processo de globalização, onde você precisa realmente estar integrado com tudo no mundo,não é? Daí você tem a necessidade de, dentro de uma aula de Matemática, por exemplo (você é professor de Matemática), você estar mostrando a aplicabilidade da Matemática numa coisa que você poderia pensar “não tem nada a ver”, mas tem, o Português, mas tem, porque se você não souber ler o problema ou você não sabe... é... resolver, não é verdade, Se você não sabe ler. Você tem que estar mostrando que ta aplicada a Matemática na História, na Geografia e tudo o mais. (Violeta).

Talvez seja devido a essa questão de globalização, de... Talvez venha até de Internet... Eu não... Eu não sei lhe dizer o porquê, né? Mas eu acredito que seja um passeio,não só pelas disciplinas curriculares, mas um passeio pelas sociedades de um modo geral, né? A interligação... ou essa proposta de... de... Como é que se diz? Mundial mesmo, econômica, capitalista, eu não sei! Não sei lhe dizer. (Rosa). Transparece nas respostas a preocupação com a necessidade da escola acompanhar o ritmo das mudanças a fim de preparar o aluno para viver nesse “novo mundo”. Isso é muito bem ilustrado pela preocupação de Gardênia e de Margarida:

Eu me preocupo muito com isso: nós estamos preparando nossos alunos? Aqui a gente vê que nesse século XXI a gente trabalha mais com a parte da tecnologia. Ou então é mais com informação, né? Aí a gente ta... a gente não tem que ser bom, a gente tem que ser o melhor. Que a educação, ela exige da economia, a economia ta exigindo da educação, o tempo todo. Então, a gente tem que dar qualidade. Por exemplo, eu não posso mais chegar dentro de uma sala de aula e ser aquele professor tradicional, que só dita normas, porque meu aluno não vai ter interesse em mim. (Gardênia).

A própria exigência, do mercado, mesmo. O fenômeno da “globalização” cobra do homem um conhecimento universal. Ele precisa atuar de forma diferente do que ele fazia antes. Ele não pode ser somente um profissional com uma função singular, ele precisa compreender o universo em que ele atua. Então, se ele não tiver outro conhecimento, e se ele não aplicar esse conhecimento em várias áreas, ele não consegue (...). E nós educadores temos essa responsabilidade. Até para o nosso próprio trabalho ter sucesso: nos facilita muito trabalhar assim. (Margarida).

A demanda por profissionais que tenham um conhecimento global e generalizado, ao invés de especializado e limitado, tem colocado a interdisciplinaridade na “pauta do dia” nas reflexões sobre o papel social da escola:

Wagner, é o seguinte: ...(Falha de gravação)... Entra muito na questão da globalização, e a globalização, também ela passa no campo da educação. Globalizar o conhecimento, né. Já que a... é... É uma visão, uma visão do todo. Se você não se aprofundar, mas que a pessoa tenha, não perca de vista as outras... os outros conhecimentos das outras áreas. Por exemplo, a área de Ciências, a Matemática, a Geografia com o Português, a História com a Matemática e a Geografia e o Português, não é? Não perder de vista essa... essa... Como é que se diz?

Totalidade?

Exatamente! Como eu te falei, a questão da globalização do conhecimento. Que nós não podemos ficar alienados, hoje a gente tem que de tudo saber um pouco, não é verdade? De tudo, um pouco. Então uma década pra trás aí, um tempo aí atrás,

alguns anos atrás, você tinha que ser muito bom naquilo que você faz só naquilo. Hoje, você vê que você tem que saber diversas coisas, porque o mercado, o momento, ele requer isso das pessoas: que você saiba alguma coisa. Se você for participar duma entrevista profissional, você tem que estar sabendo do mundo. De alguma forma você tem que estar com uma visão do momento, do que está se passando, aqui e no mundo. Aqui e lá fora. Então é uma globalização. (Dália). Busca de melhorias na aprendizagem

Em segundo lugar vêm as causas que demonstram preocupação com a melhoria na qualidade do ensino e da aprendizagem. A interdisciplinaridade pode ter emergido como um alerta para denunciar o descompasso entre a escola e a realidade na qual ela está inserida:

Eu acho que... o termo interdisciplinaridade talvez tenha surgido da própria crise que a escola vive, (né),de não estar atingindo os seu objetivos, desempenhando o seu papel. Que é de formar esse aluno (né), integral, prepará-lo pros desafios do mundo moderno, com valores. (Rosa).

A união das disciplinas, proporcionada pela interdisciplinaridade, é essencial para o desenvolvimento da aprendizagem:

Quando se fala em emergência em relação a esse tema, eu acho que é importante, porque é como eu já te disse antes: as disciplinas, elas podem se unir, pra quê? Pra trazer novas informações pros alunos, pra desenvolver... Então eu acho que isso é um assunto primordial pro educador. (Acácia).

Eu... e... eu... Não sei. Porque eu acho que nessa parte assim, que tem os treinamentos, eu sei que vem a verba, eles têm que repassar, mas, de uma certa forma eles estão preocupados também, né? Eles estão preocupados na qualidade do ensino, não é Wagner? E sendo o ensino... o ensino público... entrando a interdisciplinaridade, em todas as disciplinas você trabalhar, né, com o mesmo objetivo. Não só em História... Eu não posso trabalhar só Matemática, eu tenho que trabalhar na Matemática, posso entrar no Português, na História, na Geografia, né? Isso requer... Isso, que eu acho que o aluno vai aprender mais, né? Ele não vai ficar bitolado só naquilo. (Hortência).

Rosa encontra uma ligação entre interdisciplinaridade e outro tema também em grande evidência atualmente, a transposição didática:

Eu acho que deve... Talvez esteja muito ligado com a questão da “transposição didática”, que também é um termo que ta sendo muito falado hoje em dia, “transposição didática”. Eu acho que é isso: interdisciplinaridade tem essa relação com transposição didática. Você trabalhar várias formas, porque, se o aluno não pega de uma maneira... Até porque os alunos captam de uma maneira diferente, né, a informação? De repente um pode um pode entender os conteúdos que você apresenta dessa forma, outro já não entendeu, mas, se você apresenta de uma maneira diferente, ele já... Daí a necessidade de você diversificar. (Rosa).

Para Magnólia, a interdisciplinaridade tem ligação até com a questão da indisciplina, que tem se tornado um problema sério na escola:

Tem Wagner. Eu não sei... Eu acredito que possa ser até a questão da... da indisciplina na escola, né? Dessas agressividades. Eu acredito que haja uma preocupação, uma deficiência, no aprendizado, né? O aluno ficar mais... né... assim...Sei lá! Eu acredito que seja uma... ou questão de disciplina: o aluno precisa saber que ele está ali pra aprender não só a Matemática, não só o Português. Ele tem que saber que existe as demais, os demais outros conteúdos, que ele tem que por em prática, e que tudo isso leva com que ele seja uma pessoa, um cidadão atuante em outras coisas... em outras partes da vida. E em tudo entra a interdisciplinaridade (né?) e a questão do aprendizado mesmo. Eu acredito que seja isso, não é não? (Magnólia).

A novidade

Para duas entrevistadas, a questão da “novidade”, da agitação diante de novos temas, também pode justificar a grande frequência da interdisciplinaridade no meio educacional. Hortência, baseada em sua experiência na escola pública, cita o caso de ideias transplantadas de outros estados de forma superficial:

Pois, é isso, como vou dizer aqui: eles trazem a ideia de outro estado, aí lança aqui. Aí vem a verba. É por isso. Aí lança aqueles cursos pra gente, que o estado recebe o dinheiro e tem que repassar, ta entendendo? (Hortência).

Sobrecarga de trabalho para o professor

Na opinião de Jacinto, a interdisciplinaridade é apenas mais uma forma de aumentar a carga de trabalho do professor, que, em sua opinião, já é muito grande:

Deve ser o Secretário da Educação querendo que o professor trabalhe mais. Porque, na verdade, cada um tem que ter sua matéria específica, ensinar sua matéria específica, e os outros que “podem” ensinar isso aí, ensinem, façam alguma coisa. Mas quem não pode, não pode. Não dá pra encaixar. Não dá pra encaixar, não encaixa. Matemática: não dá pra encaixar. Ciências: dá. Português: dá. Mas tem muitas matérias que não dá pra encaixar não. Inglês, como é que vai encaixar? Então tem matérias que não dá pra encaixar não. E, o que ta por trás disso é a Seduc. Querendo encher mais a... a pessoa de trabalho, mais trabalho, que a gente já tem demais! Sem futuro isso aí! (Jacinto).

A evidência da interdisciplinaridade nos debates pedagógicos atuais é interpretada, sobretudo, como fruto das demandas do mundo globalizado, onde tudo e todos estão interligados, ou seja, um mundo cujos problemas não podem ser compreendidos por especialistas e disciplinas isolados. É vista também como uma denúncia contra a patologia do saber na escola e uma proposta de alternativa para reverter esse quadro, possibilitando uma melhoria na aprendizagem.

Essa efervescência em torno da interdisciplinaridade seria apenas mais um modismo pedagógico ou prenúncio de mudanças para a educação?