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Como um agente de mudança. Não aquele formador de opiniões, mas um “facilitador” de aprendizagem. O professor é um “facilitador”, ele é um agente de mudança. Ele não é “dador de aulas”.

Margarida, outra coisa também que me chamou a atenção é essa “crise da escola”. Desde que eu entrei...

Desde que eu entrei no magistério, em 1979... (risos) que eu ouço colegas (né): “Ah, você ta entrando agora, já foi pior!” Mas eu acho assim: a crise na escola ela começa no próprio professor. Dele não se acomodar, dele buscar, dele lutar pelos seus direitos enquanto cidadão e enquanto facilitador da aprendizagem. Então a escola... Essa crise faz parte do processo de mudança. Tudo que é parado, que não há... que não tem conflito, então merece uma reflexão, né? A mudança exige o conflito. É uma consequência do conflito.

Então, deixa ver se eu entendi, na hora de interpretar: então você disse que, em relação à crise, a causa primordial é o educador, o professor, né?

É a inquietação do educador, a inquietação da sociedade: começa a perceber a crise, porque ela existe; mas o que fazer pra superar essa crise?

É o caso, Margarida, daquela afirmação que a gente ouve muito: “Ih, esses meninos não querem nada!

Querer ele quer, agora ele não sabe ainda buscar, o que quer. Mas ele quer. Não existe um ser que não queira nada. Ele quer, ele não sabe é buscar. Ele não sabe recorrer ao meio correto pra atingir o sucesso que ele pretende, mas ele quer?

Agora, entrando mais diretamente no tema da interdisciplinaridade. Quando foi que você lembra de ter começado a ouvir falar sobre esse tema, sobre essa questão da interdisciplinaridade, na escola pública?

A partir da década de 80... de 90. Porque até 80, a década de 80, ainda era aquela escola moldada pela ditadura, né? Nós recebíamos tudo organizado pelos técnicos, o professor dificilmente tinha voz para gritar seus anseios. Então, a partir da década de 90, começou-se a trabalhar a interdisciplinaridade, muito timidamente, mas começou. A partir de 99, os treinamentos para professores começaram a cobrar mais isso e o próprio educador começou a cobrar. Esse próprio trabalho. Ainda temos colegas que são muito resistentes, porque a mudança, ela exige trabalho. Infelizmente em todas as áreas nós temos profissionais estáticos, que não querem sair do lugar, que não aceitam mudar, porque dá trabalho! Tem outros que encontram, encontram muitas barreiras pelas suas ideias. Passam até a ser “chatos” (né) perante os outros. Mas ainda tem muita gente que acredita que o trabalho, dessa forma, rende mais.

Mas, você considera... porque eu falei agora com você sobre a palavra, “interdisciplinaridade”. Que agente viu, como você falou, que é uma coisa recente, quer dizer, esse debate mais intenso...

Porque ainda há uma dúvida, por muitos profissionais, o que significa realmente a interdisciplinaridade. Alguns acham que é, por exemplo, eu estou dando uma aula... um texto: “Ah, mas fala em números: aqui tem Matemática!”. Não é isso. Isso não é trabalhar com a interdisciplinaridade. É você trazer o conhecimento para todas as áreas do conhe... do conhecimento formal e organizado, e fazer com que o aluno compreenda a necessidade desse conhecimento: onde ele vai atuar, pra quê, e o que vai facilitar na sua vida. Então, trabalhar de uma forma conjunta, não separada. Só porque há um número no texto não quer dizer que você está trabalhando Matemática. Você tem que organizar o pensamento.

Outra coisa: Então a gente falou assim da palavra, da evidência, atualmente, e eu queria também que você fizesse uma análise, também baseada na sua experiência, do porquê, de por que essa palavra estar sendo tão evidenciada, atualmente, na educação? Palestras, livros, encontros, qual seria assim o porquê?

A própria exigência, do mercado, mesmo. O fenômeno da “globalização” cobra do homem um conhecimento universal. Ele precisa atuar de forma diferente do que ele fazia antes. Ele não pode ser somente um profissional com uma função singular, ele precisa compreender o universo em que ele atua. Então, se ele não tiver outro conhecimento, e se ele não aplicar esse conhecimento em várias áreas, ele não consegue (...). E nós educadores temos essa responsabilidade. Até para o nosso próprio trabalho ter sucesso: nos facilita muito trabalhar assim. Né?

Quais são assim os benefícios que você vê que esse tipo de trabalho interdisciplinar ele pode trazer pro professor, aluno, escola?

Desperta até o interesse do aluno pelas aulas. Eles têm mais um interesse, onde ele tem liberdade para discutir vários assuntos, que estão relacionados àquela aula. Ele não tá fugindo da aula nem ele não ta matando o conteúdo da aula. Ele está apenas compreendendo que aquele conhecimento organizado, que ele está recebendo naquele momento, ele pode ampliar em outras áreas. Então ele percebe isso, ele discute isso.

Você falou também que ainda há muita dificuldade, muitas vezes até resistência, devido à falta de conhecimento...

Eu tenho um colega, que ele é muito resistente. Inclusive ele é um professor de Matemática que é daqueles radicais às nuvens. “Ah, na minha aula eu não admito outro tipo de debate que não seja o cálculo que eu estou aplicando, porque lá fora ele [o aluno] vai ter que ter domínio é naquilo. Não me interessa ele saber, por exemplo, uma raiz quadrada eu vou utilizar o conhecimento a, b ou c, na área a, b ou c no mercado de trabalho, se eu... a prova que eu vou cobrar é aquilo ali”. Ele é muito resistente! Ele está com 30 anos de trabalho no magistério, não muda porque ele diz que ama a profissão, agora eu não sei como ele consegue ainda prender a atenção dos alunos só preso àquele roteiro, metódico, sistemático, ali. É um profissional muito competente, domina o conteúdo específico dele, mas na aceita mudança. E que características você apontaria que a gente professor precisa desenvolver pra começar a ter essa visão mais interdisciplinar?

Ter a humildade de ter consciência que o professor é um aprendiz. Né? Nós só conseguimos trabalhar a aprendizagem bem se a gente tiver a consciência que nós não sabemos tudo. Nós precisamos buscar todo dia um novo saber. Ninguém sabe tudo. Apenas você tem, conquistou um direito, formal, pra lecionar. Você está no magistério. Você “prestou” um exame que lhe dá direito, que lhe prova que você tem conhecimento daquele trabalho, pra aquela função, não que você domina todo o conteúdo de Matemática de forma universal, de História, de Geografia. Por aí vai. Nós temos, todo dia nós temos que adquirir um novo conhecimento. Porque os alunos estão à nossa frente. A Internet taí, e é mais rápida que um livro. Infelizmente nossa juventude ela não lê, ela está na tela dum computador. E às vezes ele consegue passar à nossa frente em informação. Às vezes ele consegue, só que ele não desperta pra aquilo, mas ele consegue.

(Pausa na gravação, para fazer um comentário off-line).

(A entrevistada continua falando com relação à falta de leitura dos alunos). (...) Não faz mais parte do tempo deles. A juventude agora, com essa idade de 14 a18 anos, não tem interesse pra ler um clássico de José de Alencar, porque não foi espertada pra ler de uma outra forma, né? E nem conhece. Um clássico de Machado de Assis, ele não conhece. Pra ele aquela leitura é mecânica, é chata, mas ele não conhece. E aqueles textos poderiam ser utilizados na aula de uma forma mais dinâmica, que ele consiga viajar por esses livros. Essas leituras clássicas que pra nós no passado nos passaram de uma forma, nós não podemos continuar passando da

mesma forma pra eles. Eles não têm interesse. Porque, na época em que eu fiz a minha pós- graduação, que eu defendi o trabalho do vídeo em sala de aula, um trabalho até com atividade de leitura, eu entrevistei 68 estudantes de uma turma de 8ª série, depois eu acho que 40 alunos da 7ª série. Quem desses alunos lia um livro, um clássico da literatura brasileira? Nem um! Nenhum. Só quando o professor exigia pra nota (...) Agora, quem tem Internet? Quem tem acesso à Internet? Setenta por cento da turma. Não tem computador em casa, mas eles têm acesso.

Nas lan house, né, que eles pagam por hora? É. Eles têm acesso.Ao livro, não.

Então você acha que... Você falou da humildade, né que o professor precisa ter. E, teria outra característica, mais alguma que você acha importante Que ele tenha ou que ele precise desenvolver?

A percepção também. Perceber o que está naquele momento, de interesse ao aluno, à sociedade e à escola. E não o meu interesse enquanto profissional. Eu não estou defendendo ali a minha política, eu estou defendendo o quê? O interesse do aluno. Então eu preciso ta de encontro o interesse dele. Não é só o meu. Às vezes você trabalha, por exemplo, três turmas de 8ª série. Uma sala, ela é bem flexível pra trabalhar, outra é muito difícil, em outra você consegue tudo. Nem todo o material didático que você aplica numa sala você consegue aplicar nas três. É difícil! E às vezes você fica: “Meu Deus, o que é que eu fiz? O que é que ta errado?” Eu não vou atender a todos, depende do nível de interesse, da clientela que eu estou atendendo.

Aí entra a percepção, como você falou?

E também organização das bibliotecas das escolas. Também, né? Você veja bem, você entra numa sala, numa biblioteca: o que é que ela tem pra ofertar de leitura? Um material periódico que interesse, essas revistas atuais que eles gostam, né? Não tem, na biblioteca, eles não têm acesso. É o mundo deles, que eles precisam encontra lá: livros, que falem de rock, de música que eles gostam, que falam do skate, que eles gostam... Eles precisam! E o que é que se encontra: é a geração do século passado. Então eles questionam muito isso. O próprio aluno diz: “Tia, eu vou pra biblioteca ler o quê?” Lá não tem nada que ele tenha interesse pra ler. Pra quem tem alergia, né, é até perigoso!(Risos)

Aí chega o assunto: a interdisciplinaridade entra onde? Não é só na sala de aula e no professor. A própria biblioteca precisa ter esse acervo. Não tem.

Que seriam as condições concretas, né? É. Não tem.

Você já participou, pode ser nessa ou noutra escola, ou durante algum curso, faculdade, de alguma experiência interdisciplinar, que você pudesse descrever? Algum projeto... Eu participei como voluntária ra testar um material do setor dos economistas domésticos da UFC, que eles trabalharam com alguns professores voluntários de escolas públicas, que foi um manual que eles trabalharam “Lixo, Problemas e Soluços”. Foi antes do governador do Estado lançar o Projeto Sanear. Era pra prepara o Sanear.

Foi no Governo Ciro? Era na... na...

Gonzaga Mota, Tasso?

Tasso Jereissati e Ciro Gomes. Então, quem organizou esse trabalho foi a Dra. Clarice Ferreira Gomes, do Centro de Economia Doméstica da UFC. Então nós trabalhamos três meses com esse material, tratando da questão do lixo e envolvendo toadas as áreas do conhecimento da escola: Artes, Religião, Matemática, História, Geografia, Língua Portuguesa. Então nós trabalhamos três meses assessorados por esse pessoal. Foi um trabalho belíssimo, mas que não caminhou. Porque não havia... não havia na época vontade política pra manter o projeto. Foi um projeto muito bom.

Mas, como foi assim a recepção nas escolas? Porque vocês foram pras escolas, né?

No início foi um... É, da própria escola em que você trabalhava. A começar pela própria escola. No início foi um choque, uma resistência muito grande. Mas depois nós conseguimos algumas ajudas da comunidade e conquistamos a própria escola ra trabalhar. Foi muito bom, mas não houve apoio financeiro pra manter o projeto, o projeto morreu.

Sim. Então, você participou desse projeto, teve o problema da falta de continuidade... Falta de continuidade e patrocínio, patrocínio para o projeto.

E, na escola, de acordo com sua observação, nas escolas em que você já trabalhou, nas