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I NTERDISCIPLINARIDADE : Q UESTÕES T EÓRICAS

4.3. C ONTRIBUIÇÕES DA INTERDISCIPLINARIDADE

Os argumentos que Ivani Fazenda, uma das pioneiras no Brasil em estudos sobre a problemática da interdisciplinaridade e sua aplicação no ensino e na pesquisa, apresenta em seu primeiro livro sobre o tema (FAZENDA, 1979), continuam atuais e serão citados e ampliados no presente trabalho. Para essa autora, a interdisciplinaridade é necessária e útil porque possibilita uma melhor formação geral e profissional, incentiva a formação de pesquisadores e de pesquisas, cria condições para uma educação permanente, contribui para a superação da dicotomia ensino-pesquisa e capacita o aluno para compreender e modificar o mundo.

4.3.1. Proporciona uma melhor formação geral

O mundo atual, caracterizado pela complexidade, passa a exigir o desenvolvimento de uma visão complexa da realidade somente possível através de uma formação também complexa. As reformas curriculares em andamento no Brasil ressaltam a necessidade de se avançar rumo a esta concepção. A atual reforma do ensino médio, por exemplo, procura agrupar em uma mesma modalidade de ensino objetivos que antes eram distintos nas diversas formas de ensino médio, ao prescrever um currículo que contemple o homem “em sua plenitude, necessitando, portanto, desenvolvê-lo em suas dimensões cognitiva, afetiva e psicomotora” (BRASIL, 1998, p. 6).

Para que essa formação geral seja concretizada, faz-se necessário o diálogo entre as várias disciplinas, pois só assim “a verdade de cada disciplina” será substituída pela “verdade do homem enquanto ser humano” (FAZENDA, 1979, p. 42).

A interdisciplinaridade possibilita esse diálogo, pois, não apregoando a guerra entre as especialidades nem a extinção das mesmas, leva o especialista a reconhecer os limites de sua área de atuação e a procurar parcerias com outras especialidades, com o intuito de ampliar sua visão de mundo. Para Santomé (1998), desde os primeiros níveis de escolaridade devem ser oferecidos às crianças novos referenciais que as capacitem para um pensar interdisciplinar, identificando a existência de problemas na organização e gestão de nosso planeta que só podem ser entendidos e enfrentados articulando-se diferentes pontos de vista e informações.

4.3.2. Meio de atingir uma formação profissional flexível

Na perspectiva da Lei nº 9.394/96, a educação deve vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. Em outras palavras: a educação não pode ignorar as transformações que estão acontecendo no mundo do trabalho e nas relações sociais.

Diante de tantas mudanças vertiginosas na tecnologia, na ciência, nas formas de produção e nas relações trabalhistas, criando e extinguindo rapidamente produtos e profissões, torna-se patente que não existe mais lugar para o profissional acomodado. Pelo contrário, o trabalhador precisa se preparar para exercer várias profissões durante sua vida.

As características exigidas pelo mercado de trabalho mudaram muito: “disciplina, obediência, respeito às regras estabelecidas, condições até então necessárias para a inclusão social, via profissionalização, perdem a relevância, face às novas exigências colocadas pelo

desenvolvimento tecnológico e social” (BRASIL, 1997, p.12). Para desenvolver essas novas características tornam-se necessárias as contribuições de diversas disciplinas, de forma cooperativa e coordenada.

4.3.3. Garante condições para uma educação permanente

As mudanças no trabalho, na cultura, nas relações sociais colocam diante do homem um grande desafio: assumir-se como eterno aprendiz. As novas tecnologias, as infovias, a proliferação da ofertas de cursos à distância, a “campanha contra a exclusão informática”, a possibilidade crescente de acesso rápido e cada vez menos dispendioso a informações, que a Internet tem proporcionado, colocam diante de nós a possibilidade de uma educação permanente, de acordo com necessidades e possibilidades individuais e coletivas.

Estes novos “meios”, porém, foram criados como consequência do novo paradigma emergente, holístico, e não podem ser compreendidos nem utilizados através de conceitos baseados em uma educação no modelo disciplinar.

A atitude interdisciplinar cria condições para a educação permanente porque implica, entre outras coisas, na adoção de uma postura constante de humildade diante do conhecimento, reconhecendo-o, assim como o próprio ser humano, como algo em processo, ainda não acabado (ARNT, 2002, p. 74). Possibilita também a abertura despreconceituosa ao novo, ao diferente, ao desconhecido.

4.3.4. Superação da dicotomia ensino-pesquisa

Com a supremacia do paradigma positivista, disciplinar, muitas dicotomias se instalaram na educação, como: análise-síntese, teoria-prática, pedagogia-epistemologia, ensino-pesquisa, ciência-vida, homem-natureza. Passou-se a ver aspectos diferentes como partes desconectadas e não como complementares e interdependentes. A educação ficou dividida em ensino e pesquisa, categorias que passaram a ser vistas como mutuamente excludentes, dividindo os educadores em “especialistas em pesquisa que não sabem ensinar” e “especialistas em ensino que não sabem pesquisar”. Como consequência da fragmentação, criou-se também uma hierarquia onde o pesquisador é muito mais valorizado do que o professor, aumentando ainda mais a polarização ensino-pesquisa.

Hoje, a nova visão complexa, sistêmica, trazida pelo paradigma emergente e pelas mudanças gerais da Sociedade da Informação exige a busca de uma visão unificadora, pois

considera todas as categorias existentes como relacionadas entre si, seja por atração, repulsão, consenso ou contradição. Para Lück (2000, p. 53), a superação da mentalidade que separa a pesquisa e o ensino, ou seja, o “ensinar” e a “produção de conhecimentos científicos” constitui-se “na pedra angular para a orientação e superação de todas as demais dicotomias”.

O enfoque interdisciplinar contribui para a superação da dicotomia ensino- pesquisa, porque, ao considerar que “a pesquisa constitui a única forma possível de aprendizagem” (FAZENDA, 1979, p. 46), elimina essa dualidade.

4.3.5. Incentiva à formação de pesquisadores e de pesquisas

As situações cada vez mais complexas de nosso tempo, que nenhuma das disciplinas isoladas pode abranger, têm levado a sociedade a pressionar as instituições escolares, principalmente as universidades, à realização de novas pesquisas integradas. A sociedade exige um novo tipo de pesquisador, despojado da visão dualista pesquisa teórica- pesquisa prática em favor de um tipo que Japiassú (1976, p. 87) chama de “pesquisa orientada”.

As reformas curriculares mais recentes têm enfatizado a importância da formação geral (e não somente a específica) do desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las. O enfoque interdisciplinar, além de tornar possível o diálogo entre as disciplinas, “favorece a inter-relação dos diferentes campos do conhecimento, propiciando a pesquisa e a solução de problemas” (BRASIL, 1998, p. 13), transformando a escola em um lugar de aquisição, organização, geração e difusão de um conhecimento vivo e relevante para a sociedade na qual está inserida (D‟AMBRÓSIO, 1998, p. 80).

4.3.6. Forma de compreender e modificar o mundo

Segundo Fazenda (1979, p. 47),

(...) o homem está no mundo, e pelo próprio fato de estar no mundo, ser agente e sujeito do próprio mundo, e deste mundo ser Múltiplo e não Uno, torna-se necessário que o homem o conheça em suas múltiplas e variadas formas, para que possa compreendê-lo e modificá-lo. Neste sentido, o homem que se deixa encerrar numa única abordagem do conhecimento, vai adquirindo uma visão deturpada da realidade. Ao viver, encontra uma realidade multifacetada, produto desse mundo, e, evidentemente mais oportunidades terá em modificá-la, na medida em que a conhecer como um todo, em seus inúmeros aspectos.

No mundo em que vivemos tudo está relacionado, tanto nacional como internacionalmente. Todos os setores (economia, política, cultura, meio-ambiente, ciência, tecnologia, etc.) estão interligados, são interdependentes e qualquer fato ocorrido em uma dimensão afeta todas as outras. Uma guerra no Iraque pode afetar a economia mundial; o conflito entre judeus e palestinos, ocorrido no Oriente Médio, pode provocar reações políticas e religiosas na Europa e Estados Unidos; o desmatamento da Floresta Amazônica brasileira tem influência no clima de todo o planeta; uma mudança cultural na Inglaterra pode provocar mudanças nos costumes de vários países.

A abordagem disciplinar, soberana na educação durante muitos anos, que fragmenta os problemas em partes menores para facilitar a sua compreensão, não é mais suficiente para abranger as questões de um mundo tão complexo e mutante.

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável. (MORIN, 2009, p. 14). Precisamos, portanto, de uma visão de mundo mais globalizadora. A interdisciplinaridade, através da integração de campos de conhecimento e experiência, facilita uma compreensão mais globalizadora, reflexiva e crítica da realidade, tornando possíveis ações transformadoras (SANTOMÉ, 1998).