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C OMO CONSEGUIR OS DADOS DAS MINHAS COLEGAS ? A ENTREVISTA REFLEXIVA

P REPARANDO A VIAGEM RUMO AO J ARDIM DO É DEN : REVENDO A CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA DA PESQUISA

5.4. C OMO CONSEGUIR OS DADOS DAS MINHAS COLEGAS ? A ENTREVISTA REFLEXIVA

Que tipo de instrumento de entrevista utilizar para captar os discursos de meus próprios colegas de trabalho?

A opção pelo estudo de caso no qual eu iria exercitar o conceito de estranhamento apontou também para a escolha dos tipos de instrumentos de coleta de dados usados nesse tipo de pesquisa: a observação e a entrevista.

O tipo de observação escolhida foi a participante, uma vez que seria realizada no meu próprio ambiente de trabalho. A cada dia eu iria observar minha aula, os diálogos e as relações entre as professoras da escola, principalmente nos períodos antes do início das aulas, no recreio e nas reuniões de planejamento ou de estudos.

A escolha do tipo de entrevista (do procedimento de pesquisa), no entanto, foi mais problemática. Afinal, as entrevistadas seriam minhas colegas de trabalho e o entrevistador eu. Tornou-se necessário buscar um tipo de entrevista que se aproximasse mais de um diálogo, onde predominasse a horizontalidade entre os interlocutores, quebrando

aquele clima de tensão, de „desigualdade‟, tão comum nas entrevistas feitas na escola, por pesquisadores externos a ela. Nessa visão está contemplado apenas o aspecto supostamente neutro de coleta de dados e a posição passiva do entrevistado, considerado como um mero informante.

Encontrei no trabalho de Szymanski, Almeida e Prandini (2004) o tipo de entrevista que eu estava procurando: a denominada “entrevista reflexiva”.

Foi na consideração da entrevista como um encontro interpessoal no qual é incluída a subjetividade dos protagonistas, podendo se constituir um momento de construção de um novo conhecimento, nos limites da representatividade da fala e na busca da horizontalidade nas relações de poder, que se delineou esta proposta de entrevista, a qual chamamos de reflexiva, tanto porque leva em conta a recorrência de significados durante qualquer ato comunicativo quanto a busca de horizontalidade. (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 14)

Concordo com as autoras quando afirmam que “a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado (p. 12).

A entrevista reflexiva permite a obtenção de dados não apenas de natureza objetiva (fatos), mas também de natureza subjetiva, como atitudes valores e opiniões, que só podem ser obtidos com a contribuição dos atores sociais envolvidos” (p. 10).

A „reflexividade‟ da entrevista está no fato de refletir a fala do entrevistado, através da compreensão do entrevistador, submetendo tal compreensão ao próprio entrevistado, abrindo a possibilidade de correção por parte do entrevistado.

A entrevista reflexiva abre espaço para intervenções tanto pela influência mútua entre entrevistador e entrevistado quanto através do processo de consciência desencadeado pela atuação do entrevistador “no sentido de explicitar sua compreensão do discurso do entrevistado, de tornar presente e dar voz às ideias que foram expressas por ele” (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 17).

A entrevista reflexiva é uma entrevista semidirigida, semi-estruturada (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004). Não há um roteiro fechado, inflexível, mas os objetivos da pesquisa e as informações que se pretende coletar devem estar bem claros, para que possam contribuir para responder ao problema pesquisado.

No contato inicial com cada docente entrevistado, conversamos sobre o tema e os objetivos da pesquisa. É solicitada sua autorização para a gravação da entrevista e garantido o

anonimato e a possibilidade de ele (ela) também fazer perguntas que desejasse, bem como o acesso posterior às gravações e à transcrição da entrevista.

O desenvolvimento da entrevista se dá em etapas: a) aquecimento; b) questão desencadeadora; c) expressão da compreensão do entrevistador; d) formulação de sínteses; e) levantamento de questões (de esclarecimento, focalizadoras e de aprofundamento); f) devolução.

Na etapa do aquecimento, o objetivo maior é a busca da horizontalidade, o estabelecimento do diálogo, de um clima de confiança. Nesse momento, são levantadas informações pessoais e profissionais, que também servirão como contexto para as análises posteriores: idade, formação, tempo de magistério, síntese do percurso profissional, concepção de educação e de escola, disciplina que leciona etc.

A questão desencadeadora, segundo (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 27-28),

(...) deve ser o ponto de partida para o início da fala do participante, focalizando o ponto que se quer estudar, amplia o suficiente para que ele escolha por onde quer começar. Com isso, já teremos um direcionamento das reflexões do entrevistado, ao qual será oferecido, inicialmente, um tempo para a sua expressão livre a respeito do tema que se quer investigar. A questão tem por objetivo trazer á tona a primeira elaboração, ou um primeiro arranjo narrativo que o participante pode oferecer sobre o tema que é introduzido.

No caso desta pesquisa, a questão desencadeadora, escolhida após observação dos critérios sugeridos por Szymanski, Almeida e Prandini (2004) (consideração dos objetivos da pesquisa, amplitude da questão, cuidado de evitar indução de respostas, adequação dos termos da pergunta ao universo lingüístico do participante e escolha do termo interrogativo) foi: “Quando você ouviu falar sobre a interdisciplinaridade pela primeira vez? Você acha que ela é uma coisa nova na educação?”

A expressão da compreensão e a formulação de sínteses perpassam todo o período da entrevista, tendo a função primordial de manter o foco no objetivo da pesquisa. Não têm o intuito de interpretação, mas de expressão da compreensão, em caráter descritivo, e de síntese das informações recebidas pelo entrevistador. É também uma forma de se manter „imerso‟ no discurso do entrevistado.

As questões de esclarecimento, as focalizadoras e as de aprofundamento surgem de acordo com a necessidade e andamento da entrevista. As de esclarecimento, “quando o discurso parece confuso ou quando a relação entre as ideias ou os fatos narrados não está muito clara para o/a entrevistador/a” (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 43).

As focalizadoras, quando o discurso foge ao foco desejado da pesquisa. As questões de aprofundamento, “quando o discurso do entrevistado toca nos focos de modo superficial, mas trazem a sugestão de que uma investigação mais aprofundada seria desejável” (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 48).

A etapa final da entrevista reflexiva é a devolução. É a exposição posterior da compreensão do entrevistador sobre o discurso do entrevistado. Pode ser apresentada a gravação, a transcrição e também a pré-análise da entrevista.

Nesse momento, há a possibilidade de se ter conhecimento do impacto da primeira entrevista no modo de perceber o fenômeno por parte do entrevistado e obter-se uma ampliação da compreensão do mesmo, por parte do pesquisador. É quando o entrevistado pode apresentar modificações eventualmente geradas pelo processo de reflexão – primeiro durante a primeira entrevista, depois no período entre uma e outra e, em seguida, na comparação de sua interpretação com a do entrevistador. (SZYMANSKI, ALMEIDA e PRANDINI, 2004, p. 53).

É uma forma de equilibração dos poderes, garantindo a horizontalidade das relações buscada desde o período inicial de escolha desse procedimento de pesquisa.