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I NTERDISCIPLINARIDADE : Q UESTÕES T EÓRICAS

4.4. O BSTÁCULOS À INTERDISCIPLINARIDADE

Apesar do consenso sobre a utilidade da interdisciplinaridade na educação aumentar a cada dia, a ponto de subsidiar mudanças na legislação educacional e gerar debates entusiasmados, nota-se que as práticas interdisciplinares na escola ainda são muito raras. Algumas vezes, quando acontecem, apesar da boa vontade dos envolvidos, não produzem resultados muito expressivos (MACHADO, 1995, p. 181). Para Japiassú (1976), o pouco sucesso se dá devido a muitas “forças” que “não somente resistem, por inércia, como se opõem ativamente à realização de um projeto interdisciplinar de pesquisa ou de ensino” (p. 91).

Na reflexão sobre essas “forças” que dificultam a efetivação da interdisciplinaridade na escola, utilizaremos as cinco categorias de obstáculos usadas por Fazenda (1979).

4.4.1. Epistemológicos e institucionais

A história da produção do conhecimento científico, principalmente depois do surgimento da filosofia positivista, tem sido marcada pela competição e isolamento dos cientistas e das instituições de ensino e de pesquisa. Cada nova disciplina, em busca de afirmação, isola-se das outras, criando uma “linguagem secreta” para impedir que especialistas de outras áreas possam se “intrometer” ou atravessar suas fronteiras (SANTOMÈ, 1998, p. 78). Resistência essa também apontada por Morin ao se referir à necessidade de uma reforma de pensamento na educação:

Há resistências inacreditáveis a essa reforma, a um tempo, una e dupla. A imensa máquina da educação é rígida, inflexível, fechada, burocratizada. Muitos professores estão instalados em seus hábitos e autonomias disciplinares. Estes, como dizia Curien, são como os lobos que urinam para marcar seu território e mordem os que nele penetram. (MORIN, 2009, p. 99).

Essa mentalidade fragmentadora da ciência, que estabelece um “sistema de feudos” no conhecimento, observa-se também na escola e torna difícil a formação de equipes de trabalho, pois os professores são vistos não como professores daquela escola, mas como “professores de Matemática”, “professores de Português”, “professores de Ciências”, etc. Assim, a própria instituição escolar obstrui o fluxo do diálogo tão necessário às práticas interdisciplinares.

Para Fazenda (1979), a superação das barreiras entre as disciplinas torna-se possível a partir do momento em que as “instituições abandonem seus hábitos cristalizados e partam em busca de novos objetivos e, no momento em que as ciências compreendam a limitação de seus aportes” (p. 57).

4.4.2. Psicossociológicos e culturais

Mais difícil do que a mudança das estruturas institucionais é a transformação das estruturas mentais, dos conceitos e valores arraigados nas pessoas. Sem a eliminação das barreiras entre as pessoas é impossível a eliminação de barreiras entre as disciplinas.

Não é fácil mudar-se uma tradição de ensino que há tanto tempo tem prevalecido na sociedade e moldado nossa maneira de pensar e sentir. Muitas vezes a interdisciplinaridade é vista como um modismo, uma aventura, algo que vai “bagunçar” o ensino do professor e a aprendizagem do aluno. Pensar e sentir de forma disciplinar faz parte da vida dos professores e das famílias dos estudantes, portanto, um dos maiores desafios a serem vencidos pela interdisciplinaridade é o preconceito que ela sofre por parte de professores, alunos e pais:

Como as mentes, em sua maioria, são formadas segundo o modelo da especialização fechada, a possibilidade de um conhecimento para além de uma especialização parece-lhes insensata. E, no entanto, o mais limitado especialista tem idéias gerais, das quais não tem dúvidas, sobre a vida, o mundo, Deus, a sociedade, os homens, as mulheres. (MORIN, 2009, p. 100)

Para Fazenda (1987), uma das causas desse preconceito é que, geralmente, os projetos “interdisciplinares” nas escolas são impostos “de cima para baixo”, sem uma preparação prévia dos professores (que passam a ser meros executores de algo do qual desconhecem o real significado), dos alunos (que passam a ser cobaias) e dos pais.

Outro fator que dificulta as práticas interdisciplinares na escola é o comodismo, pois todo trabalho novo exige o dispêndio de mais tempo, mais energia e levanta uma série de questionamentos, revela limitações. Isolar-se em sua pequena esfera do saber é mais cômodo porque assim cada professor pode escapar “ao controle, ao confronto, à crítica e a todos os questionamentos que viriam talvez desmascarar a nulidade de seu pequeno „iceberg‟ de saber flutuando num vasto oceano de ignorância” (JAPIASSÚ, 1976, p. 95).

Uma das possibilidades de superação dessa situação, segundo Fazenda (1987), “estaria numa redefinição das diretrizes centrais da instituição, envolvendo os educadores na proposta de interdisciplinaridade, prestigiando seu trabalho e valorizando-o” (p. 115).

4.4.3. Metodológicos

Os obstáculos metodológicos, para Fazenda (1979) e Japiassú (1976), são os de maior importância porque, para serem transpostos, exigem a superação prévia das barreiras entre as disciplinas e entre as pessoas, das limitações da formação dos docentes e dos obstáculos materiais. Torna-se difícil para disciplinas que se afastaram tanto, a ponto de desenvolverem linguagens e métodos herméticos, estabelecerem novamente um diálogo e se disporem a buscar novas metodologias que favoreçam uma educação interdisciplinar.

A construção de uma metodologia interdisciplinar exige que se atente não apenas ao questionamento de aspectos técnicos, mas para uma profunda revisão do papel da escola, sobre a validade e os limites das disciplinas, sobre o tipo de indivíduo que se pretende formar.

Hilton Japiassú, na segunda parte do trabalho Interdisciplinaridade e patologia do saber (1976), propõe pressupostos fundamentais para uma metodologia interdisciplinar, a qual foi criticada por muitos cientistas, por a considerarem utópica. Para ele, a condição de efetivação dessa metodologia seria uma nova espécie de cientista, o interdisciplinar.

Fazenda afirma que os obstáculos metodológicos da interdisciplinaridade só podem ser superados a partir da formação de um novo professor, o professor interdisciplinar, com novas competências intuitivas, intelectivas, práticas e emocionais (FAZENDA, 1998, p. 17).

4.4.4. Da formação profissional

Ao refletir sobre os obstáculos criados pela formação inadequada dos profissionais da educação, Fazenda (1987, p. 115, 116) levanta as seguintes questões:

“Poderá o educador engajar-se num trabalho interdisciplinar sendo sua formação fragmentada?

Existem condições para o educador entender como o aluno aprende, se não lhe foi reservado espaço para perceber como ocorre sua própria aprendizagem? Que condições terá para trocar com outras disciplinas se ainda não dominou o

conteúdo específico da sua?

Poderá entender, esperar, dizer, criar e imaginar se não foi educado para isto. Buscará a transformação social se ainda não se iniciou o processo de

transformação pessoal?”

O que ainda se observa nos cursos de formação de professores é um ensino repartido em disciplinas isoladas entre si ou apenas justapostas, que não permite a percepção das conexões entre as diversas áreas do conhecimento e muito menos sua relação com a “vida real”.

Estuda-se o ser humano e a pedagogia por “pedaços”: a Economia estuda o homem como produtor e consumidor de riquezas, a Psicologia mostra como o homem aprende, a Didática estabelece as bases para ensinar, etc. Quando o profissional é iniciado no mercado de trabalho, tem muita dificuldade para integrar as diferentes pontos de vista sobre o homem e o mundo (as disciplinas) e, mais ainda, de levar seus alunos a uma visão complexa e interdisciplinar. A tendência é perpetuar-se a tradição recebida dos seus professores universitários especialistas.

A formação proposta por Fazenda para o profissional que deseja basear sua prática na interdisciplinaridade requer uma transformação muito profunda na Pedagogia contemplando, de forma integrada, aspectos intuitivos (enxergar além de seu tempo e espaço), aspectos intelectivos (aprender a refletir), aspectos práticos (aprender a planejar e a executar) e aspectos emocionais (aprender a “ler a alma”). Ou seja, é muito mais do que uma simples mudança no currículo dos cursos pedagógicos e aponta para a necessidade de uma atualização permanente para a convivência com a complexidade e a incerteza que caracterizam nossa época.

4.4.5. Materiais

A eliminação das barreiras entre as pessoas que buscam a vivência interdisciplinar é muito dificultada também por fatores materiais como tempo e espaço. Na introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais (5ª a 8ª séries), lê-se:

A formação continuada em serviço é uma necessidade, e para tanto é preciso que se garantam jornadas com tempo para estudo, leitura e discussão entre professores, dando condições para que possam ter acesso às informações mais atualizadas na área da educação e de forma a que os projetos educativos possam ser elaborados e reelaborados pela equipe escolar. Os professores devem ser profissionais capazes de conhecer os alunos, adequar o ensino à aprendizagem, elaborando atividades que possibilitem a ação reflexiva do aluno. É preciso criar uma cultura, em todo o país, que favoreça e estimule o acesso dos professores a atividades culturais, como exposições, cinemas, espetáculos, congressos, como meio de interação social. (BRASIL, 1998, p. 38).

As reais condições de trabalho vivenciadas pelos profissionais da EEFM Jardim do Éden, porém, tornam impraticáveis as sugestões dos PCN: os professores não têm espaço nem tempo para planejar, para compartilhar ideias, informações ou experiências pessoais e de trabalho. As denominadas “reuniões de planejamento” que acontecem na escola por ocasião dos projetos “interdisciplinares” são quase sempre encontros improvisados, ao acaso, sem propósito e frutos de imposições externas.

Fazenda (1979) afirma que, para a superação desses obstáculos, é necessário que a escola aprenda uma nova maneira de articular espaço e tempo que favoreça “os encontros e trabalhos em pequenos grupos, assim como os contatos individuais entre professores e estudantes” (p. 57). Ressalta também a importância de se levarem em conta as dificuldades econômico-financeiras enfrentadas pelos educadores, pois, sem uma remuneração adequada, a motivação para o trabalho interdisciplinar, por maior que seja, não é muito duradoura.