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O poeta Renato Russo conseguiu traduzir com muita perfeição, na letra de sua canção, a perplexidade que tem se tornado parte do cotidiano de milhões de seres humanos, diante de tantas mudanças ultrarrápidas (sociais, econômicas, políticas, culturais...) que temos presenciado, principalmente a partir da segunda metade do século passado.

Estamos vivendo em um “admirável mundo novo”, que existia há até bem pouco tempo apenas nas obras literárias e nos filmes de ficção científica. Neste início de milênio a sociedade brasileira (e mundial) passa por momentos de rápidas transformações econômicas e tecnológicas. O século XX foi marcado pelo “reinado” da ciência e da tecnologia que, através de suas conquistas, causaram uma verdadeira revolução nas formas de agir, pensar e sentir dos habitantes dos quatro cantos de nosso planeta. Os transportes ultrarrápidos, a automação e a comunicação eletrônica contribuíram para o surgimento e fortalecimento de uma economia cada vez mais globalizada, que tem trazido profundas mudanças no trabalho e nas relações sociais.

O setor industrial, antes dominante, tem perdido gradativamente sua primazia para o setor terciário (serviços) e tem sido obrigado a rever seus valores e técnicas de produção diante de um mundo e de um consumidor novos. O mercado passa a exigir um novo perfil: não mais um simples executor de tarefas pré-determinadas, mas um trabalhador “polivalente, de maior atividade intelectual, capacidade de iniciativa e adaptação rápida às mudanças do setor de serviços” (ARANHA, 1996, p. 23).

No trabalho, temos presenciando uma forte tendência à “flexibilidade trabalhista”. Para garantir o seu emprego, antes tão estável, o trabalhador tem que se submeter a contratos cada vez mais precários e a conviver com um clima de incerteza, com “situações de instabilidade, temporalidade, insegurança” (SANTOMÉ, 1998, p.16). Os níveis de desemprego têm crescido, não apenas por falta de vagas, mas também pela ausência de pessoas preparadas para suprir as novas demandas do mercado de trabalho, que se torna mais exigente a cada ano que passa. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, em sua Introdução, reconhecem que mesmo os jovens brasileiros com alguma escolarização, quando têm que enfrentar o mundo do trabalho, se mostram “mal preparados” para compreender suas mudanças e “especialmente para serem absorvidos por um mercado de trabalho instável, impreciso e cada vez mais exigente” (BRASIL, 1998, p. 21).

A revolução no mundo da comunicação eletrônica, sobretudo com a Internet, inaugurou uma nova era, “a sociedade da informação” (SANTOMÉ, 1998, p. 88), com seus paradoxos: somos bombardeados o tempo todo por informações, mas não temos tempo para absorvê-las; temos diante de nós fontes riquíssimas de conhecimento, porém corremos o risco, a cada momento, de sermos submergidos por elas. A palavra, escrita ou proferida, tem perdido para a imagem o papel na comunicação.

Defrontamo-nos atualmente com “um grande leque de áreas de conhecimento e de teorias dentro dessas áreas” (LÜCK, 2000, p. 20) que, ao invés de transmitirem segurança, têm enchido o ser humano de dúvidas e confusão. Principalmente porque não conseguimos estabelecer ligações entre esses conhecimentos nem entre eles e a realidade.

Por detrás do desafio do global e do complexo, esconde-se um outro desafio: o da expansão descontrolada do saber. O crescimento ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens discordantes. A torre nos domina porque não podemos dominar nossos conhecimentos. (...) O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas do saber. Em toda parte, nas ciências como nas mídias, estamos afogados em informações. O especialista da disciplina mais restrita não chega sequer a tomar conhecimento das informações concernentes a sua área. Cada vez mais, a gigantesca proliferação de conhecimentos escapa ao controle humano. (MORIN, 2009, p. 16). A educação também tem sofrido as consequências da globalização econômica. Uma nova economia exige das instituições escolares participação e compromisso na formação de pessoas com conhecimentos, habilidades, procedimentos e valores de acordo com sua nova filosofia. A escola ainda não sabe como corresponder aos apelos desse mundo novo.

Não apenas a pesquisa científica, mas também o ensino, revela sintomas da incapacidade que o homem apresenta atualmente para compreender o seu mundo e a si

mesmo. O modelo de escola tradicional mostra-se anacrônico e insuficiente para contribuir na formação de cidadãos que compreendam sua realidade e possam nela intervir, sobretudo porque não consegue perceber (ou aceitar) que:

(...) nas sociedades tradicionais, a estabilidade da organização política, produtiva e social garantia um ambiente educacional relativamente estável. Agora, a velocidade do progresso científico e tecnológico e da transformação dos processos de produção torna o conhecimento rapidamente superado, exigindo-se uma atualização contínua e novas exigências para a formação do cidadão (BRASIL, 1997, p.14).

Os currículos são verdadeiros “mosaicos” de disciplinas e informações dissociadas que levam os alunos, principalmente quando precisam assumir uma responsabilidade profissional, à triste constatação do que eles há muito tempo suspeitavam: o que se aprende na escola não tem nada a ver com a realidade. Segundo Barguil (2006, p. 62), “o distanciamento entre o mundo do aluno e as práticas escolares explica, em parte, a apatia, o desânimo e a tristeza de aprender característicos das salas de aula, problemas que não são privilégio do Brasil”.

Os professores sentem-se verdadeiros alienígenas em suas salas de aula e, diante da situação aparentemente caótica da educação atual, muitas vezes buscam segurança em pensamentos nostálgicos dos velhos tempos e “no esforço de levar seus alunos a aprender, o fazem de maneira a dar importância ao conteúdo em si e não à sua interligação da qual emerge, gerando a já clássica dissociação entre teoria e prática” (LÜCK, 2000, p. 21).

As transformações ultrarrápidas que temos presenciado têm causado perplexidade e desorientação, “sobretudo em pais e professores que se baseiam em parâmetros que se encontram em estado de desagregação” (ARANHA, 1996, p. 238).

Ao ligar a TV, ao ler um jornal, ao ouvir o rádio, o homem se angustia ao ver acontecimentos que, cada vez mais, extrapolam o seu limite de compreensão. As informações são muito rápidas, extremamente fragmentadas e os meios de comunicação não lhes proporcionam tempo nem espaço para montar as peças do “quebra-cabeça” que é a realidade. Os problemas trazidos pelo avanço da ciência e da tecnologia, como: poluição, degradação do meio ambiente, escalada da violência, conflitos étnicos e religiosos, insegurança do mercado de trabalho, são muito complexos para um homem que foi, durante muito tempo, ensinado a não pensar, ou a pensar de forma simplista e reducionista:

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compreensão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas mais graves constitui um

dos mais graves problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsciente e irresponsável. (MORIN, 2009, p. 14). Ao fazer uma análise das crises que a sociedade humana tem enfrentado principalmente a partir da segunda metade do século XX, Capra (1997) conclui que todas elas são facetas de uma mesma crise: a crise de percepção. Os políticos, os meios de comunicação, os cientistas, os pensadores, enfim, os seres humanos, não estão conseguindo compreender os problemas complexos com os quais se deparam porque buscam entendê-los usando “modelos conceituais obsoletos e variáveis irrelevantes” (CAPRA, 1997, p. 23). Estamos vivenciando algo que não ocorre com muita frequência na história: uma crise de paradigma.

Paradigma é uma palavra originada da forma grega paradeigma, que significa modelo, padrão. De acordo com Aranha (1996, p. 235), um paradigma “é um modelo, um conjunto de ideias e valores capaz de situar os membros de uma comunidade em determinado contexto, de maneira a possibilitar a compreensão da realidade e a atuação a partir de valores comuns”. Para o filósofo da ciência Thomas Kuhn, “um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade científica partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (apud ARANHA, 1996, p. 235).

A mudança de paradigmas, enunciada por Kühn, ocorrente nas mais diversas áreas – Física, Matemática, Química, Biologia etc. – possibilitou perceber-se as incongruências da Ciência Moderna, impelindo o estabelecimento de novos pressupostos, dentre os quais se destacam, dentre outros, a transitoriedade e parcialidade do saber, a dimensão subjetiva do pesquisador. (BARGUIL, 2006, p. 44).

Nesse sentido, uma crise de paradigma ocorre quando os modelos conceituais que sustentavam a visão de mundo de uma sociedade já não a satisfazem e precisam ser substituídos.