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De minha aldeia vejo o quanto da terra se pode ver do Universo. Por isso a minha aldeia e tão grande como outra terra qualquer. Porque sou do tamanho do que vejo, e não do tamanho da minha altura. (Alberto Caeiro. O Guardador de Rebanhos).

Investigar as concepções de teóricos, documentos e de docentes sobre a interdisciplinaridade, para explorar possibilidades e esboçar perspectivas do desenvolvimento de práticas interdisciplinares nas turmas do ensino fundamental na minha “aldeia”, a EEFM Jardim do Éden, foi uma grande aventura, cheia de descobertas. Uma oportunidade ímpar de descobrir, registrar, sistematizar e tornar pública a riqueza de conhecimentos e experiências dos meus/minhas companheiros(as) de ofício, tantas vezes ofuscada pelo corre-corre cotidiano, que tem tirado cada vez mais os tempos e os espaços para o diálogo e as trocas na escola.

O primeiro trecho da jornada, quando mergulhei nos trabalhos dos estudiosos que se dedicam à interdisciplinaridade, foi muito enriquecedor, pois pude começar a construir um alicerce teórico mais sólido, não apenas para a pesquisa que apresentei neste trabalho, mas para que eu aperfeiçoasse minha prática pedagógica.

Tive a oportunidade de conviver e dialogar com novos autores, de conhecer a história da interdisciplinaridade como ideia de unificação do conhecimento através dos tempos, de compreender suas diversas formas e gradações (multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade), de ver que ela abrange bem mais que as Ciências, incluindo também outras formas de conhecimento como as Artes, Literatura, Religião, Estética.

A segunda parte da caminhada me proporcionou um novo contato com os documentos que embasam (ou que deveriam embasar) o projeto pedagógico e o currículo da escola em que eu exercia meu ofício de professor: a Escola Jardim do Éden. Eu tivera contato com esses documentos há alguns anos e foi uma experiência nova examiná-los e analisá-los sob a ótica da interdisciplinaridade.

Os documentos analisados revelam a conscientização do poder público em relação à crise da escola. Os PCN (BRASIL, 1998b) e os RCB (SEDUC, 1998) estão sintonizados com o pensamento dos autores que têm denunciado à ineficácia de um ensino efetivado

através de um currículo fragmentado e defendido a importância de um ensino-aprendizagem contextualizado e interdisciplinar. No entanto, a materialização do discurso desses documentos através de práticas transformadoras tem sido dificultado, quase impraticável, pois a questão não se restringe apenas a uma mudança no currículo da escola. Envolve também aspectos como revisão dos currículos dos cursos de formação de professores, melhorias salariais, programas de formação continuada.

A terceira etapa desta empreitada foi o mais emocionante (os cartesianos que me perdoem!), pois me permitiu um novo olhar, mais atento, sobre minhas colegas de ofício na Escola Jardim do Éden. Descobri mais sobre suas histórias de vida, sua riqueza de experiências, seus temores, suas dificuldades, suas esperanças, suas metodologias e visões pedagógicas, passando a valorizá-las ainda mais.

Quem disse que as rosas não falam? Falam sim, e têm muito o que dizer.

Quem disse que as rosas não falam? Das falas dos entrevistados, das leituras e análise documental realizados e das minhas reflexões de professor-aprendiz fica patente a consciência de que a crise da escola pública é reflexo de uma crise complexa, mundial e paradigmática. As profundas mudanças trazidas pela globalização levam inevitavelmente ao reconhecimento de que a escola também precisa se transformar para que possa oferecer um currículo e um ensino mais dinâmicos e contextualizados, que contribuam para uma aprendizagem significativa capaz de proporcionar ao aluno a compreensão do “novo mundo” e a capacidade para nele intervir.

O paradoxo entre as funções transformadora e reprodutora da escola e do professor – habilitar o aluno para se engajar no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que prepara para transformar a sociedade - acenam para o fato de que ela não pode mais ser pensada de forma fragmentada e reducionista, mas sob um ponto de vista complexo, o que demanda um currículo inter e transdisciplinar.

A palavra interdisciplinaridade tem sido cada vez mais frequente no meio pedagógico, desde o final do século passado. Surge como uma resposta às novas demandas de preparo para uma educação permanente, flexível, que permita o aprendizado da visão do todo, sem a qual não podemos mais compreender os problemas atuais nem contribuir para suas soluções.

Os momentos do redimensionamento do Telensino e do lançamento dos Parâmetros Curriculares Nacionais proporcionaram ricas oportunidades para debates e estudos sobre a interdisciplinaridade (ainda que no âmbito pluridisciplinar, com a organização do currículo por áreas de ensino). Prova disso é o depoimento de cinco entrevistados, que

afirmaram ter tido nesses encontros e cursos de capacitação ofertados pela SEDUC seu primeiro contato com essa temática. Não houve, porém, continuidade para aprofundamento sobre o tema e a discussão foi deixada de lado.

É, também, por essa descontinuidade, histórica, de boas ideias surgidas no meio pedagógico, que a interdisciplinaridade ainda é vista com desconfiança pelos docentes, cuja maioria se posicionou entre “a interdisciplinaridade é um modismo” e o “depende...”. Mais uma boa ideia corre o risco de se transformar em palavra vazia de significado, chavão pedagógico.

As conceituações sobre a interdisciplinaridade formuladas durante as entrevistas mostraram diferenças entre os enfoques dos teóricos estudados e o ponto de vista dos professores: enquanto os primeiros vêem a interdisciplinaridade com uma preocupação, sobretudo, epistemológica, encarando as disciplinas como “conjuntos de conhecimentos”, os professores estão mais preocupados com o aspecto processual, vendo as disciplinas também como “pessoas” (os especialistas das disciplinas na escola), as quais também precisam um processo de intercâmbio e integração. Em síntese: enquanto os teóricos se preocupam mais com aspectos abstratos, os professores enfatizam a prática da interdisciplinaridade no dia-a- dia, em um lugar muito concreto: a sala de aula.

Apesar da falta de um consenso sobre os aspectos conceituais, uma vez que nas definições foram privilegiados diferentes enfoques (metodológicos, epistemológicos, processuais e de resultados), observa-se, principalmente através das práticas cotidianas dos professores questionados, a visão da interdisciplinaridade como, antes de tudo, uma atitude de abertura diante do conhecimento. Segundo percebi nas entrevistas essa atitude pode ser colocada em prática mesmo de forma individual na sala de aula, quando o professor utiliza conhecimentos de outras disciplinas/áreas de ensino para enriquecer e contextualizar conteúdos de sua própria disciplina.

A prática da interdisciplinaridade como reflexão e prática só exercerá todo seu poder transformador na escola e na sociedade quando for feita coletivamente e, para isso, exige um novo professor que se responsabiliza por seu próprio crescimento e o busca de maneira holística: intelecto, emoção, competência técnica, relacionamentos, domínio da sua disciplina, etc.

Constatou-se, na maioria dos questionados, uma carência de alicerces teóricos, de momentos de estudo e um desejo de mudança que traga uma maior qualidade para a o serviço proporcionado pela escola à sociedade.

Essa motivação, porém, é muitas vezes desvanecida diante dos obstáculos colocados pela falta de condições materiais de trabalho, pelos alunos e suas famílias, e pelos próprios colegas de trabalho, que insistem em manter uma postura individualista e tornam o entusiasmo para com as atividades interdisciplinares frágil e pouco duradouro. E é por conhecerem muito bem as dificuldades cotidianas que alguns professores encontram-se apáticos e não conseguem se empolgar diante de projetos que, pretensamente interdisciplinares, estão totalmente fora da realidade e acabam se tornando arredios e desconfiados dessas práticas ou as cumprem por mera obrigação “profissional”.

Os dados levantados na pesquisa mostram que, principalmente devido à indisponibilidade de tempo para estudo e intercâmbios e pela falta de maior consciência de grupo, ocorre a predominância na escola, ainda, das atividades interdisciplinares que espontaneístas e improvisadas, sem sistematização nem objetivos bem definidos. Elas são muito importantes, porque trazem a semente da atitude interdisciplinar e testemunham passos já dados na direção de uma nova educação. As sementes, porém, só germinarão e darão os frutos de transformação da escola, se puderem ser regadas com as águas do diálogo, da observação, do registro e da análise: isso exige tempo e intencionalidade. Caso contrário, tornar-se-ão apenas mais uma “moda pedagógica”, perdendo o que têm de mais belo.

Possibilidades e Perspectivas

As considerações aqui apresentadas às servem como suporte para as seguintes sugestões :

O projeto político-pedagógico precisa ser constantemente revisto e construído com a participação de todos os envolvidos na comunidade escolar. É ele que vai nortear e criar condições para o desenvolvimento de atividades integradoras na escola.

Urge que a escola procure envolver mais os professores na elaboração e execução dos projetos, levando em conta as “realidades” vivenciadas por cada um. Assim eles passarão a ver os “projetos” como nascidos deles mesmos e não como “empurrados”, como expressa uma das professoras na pesquisa.

A Coordenação Pedagógica, cujo papel é fundamental para o sucesso das atividades interdisciplinares na escola, deve aproveitar a motivação demonstrada pelos docentes, proporcionando-lhes mais tempo e espaço para a troca de experiências profissionais e pessoais, sob o risco de perder

a riqueza que eles poderão trazer para a instituição. A criação de um grupo de estudo, com funcionamento bem definido e encontros permanentes, foi sugerida nas entrevistas.

A realização de um estudo/reflexão sobre o currículo aplicado na escola, à luz da interdisciplinaridade, seria muito importante, pois mostraria também as suas dificuldades diante da fragmentação do conhecimento e forneceriam subsídios para os professores seus objetivos e práticas.

A atividade de registro das práticas interdisciplinares deve ser incentivada, para que se disponibilize o acesso a maior quantidade de experiências práticas de professores que enfrentam as dificuldades cotidianas da sala de aula.

Durante o percurso da pesquisa tive contatos com docentes de outras aldeias (escolas, universidades) e descobri que nossos problemas e desafios são muito parecidos. Minha visão pessimista do início da pesquisa mudou para uma visão de possibilidades. As rosas falam, sim, e têm muito o que contribuir, porque de nossa aldeia podemos ver “o quanto da terra se pode ver do Universo” .

Os resultados? Vão depender da tomada de posição de cada professor, em especial, e da comunidade escolar, como um todo porque, como diz o poeta português: somos do tamanho do que vemos e não do tamanho da nossa altura.