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2. FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA)

2.3 Conteúdo

2.3.1 A matéria contábil (disclosure approach)

As obrigações de natureza contábeis foram idealizadas com o propósito de proteger o investidor, e foram além da proibição constante originariamente no Exchange Act, de manutenção de falsos registros, porque também se regulou a necessidade de precisão e correção dessas informações contábeis71, exigência de

caráter normativo que representou uma significativa expansão da autoridade regulatória da SEC, porque teria sido a primeira vez que o governo federal impôs standards de governança corporativa a companhias de capital aberto72-73.

O FCPA, assim, exige, no §78m (b) (2), que as empresas emitentes que possuam uma classe de valores mobiliários registrados de acordo com o Exchange Act, bem como aquelas obrigadas a apresentar relatórios também conforme o Exchange Act,74 deverão:

68 Cf. KOEHLER (2014: 54-55); e GIUDICE (2011: 360). 69 Cf. KOEHLER (2014: 55). 70 Cf. KOEHLER (2014: 55). 71 Cf. GIUDICE (2011: 353). 72 Cf. GIUDICE (2011: 353).

73 Como relata BRICKEY (1984: 61), a SEC tem deixado claro que o objetivo dessas regras não

é a exclusiva preocupação com a precisão dos registros contábeis, mas também a finalidade de responsabilidade corporativa (corporate accountability, na origem, pesem as dificuldades de tradução do termo accountability, de variadas significações para a língua portuguesa, abrangente das idéias de controle, transparência, obrigação de prestação de contas, etc.).

74 As disposições de contabilidade do FCPA se aplicam às companhias de capital aberto que são

consideradas emitentes nos Estados Unidos, sob o Exchange Act, incluindo aquelas empresas que detêm American Depositary Receipts - ADR (cf. SEBELIUS, 2008: 583).

(A) preparar e manter livros contábeis, registros e contas que, com um nível razoável de detalhe, reflitam de forma completa e precisa as transações e as disposições dos ativos do emissor; e

(B) criar e manter um sistema interno de controle contábil, suficiente para fornecer garantias razoáveis de que:

(i) as transações sejam executadas de acordo com a autorização geral ou específica da direção da empresa;

(ii) as transações sejam registradas conforme necessário para (I) permitir o preparo de demonstrações financeiras em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos ou quaisquer outros critérios aplicáveis a tais demonstrações e (II) manter uma prestação de contas dos ativos;

(iii) o acesso aos ativos seja permitido somente de acordo com a autorização geral ou específica da direção da empresa; e

(iv) o registro de prestação de contas dos ativos seja comparado com os ativos existentes a intervalos razoáveis e que as medidas apropriadas sejam tomadas com respeito a quaisquer diferenças.

No gênero, essas disposições se subdividem em regras voltadas à manutenção de livros e registros contábeis precisos, destinadas portanto a prevenir (i) falhas no registro de transações ilegais; (ii) a falsificação de registros referentes a transações ilegais; e (iii) a criação de registros contábeis quantitativamente corretos, porém qualitativamente falhos na especificação das transações75 . E regras, num sentido complementar, direcionadas à fiscalização

desses registros, pela imposição de criação de um sistema de controle contábil interno que forneça garantias razoáveis de que as transações estão devidamente autorizadas76.

Tais prescrições não tipificam, em si, qualquer ilícito criminal. Inobstante, referidas disposições foram codificadas como emendas ao Exchange Act, e, nesse caso, o §§78ff(a) do FCPA define como crime (felony)77 qualquer violação

voluntária dessa lei, incluso, portanto, das disposições contábeis, com pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos78.

Desse modo, o indivíduo que sabidamente contorna ou falha com o dever de implementar um sistema de controle contábil interno, ou que sabidamente falsifica livros e/ou registros contábeis, pode vir a ser criminalmente responsabilizado79. Essa punição por violações às disposições contábeis do FCPA é

autônoma, isto é, aplica-se independentemente da existência de uma qualquer

75 Cf. SEBELIUS (2008: 584). 76 Cf. SEBELIUS (2008: 585).

77 Crimes graves punidos com pena máxima de prisão superior a um ano (cf. DUBBER &

HÖRNLE, 2014: 171).

78 Cf. BRICKEY (1984: 62). 79 Cf. SEBELIUS, 2008: 585.

concomitante violação às disposições antissuborno da referida lei80, e satisfaz-se,

na exigência relativa ao conhecimento, pela cegueira deliberada (willful blindness)81.

Sob esse aspecto, a doutrina refere que o FCPA tem se notabilizado como uma lei muito mais ampla do que seu nome sugere, porque inúmeros casos relevantes não chegaram a envolver pagamentos de subornos a funcionários públicos estrangeiros, confinando-se à apresentação de falsos relatórios ao mercado, ou maquiagem contábil voltada a mascarar corrupção interna82 -83.

Isso ocorre porque há uma maior amplitude teórica no alcance das disposições contábeis do FCPA, relativamente às normas antissuborno, que decorre da ausência, nas disposições contábeis, de elementares presentes nesta última categoria normativa, condicionantes de sua ocorrência típica, como a necessidade de o suborno possuir finalidade corrupta (conduzir ao desvio ou abuso de dever ou função), de dirigir-se à obtenção de favores comerciais, e de endereçar-se a funcionários públicos estrangeiros84, daí os maiores cuidados com

a pesquisa acerca dos critérios para a aplicação dessas exigências, como registrou o Relatório do Senado nº 95/114 (Senate Report nº. 95-114), que reclamava, na altura em que produzido, razoável prudência das autoridades na exigência de implementação dos sistemas de controle interno, atentando-se para a realidade de cada corporação, a evitar significações que imponham a necessidade de apresentação de registros contábeis precisos conforme algum abstrato princípio.

Na jurisprudência, como refere Koehler (2014: 142), há um único precedente a tratar exclusivamente das normas contábeis do FCPA, caso SEC v. World-Wide Coin Investments85, empresa acusada de violar os registros contábeis

80 Cf. BRICKEY (1984: 65); e GIUDICE (2011: 353). Veja-se, porém, que, em teoria – conforme

refere KOEHLER (2014: 137) –, a falsificação de livros e/ou registros contábeis destina-se, usualmente, a encobrir subornos, e que tais subornos, por outro lado, ocorrem ou são facilitados por falhas nos controles internos.

81Cf. SEBELIUS (2008: 586). No mesmo sentido, CRITES (2012: 8). 82 Cf. KOEHLER (2014: 136).

83 Veja-se, p.ex., a acusação – convolada em DPA – formulada pelo DOJ contra a empresa

FalconStor Software, sob alegação de conspiração para falsificar livros societários e registros para encobrir esquema interno de suborno (Press Release disponível em: https://www.justice.gov/archive/usao/nye/pr/2012/2012jun27.html, acesso em 18/03/2016); assim como as acusações formuladas pela SEC contra a empresa Gold Standard Minig pela apresentação de relatórios materialmente falsos acerca de operações de mineração desenvolvidas

na Rússia (Press Release disponível em:

https://www.sec.gov/litigation/litreleases/2012/lr22408.htm, acesso em 18/03/2016).

84 Cf. KOEHLER (2014: 140).

e de carecer de adequado sistema de controle interno, ausente imputação de pagamento de suborno. A decisão judicial, no caso, em juízo expresso de razoabilidade, reconheceu a pertinência da argumentação da defesa, de que os sistemas internos de controle devem ser exigidos e avaliados conforme a estrutura de cada companhia, o tamanho do negócio, a diversidade das operações realizadas, além de outros fatores, e que o FCPA não prevê quais espefícicos standards devem ser considerados para a avaliação da suficiência de um dado sistema de controle interno. Todavia, tal decisão afirmou a existência de violação às normas contábeis do FCPA, por parte da empresa, pela presença de falhas em registros contábeis e ausência de eficaz sistema de controle interno, falhas essas conhecidas da direção – notórias, dir-se-ia no julgado – e não obstante ignoradas86.