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3. UNITED KINGDOM BRIBERY ACT (UKBA)

3.2 A matéria penal

3.2.1 Os crimes de corrupção

O UKBA definiu três novos delitos relacionados à corrupção, previstos nas Seções 1 (corrupção ativa), 2 (corrupção passiva) e 6 (corrupção ativa de funcionário público estrangeiro). De acordo com DEMING (2014: 126), tais tipologias substituíram os crimes de suborno existentes até então no Reino Unido.

Mais além, referida lei foi absolutamente polêmica ao tipificar, na Seção 7, um inovador delito de falha das organizações comerciais na prevenção do suborno. Todavia, diversamente do FCPA, o UKBA não contém previsão penal a respeito de eventuais fraudes contábeis praticadas em consequência do suborno, tipificadas estas no Companies Act, de 1989136.

A Seção 1 descreve o crime de corrupção ativa mediante dois núcleos de comportamentos: (1) o primeiro ocorre quando alguém oferece, promete ou dá qualquer vantagem a outrem, com intenção de induzi-lo a realizar uma atividade ou função de forma inadequada, ou para recompensá-lo pelo desempenho indevido dessa função ou atividade; (2) o segundo se verifica quando alguém oferece, promete ou dá a vantagem a outrem, sabendo ou acreditando que a aceitação da vantagem constitui já em si um desempenho funcional impróprio. Em ambos os casos, o crime também ocorre quando a vantagem é oferecida, prometida ou entregue mediante interposta pessoa.

Segundo a opinião de Bean & Macguidwin (2012: 326), trata-se, a espécie, do crime mais geral de corrupção ativa, aplicável dentro do Reino Unido e no exterior, e abrange subornos domésticos – mediante vantagem de qualquer natureza, não necessariamente financeira – entre partes privadas, bem como suborno de funcionários do governo em negócios internacionais.

135 Cf., a propósito, HEISSNER (2015: 24). 136 Cf. SANTANA VEJA (2015: 2).

Os conceitos de função ou atividade relevante estão definidos na Seção 3, e incluem, ainda consoante Bean & Macguidwin (2012: 327), qualquer atividade pública ou empresarial desempenhada no curso de uma relação de emprego. Para fins de caracterização do ilítico em causa, importa deixar claro que o desvio de função ou atividade pode ser realizado no exterior, sendo desnecessária conexão com o Reino Unido137 . Entretanto, a medida do que venha a ser desempenho

impróprio da função ou atividade é determinada a partir de expectativas de comportamento adequadas aos padrões britânicos, e não do país estrangeiro onde o suborno ocorreu138 . Essa régua de aferição da (in)adequação da atividade

desempenhada, para fins do UKBA, resulta da conjugação de conceitos previstos nas Seções 4 e 5 desta lei, que definem, respectivamente, os parâmetros do que venha a ser performance imprópria, e os padrões adequados de expectativa de comportamento que se espera dos funcionários em geral.

A Seção 2 descreve o crime de corrupção passiva mediante quatro núcleos comportamentais: (a) quando o agente solicita, concorda em receber ou aceita vantagem financeira ou de outra natureza para que realize, em consequência, uma função ou atividade de modo impróprio; (b) o agente solicita, concorda em receber ou aceita vantagem financeira ou de outra natureza, e a própria solicitação, concordância ou aceitação da vantagem constitui em si mesmo desempenho impróprio da função ou atividade; (c) o agente solicita, concorda em receber ou aceita vantagem financeira ou de outra natureza, como recompensa pelo desempenho impróprio de uma função ou atividade.

O crime também ocorre com o desempenho impróprio da função ou atividade, em antecipação ou em consequência de solicitação ou aceitação de vantagem pelo agente.

Tal como na primeira Seção, é desinfluente para a tipificação do ilícito o fato de a solicitação ou aceitação da vantagem ocorrer por interposta pessoa, ou que beneficie, a vantagem, qualquer terceiro que não o agente. Este perfil dogmático do ilícito, extraível do próprio texto de lei, é igualmente mencionado por Bean & Macguidwin (2012: 330-331). Também para este caso, vigem as mesmas definições

137 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2012: 328).

138 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2012: 328). E a indicar, ainda conforme estes autores, a

pretensão do estatuto de aplicar standards de conduta britânicos a fatos ocorridos em outras nações (2012: 329).

de função ou atividade relevante, e de desempenho inadequado, encontradas nas Seções 3 e 4.

A Seção 6, que define o crime de corrupção ativa de funcionário público estrangeiro, é aquela que mais se aproxima das disposições do FCPA139.

O pagamento de suborno a funcionário público estrangeiro será crime, nos termos da Seção 6 do UKBA, se o agente, com o pagamento, teve a intenção de influenciar o funcionário público no desempenho de suas atribuições, e, mais além, se o suborno foi também dirigido à obtenção ou manutenção de negócios, ou à obtenção de uma vantagem na condução dos negócios.

Tal como previsto nas Seções anteriores, também este crime pode ser praticado mediante oferta, promessa ou entrega de vantagem de qualquer natureza, não necessariamente de ordem financeira.

Ainda segundo a lei, tanto o agente como o funcionário público podem servir-se de interposta pessoa para praticar o ilícito. No caso do funcionário público, porém, somente haverá crime se a interposta pessoa que recebeu ou aceitou o suborno o fez a pedido ou com o consentimento ou aquiescência do próprio funcionário, e, adicionalmente, não havia permissão ou exigência legal para que o funcionário público recebesse este tipo de vantagem, devendo tratar-se, portanto, de vantagem legalmente indevida.

A influência sobre o funcionário público estrangeiro, no exercício de suas funções, inclui qualquer omissão no desempenho funcional, bem como qualquer ação na qualidade de funcionário, ainda que fora ou para além das atribuições do cargo ou função.

O conceito de funcionário público estrangeiro, aqui, assemelha-se àquele do FCPA140 . Para fins do UKBA, é considerado funcionário público estrangeiro (a)

aquele que detém uma posição legislativa, administrativa ou judicial, de qualquer natureza, por nomeação ou eleição, de um país ou território estrangeiro141; ou (b)

exerce função pública para ou em nome de um país ou território estrangeiro, ou para qualquer órgão público ou empresa pública desse país ou território; ou, por fim, (c) é funcionário ou agente de uma organização pública internacional, a

139 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2013: 80).

140 E segue muito fielmente o conceito proposto pela Convenção da OCDE, no art. 1º, subseção

4(a) (cf. BEAN & MACGUIDWIN, 2013: 81).

incluir, portanto, os funcionários de organismos públicos internacionais, como a Organização das Nações Unidas e o Banco Mundial142.

Por fim, os crimes indicados nas Seções 1 (corrupção ativa) e 6 (corrupção ativa de funcionário público estrangeiro) podem ser cometidos por pessoas físicas e/ou jurídicas143 . Neste último caso, adverte Wells (2014: 507), segue-se o

princípio da common Law de imputação da responsabilidade, exigindo-se a presença de culpa de quem represente a "mente diretora" da corporação, e, cumulativamente, que esse conselheiro ou diretor sênior que consentiu ou foi conivente com a infração seja igualmente responsabilizado.