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3. UNITED KINGDOM BRIBERY ACT (UKBA)

3.2 A matéria penal

3.2.3 Seção 7(2): compliance defence e os parâmetros do

159 Cf. SANTANA VEGA (2015: 9). 160 Cf. SANTANA VEGA (2015: 14). 161 Cf. SANTANA VEGA (2015: 15). 162 Cf. SANTANA VEGA (2015:15). 163 Cf. SANTANA VEGA (2015: 15). 164 Cf. SANTANA VEGA (2015: 16).

O UKBA previu, na Seção 7(2), no que é próprio dessa específica legislação antissuborno, se comparada às regulações do FCPA e da Lei Anticorrupção, também objeto de análise,165 uma compliance defence166, assim normatizada: “é

uma defesa para a corporação provar que pôs em prática procedimentos adequados concebidos para evitar que pessoas a si associadas realizassem tal conduta”, idealizada pelo legislador enquanto tentativa de minorar o rigor daquela legislação167.

Nos termos da referida lei, a pré-existência de um efetivo programa de compliance, posto figure como elementar do crime, conforme adiantado, foi erigida à categoria de defesa, permitindo às pessoas colectivas excluírem a responsabilidade penal desde que comprovem a realização de procedimentos adequados à prevenção do suborno168-169.

Segundo Santana Vega (2015: 17), a doutrina anglo-saxã, de forma majoritária e tradicional, considera as defenses – a referência está feita no gênero – causas processuais de exclusão da responsabilidade penal, tal como ocorre com a defesa da seção 7(2) do UKBA, sob a espécie – acrescentamos – de justificação.

165 A especificidade dessa defesa, em favor do Bribery Act, já não ocorre se se tem em linha de

conta outras legislações. Chile e Austrália, p.ex., também incorporaram a Convenção contra a Corrupção, da OCDE, mediante a previsão de excludente da responsabilidade corporativa pela pré- existência de um efetivo programa de cumprimento normativo (cf. KOEHLER, 2012: 638-639). No caso do Chile, como seria de supor nos sistemas de tradição romano-germânica, a falha na estruturação de um sistema de compliance constitui elemento da infração corporativa, e não tecnicamente defesa, cujo ônus probatório está entregue à acusação (cf. KOEHLER, 2012: 640).

166 Defenses, nos EUA.

167 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2013: 88). Isso porque, ainda segundo estes autores, o crime

definido na seção 7, ao prever responsabilidade objetiva para as empresas, alterou a configuração do sistema até então vigente, que exigia prova da acusação, no processo-crime contra empresas, de que um seu executivo influenciou ativa e conscientemente o suborno (2012: 88).

168 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2013: 88); SANTANA VEGA (2015: 17-18) e KOEHLER (2012:

636-637).

169 Nos sistemas da Common Law, grosso modo, as defesas se subdividem em justification e

excuse – aquelas afetam a própria estrutura da responsabilidade; estas afastam apenas a culpabilidade (cf. FERZAN, 2011: 239; DUBBER & KELMAN, 2005: 499 e ss.; para uma abordagem de cunho filosófico, cf. GARDNER, 2012: 99-173; e, aprofundadamente, sobre estes e outros tipos de defenses, como a non exculpatory defense, cf. ROBINSON, 2008: 451 e ss.) –, e costumam, as defesas, incorporar matérias afetas à configuração do próprio injusto penal, por força de uma restritiva compreensão do conceito de culpabilidade, confinada à constatação dos elementos do delito, conforme leciona FLETCHER (1997: 145-147), e pelo costume de aplicar aos casos de justificação e exculpação as exceções do Direito civil (cf. FLETCHER, 2008: 86-87). Essa distinção entre elementos do delito e eximentes, nesses sistemas, realça ainda FLETCHER (1997: 146), tem sérias consequências processuais, visto constituir ônus da defesa a prova acerca da existência de fatos que, a rigor, nos países de tradição romano-germânica, configuraria encargo da acusação. Tal é o caso da defesa baseada na existência de efetivo programa de cumprimento normativo, que, a despeito de constituir elementar do delito previto na seção 7 do UKBA, está entregue à responsabilidade probatória da defesa.

Por força desse enquadramento normativo, a defesa baseada na existência de efetivo programa de cumprimento normativo constitui ônus probatório da empresa170.

Numa tentativa de orientar as empresas sobre os procedimentos adequados que servirão de critério para a avaliação de um efetivo programa de compliance, a permitir, com isso, uma maior expectativa de êxito por parte da defesa, o Guia editado pelo Ministério da Justiça definiu seis princípios, que, conforme ali mesmo se adianta, devem ser flexíveis a ponto de permitirem adaptação conforme a estrutura e o tamanho da empresa, bem como proporcionais ao risco do empreendimento, visto que empresas menores, com atividades negociais limitadas a um específico território, p.ex., estão expostas a menos riscos que empresas multinacionais.

Tais princípios compreendem, resumidamente: (a) proportionate procedures, proporcionais aos riscos de ocorrência de suborno enfrentados pela empresa, bem como decorrentes da natureza, escala e complexidade das atividadades da organização comercial; (b) top-level commitment, a exigir do corpo de diretores, executivos, proprietários e pessoas ou órgãos equivalentes, no âmbito da organização comercial, efetivo engajamento na política de prevenção do suborno e com a promoção de uma cultura de intolerância relativamente a tal prática; (c) risk assessment, com avaliação periódica e documentada, pela organização comercial, acerca da natureza e extensão de sua exposição a potenciais riscos externos e internos de suborno praticado em seu nome por pessoas associadas; (d) communication (including training), de forma a assegurar que a política e os procedimentos de prevenção adotados pela organização comercial sejam por todos compreendidos, e alcancem o maior público possível, interno e

170 Cf. SANTANA VEGA (2015: 18). Em contexto mais amplo, NIETO MARTÍN (2013a: 31),

após a crítica à imputação da responsabilidade penal da pessoa jurídica baseada nas categorias idealizadas para a imputação das pessoas fisicas, e somente a estas apropriada, porque amparada nas estruturas do comportamento típico, antijurídico, culpável e punível, específicas para a resolução de problemas da responsabilidade individual, defende que a responsabilidade penal da pessoa jurídica deve obedecer a parâmetros dogmáticos comuns, internacionalmente compartilhados, visto que os destinatários de tais normas são empresas sediadas em vários territórios, sujeitas a simultâneos ordenamentos jurídicos. A partir dessa linha de raciocínio, prossegue NIETO MARTÍN (2013a: 32), “o sistema que responsabilidade que melhor se adequa a estes requisitos (comum, simples, e compartilhado por todos) é o que opera no Direito penal internacional, no qual se distinguem basicamente duas categorias. A «ofensa» que descreve a proibição e as «defesas» que estebelecem todos os motivos, materiais ou processuais, que podem levar à exclusão da responsabilidade”. Observe-se, porém, que o autor situa conscientemente a defeituosa organização de um programa de compliance, por parte da empresa, como elemento da offense, implicando ônus da prova da acusação, acerca desse ponto (2013a: 39).

externo; (e) monitoring and review, com a finalidade de permitir que as corporações, via regular monitoramento e avaliação – incluso acerca do incremento de riscos oferecidos por ambientes externos, como mudanças governamentais em países em que eventualmente operem –, adaptem os procedimentos de prevenção de suborno existentes, quando necessário, para assegurar maior efetividade.

O Guia elaborado pelo Ministério da Justiça prevê, por fim, como um dos princípios, a due diligence, a ser operacionalizada mediante abordagem proporcional, baseada nos riscos, e respeitante das pessoas que exercem ou irão exercer serviços para ou em nome da organização, com o fim último de reduzir os riscos de suborno identificados. Ainda segundo o Guia, a due diligence constitui sólido elemento de boa governança, e pode ser empreendida internamente ou por consultores externos.

Nesse contexto, e à vista da gravidade dos riscos enfrentados, o referido Guia informa que a atividade de due diligence, para os propósitos do princípio nº 4, onde está encravada, poderá incluir a realização de interrogatórios diretos, investigações indiretas, bem como pesquisa geral sobre pessoas associadas, a alcançar, assim, inclusivamente os funcionários da própria organização comercial, consideradas ‘pessoas associadas', nos termos do UKBA.

Desse modo, tal como imposto via acordos no enforcement do FCPA – embora muito além em termos de consequências, seja porque a eventual omissão na estruturação de um efetivo programa caracterizará crime autônomo, seja porque a sua existência importará em exclusão do ilícito, e não apenas atenuante –, o UKBA submete as empresas à obrigação de formalizar programa de cumprimento normativo cuja eficácia, para fins de exclusão de responsabilidade de ordem penal, está na dependência, a priori, da implantação, entre outros, de mecanismos de investigação dos próprios funcionários, de que é exemplo concreto o interrogatório171, e, mais além, da comunicação completa de tais fatos às agências

de investigação, notadamente ao Serious Fraud Office (SFO), como prova da disposição em cooperar, procedimento este a ser considerado pelas autoridades na

171 Como adverte SANTANA VEGA (2015: 18), eventual desvio, pelas corporações, das

diretrizes fixadas no Guia, dentre elas a que estabelece o dever de investigar, importará em presunção de que não contam com procedimentos adequados.

decisão sobre a conveniência de iniciar ou não o processo criminal contra a empresa172-173.

3.3 Jurisdição

A jurisdição do UKBA segue princípios opostos quando se tem em vista, de um lado, os crimes de suborno definidos nas seções 1 (corrupção ativa), 2 (corrupção passiva) e 6 (corrupção ativa de funcionário público estrangeiro), e, de outro, o crime de falha na prevenção, previsto na seção 7.

Os crimes de suborno seguem, regra geral, o princípio da territorialidade, exigindo a seção 12(1) do UKBA que qualquer ato ou omissão que faça parte da infração tenha lugar no Reino Unido174. Excepcionalmente, os crimes de suborno

poderão alcançar fatos praticados no estrangeiro, condicionado a que o autor possua uma estreita conexão com o Reino Unido, conforme critérios definidos na seção 12(4) daquela Lei.

Hipótese diversa, de extraterritorialidade aparentemente incondicionada, está reservada para o delito de falha na adoção de procedimentos para a prevenção do suborno (seção 7). Como resulta evidente a mais não poder da seção 12(5) do Bribery Act, a infração cometida ao abrigo da seção 7 está submetida à jurisdição do Reino Unido independentemente da ocorrência, em território britânico, de qualquer ato ou omissão que integre a estrutura do ilícito175.

Os únicos limites à jurisdição penal britânica, na espécie, podem ser extraíveis da qualidade dos sujeitos ativos, para além dos quais a legislação não se aplicaria. Recorde-se, a esse propósito, que o crime de falha na adoção de procedimentos para a prevenção do suborno alcança indistintamente empresas constituídas conforme as leis do Reino Unido, onde quer que desempenhem suas

172 Cf. referido no Guia do Ministério da Justiça, repercutido em SANTANA VEGA (2015: 18). 173 No plano mais geral da persecução penal contra as corporações, o Guidance on Corporate

Prosecutions, publicado pelo Serious Fraud Office (SFO), à semelhança dos Princípios do DOJ, mais à frente analisado, prevê expressamente, dentre os fatores relevantes que podem conduzir à falta de interesse na persecução criminal das pessoas jurídicas, o comportamento proativo adotado pela equipe de gestão corporativa quando ciente da infração, a envolver a comunicação dos fatos, a disponibilização de testemunhas, a divulgação dos detalhes de qualquer inquérito interno, a adoção de ações correctivas, bem como a existência de um programa de conformidade genuinamente proativo e eficaz (disponível em: https://www.sfo.gov.uk/publications/guidance-policy-and- protocols/codes-and-protocols/, acesso em 24.08.2016).

174 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2012: 17); SANTANA VEGA (2015: 3). 175 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2012: 18); SANTANA VEGA (2012: 3).

atividades negociais, bem como empresas constituídas alhures, mas que administrem um negócio, ou parte de um negócio, no Reino Unido.

Ficou dito anteriormente que o primeiro grupo de empresas está conexionada pela circunstância comum de serem constituídas conforme as leis do Reino Unido, regulação, neste ponto, que se supõe ordinária, não excepcional176, a

despeito, acrescentamos, de permitir ainda aqui um amplo alcance do UKBA, visto que incidirá indistintamente sob atos praticados noutros países, sem qualquer conexão territorial com o Reino Unido, desde que cometidos por pessoa associada à corporação britânica.

A jurisdição sobre o segundo grupo de empresas, integrado pelas pessoas jurídicas e parcerias que, posto constituídas fora do Reino Unido, ali administrem pelo menos parte de um negócio, ostenta uma enorme amplitude – verdadeiramente global, dir-se-ia sem risco de erro –, especialmente pelos problemas antes mencionados, decorrentes da significação do segmento linguístico “parte de um negócio”, conforme acentuam Bean & Macguidwin (2013: 87), numa pretensão, como revelaram estes autores, não sem ironia, de “restabelecimento do domínio britânico sob o planeta” (2012: 18).

Ante tal modelo, poder-se-á cogitar da responsabilidade penal por falha corporativa na prevenção de suborno de qualquer empresa estrangeira, por fato ocorrido inteiramente no estrangeiro, bastando a tanto que referida empresa desempenhe “parte de um negócio”, no sentido lato mencionado, no Reino Unido177.

À vista desses critérios, força é convir que haja um largo espectro de empresas brasileiras, ou atuantes neste mercado, potencialmente à mercê da disposição penal da seção 7 do UKBA, satisfeito que seja o requisito correspondente ao desempenho de um negócio ou parte dele – como a contratação de agentes de representação, ou a negociação de ações em bolsa, p.ex. – no Reino Unido.

176 Cf. BEAN & MACGUIDWIN (2013: 86).

177 Informe da ARNOLD & PORTER LLP (2012), escritório de advogados especializado na

matéria, ilustra a amplitude dessa extraterritorialidade com o seguinte exemplo: uma empresa- matriz incorporada na Austrália, cujo agente baseado no Vietnã suborne um funcionário chinês para obter algum benefício comercial, poderia ser processada no Reino Unido por causa de sua subsidiária ali localizada, independentemente do fato de esta filial não estar envolvida na infração [disponível: http://files.arnoldporter.com/advisory%20extraterritorial_reach_fcpa_and_uk_bri- bery%20act_implications_international_business.pdf [acesso em 22/08/2016].

Tal conclusão põe de manifesto que também as empresas brasileiras atuantes no mercado britânico devem adotar procedimentos direcionados à prevenção do suborno praticado por pessoas associadas, já aqui mediante direta ameaça penal, pela falha na adoção destes mecanismos de integridade, responsabilidade somente afastada – em evidente política criminal de incentivo à figura do compliance e dos procedimentos que o integram, dentre os quais, ressalte-se, a investigação de funcionários – pela estruturação formal desse programa mínimo, conforme o modelo constante do Guia elaborado pelo Ministério da Justiça britânico.

4. AS DIRETRIZES DO DEPARTMENT OF JUSTICE (DOJ) E DA