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A “MULHER-CHUMBINHO” E OUTRAS HISTÓRIAS

No documento Coisas da Vida no Crime (páginas 126-142)

Eu estava sentada na varanda da casa dos pais de Taissa, esposa de um dos gerentes da maconha do morro, em companhia dela e de mais dois rapazes: Luciano, que era ladrão e traficante há muitos anos; e Matheus, um jovem estudante cujo pai estava preso. Era um sábado de muito calor e, enquanto eles três fumavam maconha, nós conversávamos sobre a possibilidade de ir à praia, além de atualizarmos os comentários sobre o baile da noite anterior. Foi então que parou uma Kombi de transporte alternativo, da qual desceu uma mulher. Taissa imediatamente comentou:

[Taissa] – Caraca! Há anos que eu não via essa mulher por aqui! Essa aí é a famosa mulher chumbinho: comeu, morreu. Mas ela era melhorzinha, né?

Quem olha ela agora nem diz que o Tinta morreu por causa dela.

[Luciano] – Pode crer... é a irmã do falecido Cabrito, meu parceiro. Mas é mesmo, mó mulher chumbinho... e ela era mais bonita antigamente. Tinha um corpão, agora olha a perna dela...

[Eu] – Já ouvi falar que esse Tinta era muito bonito. É verdade?

[Luciano] – Ele era pintosão mesmo e maneirão. Nós já curtiu várias paradas juntos, mas ele deu mole, cara. Bateu uma neurose doida e resolveu entrar no caminho65 de ninguém menos que o Thiaguinho [pseudônimo do atual responsável do morro]. Veio mó bondão e desceu essa ladeira aqui mesmo pra pegar ele. Mataram ele bem ali e tiveram até que raspar ele do chão com a pá, porque tava grudado de tanto tiro que deram. Me contaram, porque eu não tava na hora não. Ainda bem, porque se eu estivesse, eu ia ter que apertar66 também.

[Taissa] – Pô, mas também coitado, né? Imagina o desespero dele em saber que tava perdendo a mulher pro chefe. O cara nem pensa nessas horas. Age por impulso.

65 Entrar no caminho é um eufemismo comumente utilizado para falar de uma agressão física perpetrada contra alguém. No caso, como eu mesma já ouvira ser narrado por outra pessoa, Tinta teria atingido Thiaguinho com um soco em seu rosto.

66 Apertar refere-se a “apertar o gatilho da arma”, ou seja, Luciano revelou-se contente de não ter participado da morte de seu amigo, o que ele inevitavelmente teria feito, caso estivesse presente na situação. O seu comentário denota que, uma vez estabelecido o “consenso” sobre uma sentença de morte, por via do desenrolo, é imperativo que todos bandidos presentes participem da execução.

116 [Luciano] – Sei... mas porque ele não foi antes e desenrolou essa parada. Se ele tivesse chegado e chamado o Thiaguinho pro desenrolo, nada disso tinha acontecido. Ele perdeu a razão porque quis se aproveitar que o T. tava com uns problemas no morro. Por que não foi lá e deu um soco na cara dele, enquanto ele ainda era patrão? Por que esperou ele sair da boca pra ir lá tomar uma atitude? Isso aí é crocodilagem. Ninguém fecha com67 esse tipo de coisa não.

[Taissa] – Mas que piranha... Como é que ela ainda tem cara pra aparecer aqui? Todo mundo sofreu muito quando o Tinta morreu. Todo mundo gostava dele.

[Luciano] – Ele não era qualquer um não. Ele já tinha rodado68 defendendo o morro. Rodou aqui dentro com o fuzil na mão e tirou uns anos.69 Ele era considerado, mas deu mole legal.

A mulher já tinha passado por nós e ido embora quando o diálogo arrefeceu, contudo ainda restara uma dúvida que não me parecera pertinente perguntar naquele contexto. Tratando-se de uma história passada sobre o atual responsável do morro – gerente-geral do tráfico local – preferi não alimentar polêmicas em meio a uma roda de conversa. Só não sabia ainda que outra oportunidade surgiria logo adiante. Mais tarde, no mesmo dia, só tínhamos restado eu e Luciano na rua, quando a mesma mulher passou e ele apontou para ela novamente, comentando outra vez sobre a moça estar feia e magra demais. Aproveitei a oportunidade e perguntei: “Mas fala a verdade, o Thiaguinho comeu ou não comeu ela?” Ele olhou ao redor, viu que não havia mais ninguém e respondeu em voz baixa:

Comeu sim. Geral sabe disso. Ela e mais uma outra amiga foram lá pro [outro lado do morro] e passaram três dias numa casa com ele e o Charles. O Tinta é que deu mole mesmo. Depois que viu que a mulher era vagabunda, se fosse eu, tinha quebrado as duas pernas dela que ninguém ia poder falar nada. Aí deixava ela sem andar pra ver se ele ainda ia querer ela assim. O Thiaguinho ia ficar bolado, mas ia ter que ficar quieto, porque tava comendo a mulher dos outros. Mas homem apaixonado fica cego e acaba fazendo besteira. Saiu pegando o Thiaguinho no meio do baile e deu um socão na cara dele. O desenrolo não foi mole não. Foram várias horas direto. O que pegou não foi nem o lance dele ter comido ou não a mulher, porque nisso aí o Tinta já tava errado de saída por não ter desenrolado antes. O problema é que uma semana antes o T. tinha dado um soco na cara de um moleque por assunto de boca de fumo. Aí ficou naquela: pode ou não pode dar soco na cara? Como é que uns podem e os outros vão morrer por causa disso? Não é pra ser todo mundo igual? Foi depois da morte do Tinta que o soco na cara ficou proibido aqui na

67 Fechar com significa dar apoio, pôr-se ao lado de alguém ou firmar uma parceria.

68 Rodar remete a ser capturado pela polícia, seja quando se vai efetivamente preso ou quando se negocia a liberdade.

69 Tirar uns anos quer dizer cumprir pena em regime fechado, isto é, na prisão, durante mais de um ano. O fato de ele ter sido preso portando um fuzil denota que ele não desistiu de lutar para se salvar.

Como estava dentro do morro, ele poderia ter escondido ou abandonado o fuzil para encontrar abrigo na casa de algum morador, mas optou por arriscar a sua vida e sua liberdade para zelar por um bem da firma, demonstrando a sua bravura. Isso é fonte de consideração e, os bandidos capturados nesse tipo de circunstância, costumam ser beneficiados pela “previdência” do tráfico, recebendo auxílio financeiro pago pela boca durante o período de reclusão.

117 boca. Foi aí que veio esse toque. Quando nós quer pegar alguém, pode amassar do pescoço pra baixo, mas não se dá soco na cara de sujeito homem.

As declarações sobre a veracidade da acusação de traição imputada ao patrão do morro não podiam ser enunciadas publicamente. Era o tipo de informação que só poderia ser transmitida num diálogo entre duas pessoas e jamais numa conversa mais ampla. Por esta razão, Taissa empregara o eufemismo “perdendo a mulher para o chefe”, sem que se mencionasse diretamente o fato de ele ter ou não se envolvido com a namorada de Tinta. Já em outra narrativa que ouvira antes sobre o mesmo caso, Eliane, uma de minhas principais interlocutoras, apresentara a suposta traição como uma intriga fictícia criada pela mulher-pivô70 da situação, que almejara aparecer ou ganhar ibope com uma discórdia masculina.

A ingenuidade ou parcialidade de sua versão pode ser facilmente compreendida se considerarmos que a então esposa de Thiaguinho - atualmente separada dele – é uma grande amiga de Eliane que, por sua vez, também mantinha, na época do fato, um caso estável com Charles – o outro bandido que estaria na casa com as duas mulheres. Isso talvez explique porque ela não tinha acesso à informação completa sobre o caso ou, mesmo que a possuísse, preferisse não dar status de fato a essa informação e se apegasse à depreciação da imagem da mulher.

Eliane narrara essa história na ocasião em que eu lhe contara sobre Luciano ter sido cortado da escala de plantões do tráfico, segundo ordens do Marat, o gerente da boca em que ele formava. Eu havia especulado que a ex-mulher de Luciano poderia se aproveitar da situação para ir ao baile sem que ele a importunasse, mas Eliane discordou e narrou o caso da morte de Tinta como exemplo:

Ihh, não vai pensando que é assim não... O mundo dá voltas o tempo todo.

Não é assim pra tirar um bandido feito ele da boca, não. Acho bom ela ficar na linha, porque se ele quiser entrar no caminho dela, não vai ter essa não.

Isso tudo é fase, desentendimento... Daqui a pouco ele resolve os problemas dele com o Marat e eles ficam numa boa de novo. Quem tiver tentado se aproveitar da situação, achando que ele tava fraco é que vai se dar mal. Você não conhece ainda a história do falecido Tinta. Esse é um que morreu de bobeira numa situação feito essa. Foi por causa de uma piranha horrorosa com quem ele tava saindo e que começou fazer intriga de que o Thiaguinho tava dando em cima dela. E tava nada... ela só queria era ibope com o nome dele. Na mesma época, o Thiaguinho se desentendeu com os caras da boca e pediu as contas. Ele já era quem ele é, mas não era ainda o patrão. Aí ele tava no baile, na dele, quando o Tinta resolveu se crescer, foi lá tirar satisfação e acertou um soco na cara dele. Achou que ele tava fraco, mas tava era

70 Ocorreu uma evidente culpabilização da mulher pelos atos de violência cometidos por homens.

Não será possível desenvolver uma discussão sobre gênero no presente trabalho, mas como ficará evidente, as tensas relações de gênero em favelas, sobretudo quando envolvem bandidos são frequentemente o estopim de desenrolos e práticas violentas.

118 enganado, porque na hora mesmo o Thiaguinho mexeu os pauzinhos dele e desenrolou pra matar o Tinta. Não esperaram nem amanhecer e já veio mó bondão pra passar ele. Foi uma pena... ele era lindo. Você precisava ter conhecido. Ele era desses bandidos simpáticos que todo mundo gosta e bem galinha. Era considerado ele. E nossa... como eu perdia pra aquele homem.

Ele podia ter a mulher que quisesse e foi morrer logo por causa de uma piranha feia. Depois que ele morreu você precisava ver o desespero que foi.

De fato, os comentários de Eliane provaram ser de grande sabedoria, pois duas semanas depois, Luciano já estava novamente escalado em sua mesma equipe do plantão e, passados dois meses, eu soube que ele e Marat tinham se abraçado e trocado presentes durante o baile de natal. O mundo realmente dá voltas e a consideração não acaba assim tão facilmente. Tinta morreu, em parte, por não saber disso.

A consideração, uma espécie de notoriedade e reconhecimento público, é o capital social mais importante que se pode acumular no Crime. Conquista-se a consideração acumulando-se lutas pelo crime – pela participação em guerras e missões, pelos anos de trabalho para o tráfico e pelos anos de encarceramento – ; traçando uma trajetória criminal sem mancadas, sempre do lado certo da vida errada; mas também conquistando o apreço de lideranças do tráfico no trato pessoal. Apesar de a consideração ser, em tese, o fruto da conjunção entre a disposição – bravura – e o proceder de um bandido, mantidos ao longo dos anos, a hierarquia empresarial do tráfico incide sobre a distribuição desigual do prestígio, redirecionando os seus fluxos.

Bandidos que param do lado de seus patrões e lhes rendem homenagem71 podem ganhar cargos de gerência no tráfico e tornar-se considerados, a despeito de sua pouca luta.

Contestações sobre a legitimidade da consideração eram a maior fonte dos conflitos entre Luciano e Marat. Este tentou, por duas vezes, tirar Luciano da escala de plantões de sua boca, mas foi impedido por Thiaguinho, após alguns desenrolos. Marat não concordava que, só por ser considerado, Luciano poderia continuar cometendo falhas como faltar aos plantões e guardar carros roubados no morro sem jamais ser cobrado. Luciano passara muitos anos preso e, ao sair em liberdade, encontrou Marat como seu superior hierárquico, porém se recusava a lhe render homenagem, pois este teria ingressado no Crime anos após o primeiro:

Ele era surfista! Eu que ensinei ele a roubar e só bem depois ele entrou pra boca. Ele estacionava o bode e eu mandava ele trocar a posição. Aí ele vem agora querer que eu fique pelando o saco dele feito um otário. Eu falo que ele

71 Render homenagem ou, simplesmente, ficar rendendo, são gírias análogas a outra mais popularmente conhecida como puxar saco, isto é, pajear alguém.

119 tem que deixar alguma parada pra eu olhar72 e ele diz que só depende de eu aparecer mais e parar lá com ele. [Luciano]

Já no caso de Tinta, embora ele mesmo fosse também considerado, ele se equivocou em avaliar que a repentina ruptura de Thiaguinho com a firma teria prontamente anulado os seus privilégios. Embora sair com a mulher do próximo seja uma gravíssima falta, segundo a moralidade criminal, quem acabou morto foi o bandido traído. Principalmente, por Tinta não ter seguido os trâmites costumeiros da denúncia de uma mancada. Ele pulou a importante etapa do desenrolo e partiu para a agressão antes de buscar um consenso coletivo sobre a definição da situação.

Antes que se decida por cobrar alguém por suas atitudes – especialmente em casos considerados mais graves, seja por envolver pessoas importantes, seja por implicar em mancadas que se cobram com a morte – existe sempre um desenrolo.

Agressões e execuções devem ser acordadas através de um debate coletivo em que a palavra final é sempre a do patrão, que, entretanto, não pode desagradar a sua base de sustentação política, devendo ouvir a opinião de outras pessoas influentes. Daí a importância de se negociar a versão final dos fatos e de se produzir um veredito acordado como justo.

Já no interior de “instituições totais”73, como prisões e centros de internação para menores, os debates envolvem todo o coletivo que puder ser mobilizado, como o da cela, da galeria ou de toda prisão, não estando as decisões centralizadas em uma liderança, tal como no morro. Em sua pesquisa com jovens em conflito com a lei internados em instituições do Degase, no Rio de Janeiro, Neri (2009) relata que os adolescentes realizavam assembleias em que decidiam coletivamente sobre a culpabilidade de uma das partes em conflito – o que dependia de haver, no mínimo, duas testemunhas, chamadas cem por cento. A autora identificou diferentes formas, acordadas pelos internos, para se cobrar as mancadas de seus pares, que variavam da melhor forma, isto é, apenas uma admoestação verbal, à pior forma, que seria a morte. Os internos referiam-se às agressões físicas punitivas como dar um panha, um se liga ou esculacho, sendo esta a maneira mais corriqueira de se dar a recuperação, o que alude à restituição do menor ao convívio coletivo. No entanto, para se decidir por um homicídio, era preciso extrapolar os limites do coletivo local e levar o desenrolo a outras instâncias de regulação da facção, isto é, consultar lideranças do tráfico em prisões para maiores de

72 Trata-se de deixar uma carga de drogas sob a sua responsabilidade, isto é, gerência.

73 Refiro-me aqui ao conceito formulado por Goffman (1961) para referir-se à instituições como as prisões e asilos psiquiátricos.

120 idade e, sobretudo, consultar os patrões das partes em conflito ou eventuais bandidos que os “apadrinhassem”.

Os desenrolos são dispositivos acionados, em diversos casos, para a expressão de disputas políticas, que podem aparecer de maneira explícita ou velada74. Um bandido pode tentar desprestigiar outro por meio de queixas contra as suas atitudes, o que desencadeia um conflito desenvolvido oralmente, sendo a violência o último recurso.

De uma maneira geral, os desenrolos só surgem se houver uma repercussão, se alguém levar o assunto adiante – ou como em Biondi (2010), esticar o chiclete – e tentar botar o outro na bola, isto é, acusá-lo de alguma forma, tentando convencer os demais de que a outra parte está errada.

Há sempre a alternativa de se fazer por menos, dar um leme (ou segunda chance), relevar uma ou outra mancada, o que frequentemente ocorre entre pessoas que se consideram uma à outra. Mas quando se erra com alguém – por exemplo, não pagando uma dívida, fazendo uma brincadeira de mau gosto ou espalhando um boato – dá-se à pessoa uma oportunidade de lhe prejudicar. A isto eles chamam deixar na reta, assinalando que a pessoa com quem se errou, encontra-se em condições (na reta) para fazer repercutir o caso e, dependendo do desenrolo, lhe cobrar. O respeito mútuo é imperativo entre bandidos, seja no espaço prisional ou na rua, mas é nas situações de erro que aparecem as rivalidades e alianças. Amigos fazem por menos, argumentam a favor, porque, segundo eles, têm coletividade, são fechamento; mas os inimigos não podem ser deixados na reta, pois não hesitam em botar na bola, em reivindicar um aval para cobrar.

Mas tanto a atitude de se tentar botar alguém na bola, quanto a de desenrolar em favor de uma das partes, são empreendimentos arriscados. Como um bandido me explicou: “quem bota os outros na bola pode acabar virando a bola da vez”. Ao se tentar prejudicar alguém com queixas contra as suas atitudes, corre-se o risco de ser cobrado em lugar de seu oponente, caso o desenrolo não lhe seja favorável. Por isso, muitas falhas e descumprimento de acordos – ou, mesmo, a grande maioria deles – não chegam à mediação por terceiros. Ao mesmo tempo, é também preciso cautela antes de se tomar algum partido durante um desenrolo. Sobre isso, um ex-bandido disse:

74 O alinhamento com a facção determina que os bandidos sejam amigos entre si. Deste modo, as rixas e inimizades tendem a aparecer de maneira velada. Nas interações cotidianas, elas costumam ser expressas de forma muito sutil como: fingir que não viu alguém que o cumprimentou; apertar a mão de todos, menos de uma pessoa específica; não fazer o favor que alguém lhe pediu e nem dar satisfação a esse respeito.

121 Pra se meter num desenrolado em defesa de um amigo, você tem que ter muita certeza de que o cara tá certo, porque se ele estiver errado, vai rodar tu e ele. Nego vai achar que tu tá fechando com a mancada do cara.

Para que uma situação seja desenrolada, nem sempre é preciso que as partes estejam presentes ao mesmo tempo. Cada parte tem a oportunidade de desenvolver a sua argumentação em face do dono ou responsável do morro, buscando convencê-lo de seus motivos e, paralelamente, tentam mobilizar outros bandidos influentes para argumentar em seu favor. Cabe ao patrão aconselhar seus subalternos a deixar isso pra lá;

repreender um deles ou ambos verbal ou fisicamente; optar por expulsá-los da boca ou do morro; ou, ainda, autorizar uma das partes a agredir ou matar a outra.

A firma local do tráfico reivindica para si o lugar de árbitro das contendas locais e burocratiza o emprego da violência dentro do seu perímetro de atuação, principalmente quando ambas as partes em disputa são bandidos. A boca se reserva o direito de castigar de variadas maneiras as pessoas que arrumam confusão dentro do morro, sem ter antes prestado uma queixa e solicitado permissão para usar a força numa resolução de disputa. Tomar uma atitude por conta própria, ou seja, sem passar pela mediação do desenrolo, é mais grave quando se trata de um desentendimento entre bandidos e, ainda mais grave, caso o bandido agredido possua um status elevado na hierarquia de consideração do Crime.

São frequentes as agressões entre moradores, sobretudo entre mulheres, sem que se submeta um pedido de autorização à boca. A maioria das querelas cotidianas passa desapercebida pelo tráfico, exceto quando a vítima busca a proteção de bandidos e, caso os convença de que foi injustamente agredida, o agressor, ou agressora, pode ser castigado fisicamente ou ficar proibido de sair de casa por um determinado período de tempo. Não raro, os patrões do tráfico local ou mesmo a rapaziada da boca é chamada a interferir – a contragosto, diga-se de passagem – em contendas domésticas, brigas de vizinho e demais disputas que nada tenham a ver com o Crime.

Um interessante relato sobre como os traficantes intervém nesse tipo de disputa apareceu na entrevista gravada e transcrita a que eu me referi no capítulo anterior, por

Um interessante relato sobre como os traficantes intervém nesse tipo de disputa apareceu na entrevista gravada e transcrita a que eu me referi no capítulo anterior, por

No documento Coisas da Vida no Crime (páginas 126-142)