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OBJETOS QUE ARTICULAM O SOCIAL

No documento Coisas da Vida no Crime (páginas 184-200)

Eu estava conversando com um bandido local, em frente a um bar próximo à boca, quando um homem mais velho passou e o cumprimentou com a seguinte saudação: “Fala, meu rapaz da gaiola de passarinho!”. Ouvindo isso, o meu interlocutor começou a rir, apertou a mão do senhor com entusiasmo e pediu-lhe: “Ah, conta pra ela essa história! Vai! Conta a história da gaiola de passarinho!”. Demonstrando-se satisfeito em ser chamado à conversa, o homem olhou para mim e iniciou a sua narrativa em tom jocoso e performático:

Você não conhece a história da gaiola de passarinho?! Pois, era uma vez um menino que tinha uma gaiola de passarinho e vivia com ela para lá e para cá.

Um belo dia, ele trocou a sua gaiola de passarinho por uma bicicleta e ficava com ela para cima e para baixo. Pouco depois, ele trocou a sua bicicleta por uma moto e, quando eu o vi de novo, já tinha trocado a sua moto por um carro. [risos] Eu conheço esse moleque desde que ele era pequenininho [sinalizou uma estatura bem baixa com a mão].

Esta pequena sátira impressionou-me pela sua incrível capacidade de expressar humoristicamente o espanto dos honestos trabalhadores que assistem ao rápido enriquecimento de seus tão jovens vizinhos. O “rapaz da gaiola de passarinho”, como tantos outros, envolvera-se com o tráfico aos treze anos de idade, o que por si só, permitiu-lhe, de uma hora para outra, trabalhar pouco e garantir renda “equivalente à de

174 um pai de família” (FELTRAN, 2011, p.173) Mas, além disso, começou também a praticar roubos na mesma época, proporcionando-lhe uma repentina acumulação de capital e inspirando este senhor a dedicar-lhe tal perspicaz narrativa.

O uso do verbo “trocar” para se referir às rápidas transformações dos bens mostrados ao público pelo rapaz funciona como um eufemismo, atenuando jocosamente a gravidade da reprovação moral generalizada à prática do roubo. Este tipo de gracejo evoca a tolerância com que alguns (não todos) moradores de favelas encaram as práticas dos meninos que viram crescer, o que nada tem a ver com cumplicidade, mas apenas com afeto, compreensão e lamento. Não é de modo algum naturalizado este tipo de prática aquisitiva, tanto que o homem descreve tal abrupto processo de acumulação como uma sequência de operações mágicas, de “trocas” insólitas, “fingindo” não saber o truque por detrás delas.

Outro ponto interessante que esta sátira levanta é a centralidade dedicada aos objetos para se contar a “história de um rapaz”. Em sua leviana brincadeira, este senhor mostrou ter sabiamente captado a imensa relevância de determinados objetos para se construir relatos sobre vidas de pessoas. Movimento semelhante farei eu para a apresentação e análise de parte do meu material de campo. Mas, em vez de evocar objetos para narrar trajetórias de rapazes, evoco rapazes para narrar trajetórias de objetos. Pouco importa qual linha seguir para se produzir uma coesão narrativa;

selecionar um encadeamento coerente e inteligível para os emaranhados de tempos, lugares e elementos tão heterogêneos. Mas uma coisa é certa: eu não poderia deixar de destacar alguns objetos ao recompor os relatos etnográficos coletados em campo.

Salta aos olhos o “materialismo” do universo criminal carioca. É fundamentalmente ao redor de estratégias aquisitivas que se desenvolve todo o complexo de práticas conhecido sob a alcunha de Crime. Dinheiro, armas, drogas, carros, motos, ouro, relógios, computadores, celulares, etc. funcionam como os meios e os fins das ações criminais. Incontáveis combinações podem ligar estes e outros poderosos objetos em linhas relacionais. Protegem-se com as armas as drogas que, trocadas por dinheiro, possibilitam comprar carros, motos, celulares, ouro, computadores. Pilotando motos e com armas em punho, roubam-se carros, celulares, ouro e computadores que, trocados por dinheiro, possibilitam comprar drogas, etc.

Diante da opção, por mim adotada, de tomar a prática como o foco da análise sociológica, será preciso dedicar uma considerável atenção aos objetos com os quais os atores sociais em questão se relacionam. Neste capítulo, acompanharei a trajetória social

175 de alguns objetos, religando, a partir deles, uma série de eventos distantes entre si no tempo e espaço; encadeando relações de distintas naturezas entre atores diversos;

recompondo tramas de ações que talvez não parecessem relevantes caso as trajetórias seguidas remetessem a pessoas e não a “coisas”. Vendidos e comprados, doados e recebidos ou, mesmo, roubados: a cada transferência de posse, os objetos atravessam fronteiras e adquirem novos sentidos, usos e poderes.

As “coisas” assumem diferentes “estados” (mercadoria, dádiva, etc.) ao longo das diversas “fases” de suas “carreiras” ou “vida social” e através das distintas “arenas culturais” por que passam, tal como propôs Appadurai (2008 [1986]) em sua introdução à coletânea intitulada A vida Social das Coisas. Nesta mesma edição, Kopytoff (2008 [1986]) desenvolve a noção de “biografia cultural das coisas”, afirmando que, assim como a vida de pessoas, também a de “coisas” pode ser biografada, sendo submetida a questionamentos semelhantes e incorrendo na mesma problemática da parcialidade dos aspectos a serem focalizados pelo biógrafo. Muitas biografias podem ser escritas sobre a mesma pessoa ou “coisa”, o que depende da ênfase temática selecionada. Ciente disto, apresento aqui apenas as fases e aspectos da vida social de determinados objetos que sejam relevantes para se compreender a experiência dos meus interlocutores com o Crime e as relações, por eles mediadas, de que se constitui o meu universo de análise.

Segundo Hoskins (1998), os objetos podem ser utilizados como metáforas para obter relatos indiretos sobre a experiência das pessoas, enriquecendo assim a etnografia.

No livro Biographical objects: How Things Tell the Stories of People’s Lives, a autora discorre sobre a dificuldade de fazer as pessoas falarem sobre as suas vidas em uma sociedade não “psicologizada” como era o caso dos Kodi, que pesquisou na ilha de Sumba na Indonésia.

O que eu descobri, para a minha surpresa, foi que eu não poderia coletar a história de objetos e histórias de vida separadamente. As pessoas e as coisas que elas valorizavam estavam tão complexamente entrelaçadas que não podiam ser desenredadas. As frustrações que eu experimentei ao tentar seguir a metodologia que eu planejara provou ser uma vantagem disfarçada: Eu obtive relatos mais introspectivos, íntimos e “pessoais” sobre a vida de muitas pessoas quando lhes perguntei sobre objetos e tracei o caminho de muitos objetos em entrevistas supostamente focadas em pessoas. (p.2, tradução nossa)

Entretanto, no meu caso, a escolha metodológica por seguir “coisas” em vez de pessoas deveu-se, em grande parte, à necessidade de resguardar o anonimato dos meus interlocutores e o segredo sobre as informações que eles me confiaram. Como já foi explicado, não bastaria apenas trocar as referências a nomes, lugares e data. Caso um

176 leitor estivesse familiarizado com algum dos eventos ligados a uma determinada história de vida, ele poderia tomar conhecimento dos demais episódios vinculados a um mesmo pseudônimo. Em se tratando de informações estritamente confidenciais sobre a autoria de crimes e, mesmo, versões e opiniões pessoais sobre casos conflituosos em um contexto marcado pela violência, eu não poderia dar azo a prejudicar os meus informantes.

Mas tal escolha decorreu também do tipo de material de campo com o qual eu me deparei. Em meio à árdua tarefa de produzir uma coerência analítica para a multiplicidade de dados que a etnografia proporciona; diante do desafio retórico de amarrar as pontas de problemáticas tão diversas; eis que eu encontrei nas “coisas”, os fios condutores de que precisava. Alguns objetos simplesmente se destacaram.

Protagonizaram tramas sensacionais e ligaram, ao longo de seu percurso, questões fundamentais à análise do Crime. As narrativas de suas trajetórias sociais permitem a evidenciação do nexo entre as atividades de que se compõe este campo de ilegalismos, incluindo também as suas franjas.

Para a organização e apresentação do material de campo reservado para este capítulo, parto da ideia de que os objetos são capazes de articular o social, de modo que, seguindo-os através das redes relacionais de que participam, podemos transitar pelos tortuosos caminhos do Crime. Uma vez analisadas as formações sociais que se desenham na cena criminal carioca, – isto é, os produtos do pensamento transcendente tanto dos nativos quanto da antropóloga, – e a socialidade que lhes é característica, aterrisso agora para uma análise ainda mais ao solo. Uma análise das conexões entre as práticas e experiências de que se compõe o Crime. As narrativas a seguir permitirão compreender como se efetiva a continuidade por mim proposta entre o tráfico – com suas facções, firmas e bocas – e a prática do 157, de maneira a compor o que os bandidos entendem por Crime.

Ao conceber os objetos como mediadores das relações sociais e adotar a estratégia de segui-los para conectar tempos, espaços e elementos de distintas naturezas, me aproximo do movimento que Latour (2007 [1994]) denominou como uma passagem da intersubjetividade à “interobjetividade”. Este autor identificou mudanças cognitivas e de produção do conhecimento – relativamente recentes – que necessitam de uma redefinição do papel dos objetos na interação social e, mesmo, do que se entende por interação. Ou, como colocado numa versão modificada do mesmo texto para a língua

177 inglesa (LATOUR, 1996a), é necessário transformar a natureza objetiva dos objetos, bem como o conceito de ação.

Latour estabelece um contraponto com a primatologia para propor um ponto de partida teórico que supere o abismo entre a ação individual e as estruturas sociais, isto é, a interação social enquadrada (micro) e a sociedade transcendente (macro). Ele denuncia os limites de uma sociologia focada nas interações face a face entre atores humanos – tal como querem a etnometodologia e o interacionismo – alegando que as interações não se limitariam aos corpos presentes e ligados por sua atenção e seu contínuo esforço de vigilância e construção. Entre os humanos, estariam também presentes as ligações com outros elementos, tempos, lugares e atores. Isso, contudo, não implicaria em um salto analítico para a esfera transcendental das estruturas sociais, que negaria, por sua vez, o poder construtivo da interação, como se esta fosse apenas a materialização do que já existe fora dela.

Para o autor, o que há de realmente peculiar à socialidade humana, diferindo-nos de outros seres “sociais” como os macacos, seria a inclusão de uma vasta gama de objetos em nossas redes de ação. Conexões materiais permitem-nos ir além das interações face a face, operar deslocamentos espaços-temporais, referirmo-nos ao que não está presente: ativamente localizar e globalizar a interação. Nem a memória dos corpos – que até os babuínos possuem – nem o apelo ao simbólico seriam, segundo o autor, a solução teórica para pensar o que nos transporta para além da situação. Para Latour, devemos recorrer aos incontáveis objetos que nos cercam – ausentes entre os macacos – e com os quais compartilhamos a ação.

No seio de um esquema teórico marcado pelas distinções entre mundo objetivo e mundo político, ciências exatas e humanas, natureza e cultura, as ciências sociais tenderiam a negligenciar os objetos e se furtar a reconhecê-los como nossos cúmplices e parceiros. Estes apareceriam apenas de três maneiras:

... como ferramentas invisíveis e fiéis, como a superestrutrutura determinante e como uma tela de projeção. Enquanto ferramentas, eles transmitem a intenção social que os atravessa, sem nada receber ou acrescentar a ela.

Como infraestruturas, eles interconectam e formam uma base material contínua sobre a qual o mundo social das representações e signos, subsequentemente, flui. Como telas, eles não podem senão refletir o status social e servir de suporte para os jogos sutis da distinção. (LATOUR, 1996a, p. 235, tradução minha)

Os objetos permanecem, assim, excluídos do social, ao passo que, se incorporados e seguidos, eles nos permitem construir uma continuidade entre tempos e espaços, sem cairmos no abismo profundo entre a interação situada e as estruturas.

178 Latour sugere que abandonemos a busca pela origem da ação e que aceitemos compartilhá-la com os objetos, possibilitando-nos a entender a circulação, a mediação e a transformação.

Voltemos então à breve história do “rapaz da gaiola de passarinho.” Tudo começa com a referência a um objeto-brinquedo cujas grades impedem um pássaro de voar e mantém-no próximo ao seu proprietário-criança, que se diverte apenas em tê-lo sob a sua guarda. Mas subitamente, “trocas” insólitas permitem-lhe tornar-se o proprietário de objetos cujo poder não é mais impedir deslocamentos, mas sim potencializá-los. Falamos agora de objetos que dão “asas” ao seu possuidor. Aceleram a velocidade com que ele experimenta o mundo e operam como bens de consumo distintivos.

A própria bicicleta já é um bem distintivo entre as crianças de favela, inacessível à maioria delas, especialmente há quinze anos, quando o poder de consumo dos pobres, no Brasil, era ainda bem menor. Os demais bens citados, contudo, já extrapolam os limites da ambição infantil e demarcam uma ascensão social de maneira clara. Para os jovens, eles sinalizam também a sua transformação em sujeito-homem, categoria nativa que, segundo Lyra (2013) “expressa para o jovem um status de respeito e aceitação, mas que também revela a tensão entre sua condição prática de indivíduo autônomo na sua comunidade e seu enquadramento como ‘menor de idade’, tal como o concebemos no

‘mundo legal’” (p.75). Conduzir veículos quando ainda menor de dezoito anos é comunicar a conquista precoce de uma autonomia particularmente viril, uma vez que, em favelas, as motos e carros são ainda objetos que pertencem ao domínio da masculinidade.

Pensemos no valor “erótico” do carro ou da velocidade: pela supressão dos tabus sociais ao mesmo tempo em que da responsabilidade imediata, a mobilidade automobilística desenrola todo um sistema de resistências para consigo mesmo e para com os outros: tônus, brio, entusiasmo, audácia, tudo isso é devido à gratuidade da situação automobilística – por outro lado, ela favorece uma relação erótica pela intercessão de uma projeção narcisística dupla, sobre o mesmo objeto fálico (o carro) ou sobre a mesma função fálica objetivada (a velocidade). (BAUDRILLARD, 1968, p.97, tradução nossa)

Adquirir uma moto é a primeira e mais acessível maneira de os jovens se posicionarem como sujeito-homem, no espaço público das favelas. A moto é a objetificação da autonomia de seus proprietários, pois facilita e dinamiza deslocamentos geográficos por dentro e fora da favela, o que é sempre árduo quando se está a pé.

Trata-se do veículo mais útil e prático para quem mora em morros, pois além de o seu motor poupar as pernas de quem tanto sobe, a moto passa por vielas estreitas e circula

179 inclusive sobre escadas.95 Este veículo é fundamental para a vida em favelas, seja na qualidade de um bem particular, seja como transporte público alternativo – os chamados mototaxis – sem os quais tudo seria ainda mais difícil.

Mas como quem costuma possuir e pilotar motos são antes os rapazes do que as moças, tais objetos cooperam com recortes de gênero e desembocam em dinâmicas de oferta de caronas e disputa por garupas, consideravelmente relevantes para o desenvolvimento das relações entre homens e mulheres. É ponto de consenso que um rapaz fica mais atraente sobre uma moto do que a pé; que oferecer carona pode ser um meio de sedução; e que muito se especula sobre moças vistas em garupas outras que não as dos mototaxistas.96 A moto confere visibilidade aos rapazes que tanto querem ser vistos e comentados, permitindo-lhes cruzar diversas vezes o morro em pouco tempo, expondo as diferentes mulheres ou armas – caso forem da boca – que eles transportam.

Já os carros diferem bastante das motos nesse aspecto. Como normalmente possuem vidros mais escuros do que a legislação de trânsito permite, não é tão fácil identificar as pessoas em seu interior. Apesar de que, no morro, quem presta atenção na movimentação da rua sempre sabe de quem é cada carro e a quem pertence cada moto97. Só que para reparar bem em quem está dentro, é preciso muito olhar, coisa que se sabe bem não ser conveniente fazer. Principalmente se for carro de bandido e mais ainda se for o carro do patrão. Hoje em dia, o morador comum também tem carro, o que outrora fora privilégio de bandidos ou dos empresários locais cunhados por Machado da Silva (2011 [1967]) como a “burguesia favelada”. Portanto, atualmente, é a marca e o ano do veículo que demarcam a diferença de status: ter um belo carro novo não é para qualquer um.

O que acaba complicando a identificação do poder aquisitivo das pessoas em função dos veículos expostos ao público é a existência do bode – o veículo roubado.

Um bandido com pouco dinheiro pode ser visto em carros importados e motos possantes

95 Eu pude experimentar pessoalmente o pânico de subir e descer escadas na garupa de uma moto.

Em alguns trechos, as escadas possuem faixas cimentadas para formar rampas com pouquíssimo mais que a espessura de uma roda; em outros, os degraus baixos permitem ser atravessados pelo vai e vem das motos. Por vezes, há veículos circulando em direções opostas e uma das partes precisa ceder a passagem ao outro motoqueiro, amparando-se em algum canto.

96 Não raro as mulheres vão tomar satisfação com outras que tenham sido vistas na moto de seus namorados. Dentro dessa lógica, as namoradas dos mototaxistas saem prejudicadas, sem saber se as moças são amantes ou apenas passageiras. Nesses casos, os debates giram em torno de elas terem, ou não, pago a corrida.

97 Ao longo da minha intensa convivência com mulheres, eu pude testemunhar como elas sabiam identificar quem estava passando e, através dos veículos estacionados, quem já chegara ao baile, quem estava ou não em casa, quem dormira na casa da amante, etc.

180 sem que tenha dinheiro para comprá-los. Nesse caso, ele desfruta dos atributos estéticos desses objetos, que se estendem em linha de continuidade com o seu corpo, mas tal ostentação é circunstancial e momentânea, pois tais veículos não lhe pertencem. Na verdade, ao se desfilar com um bode pela favela, não se exibe prosperidade econômica, já que os olhares atentos do morro costumam saber discernir entre bodes e veículos próprios, pois se sabe reconhecer carros “transitórios” e “definitivos”. Exibe-se, contudo, poder político.

Como já foi dito no capítulo anterior, apenas aos membros da “elite criminal” – patrões do tráfico e ladrões de grande destaque – é reservado o direito de se guardar bode no morro. O bandido que transita pelo morro em um bode prova que não é qualquer um. Caso ele próprio seja o ladrão que o roubou, prova também a sua disposição para descer na rua e pegar o que quiser: a capacidade de ultrapassar os obstáculos morais e materiais que se interpõem à saciação dos seus desejos de consumo.

Mas até agora discorri sobre as motos e carros, tomando-os ainda apenas como

“ferramentas” ou “telas de projeção”. Uma vez especificadas estas participações dos objetos na vida social dos favelados e, sobretudo, dos bandidos favelados, cabe agora um salto analítico. Convido-vos a acompanhar a trajetória social de uma moto e, depois, de uma arma e um carro, transitando, pelas linhas de ação mediadas por estes e outros objetos. Pelo traçado das diversas situações e relações de que determinados objetos participam, apontarei para como as dinâmicas do roubo se desenvolvem em perpétua relação com o tráfico e a polícia. Demonstrarei como a participação de distintos atores – muitos apenas indiretamente envolvidos com o Crime – coopera para a produção e reprodução do ordenamento criminal. A estratégia narrativa de se seguir um objeto propiciará uma viagem etnográfica pelos meandros do Crime, permitindo que nos deparemos com uma série de questões peculiares a esta forma de vida.

Por fim, analisarei os diferentes papéis sociais desempenhados por armas de fogo e drogas no meio estudado, de maneira a buscar conceitualizar a atuação destes objetos na constituição do Crime, tal como ele se apresenta.

181 5.2 A MOTO DOS ALEMÃO

Certo dia, Gerson apareceu com uma moto diferente, maior e mais imponente do que a que ele possuía antes.98 Ele não conseguia conter a sua felicidade e subia e descia as ladeiras do morro como uma criança que estreia um novo brinquedo. Perguntei-lhe

Certo dia, Gerson apareceu com uma moto diferente, maior e mais imponente do que a que ele possuía antes.98 Ele não conseguia conter a sua felicidade e subia e descia as ladeiras do morro como uma criança que estreia um novo brinquedo. Perguntei-lhe

No documento Coisas da Vida no Crime (páginas 184-200)