• Nenhum resultado encontrado

A Mulher Refugiada e a sua Inserção no Mercado de Trabalho Paulistano

4 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A MULHER REFUGIADA NO BRASIL

4.3 A Mulher Refugiada e a sua Inserção no Mercado de Trabalho Paulistano

A partir dos anos 1990, sob o processo de reestruturação produtiva das atividades econômicas e o baixo ritmo de crescimento, mudando o padrão de incorporação da força de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo, assiste-se a precarização do trabalho na Região, o que provocou um forte crescimento da taxa de desemprego no município paulistano.

Além do quadro econômico de estagnação da renda per capita no período, fruto da baixa expansão da produção, assistiu-se tanto a abertura comercial e produtiva quanto a reformulação do papel do Estado. Esses dois processos supriram muitos postos de trabalho pela força da ampliação das importações e pela privatização e reforma administrativa.

O rápido crescimento do desemprego constituiu-se na primeira consequência desse modelo econômico implantado na década de 90 do século passado. Uma segunda consequência decorreu das maiores restrições para absorção em trabalhos assalariados regulamentados, implicando em prejuízos na qualidade da inserção, por meio do trabalho informal, e na perda da proteção oferecida pelos direitos trabalhistas.

Outra consequência se deu em função da ampliação do tempo de espera entre a ruptura de uma relação de trabalho e o ingresso em outra, ou seja, o desenvolvimento do desemprego estrutural que se manifestou crescentemente por meio do desempregado de longa duração.

As alternativas de emprego não regulamentado, temporário e precário atingiram tanto os trabalhadores quanto suas famílias, o que pode ser evidenciado pela queda do rendimento proveniente do trabalho e da renda familiar per capita, registrada pelas estatísticas oficiais (SEADE; DIEESE, 2012).

Os efeitos da reestruturação produtiva na década de 1990 e do novo padrão de incorporação da força de trabalho informal, precarizado e desregulamentado, implantado a partir desse período, manifestaram-se no interior das famílias, visibilizados nos novos rearranjos de inserção no mercado de trabalho. É nesse contexto que se amplia a busca feminina pela inserção no mercado de trabalho paulistano (MONTALI, 2004).

A inserção feminina, caracterizada pelo acesso a ocupações precárias, passou a ter maior peso entre os ocupados da família. As possibilidades de expansão de sua inserção no mercado de trabalho ocorreram, especialmente, em ocupações precárias, tais como: assalariadas sem carteira assinada, emprego doméstico, autônomas e trabalhadoras familiares, que oferecem baixos rendimentos, sempre por meio de salários inferiores ao do sexo masculino (MONTALI, 2004).

Segundo a Fundação SEADE (2000), entre 1995 e 2000, houve crescimento do número de desempregados, independentemente do sexo, em decorrência da crise econômica que afetou o país no período 1997-1999, como já assinalado. No

entanto, o aumento foi mais expressivo para as mulheres, que passaram a ser maioria entre os desempregados, invertendo a distribuição existente no perfil por sexo: em 1995, 48,2% dos desempregados eram mulheres e, em 2000, este contingente alcançou 52,4%.

Segundo a SEADE a taxa de desemprego, entre 1995 e 2000, foi mais expressivo para o contingente feminino do que para o masculino, com variação, no período, de 36,6% e de 27,1%, respectivamente.

Dados da Fundação também enfatizam que ao se considerar o atributo raça, tornam-se mais evidentes as diferenças entre as taxas de desemprego das mulheres. Se o sexo discrimina, a situação fica ainda mais desfavorável quando se associa a condição de ser da raça negra. Em 2000 a taxa de desemprego registrada para as mulheres negras alcançou 25,1%, ou seja, de cada 100 trabalhadoras negras, um quarto estava sem emprego na Região Metropolitana de São Paulo - RMSP, enquanto as não-negras nesta situação correspondiam a 18,9% (SEADE, 2000).

Importa assinalar que os níveis de escolaridade e de instrução também influenciam na inserção feminina ao mercado de trabalho na RMSP. O que não difere da realidade nacional. Quanto menor o nível de escolaridade e o grau de instrução, aumentam as chances no mercado de trabalho às mulheres, isto porém não se configura como garantia de empregabilidade as mesmas.

Segundo dados da SEADE (2012), as maiores taxas de desemprego são registradas para as pessoas com no máximo o ensino fundamental completo (23,7%), seguidas por aquelas que não concluíram o fundamental (19,7%). Esta situação se reproduz para homens e mulheres, independentemente da raça.

As pesquisas da Fundação também informam que as menores taxas de desemprego correspondem a níveis mais elevados de instrução. No entanto, ressaltam que a taxa de desemprego das mulheres com ensino médio completo é equivalente àquela verificada para os homens com no máximo o fundamental completo, indicando que somente a conclusão do ensino superior fornece às mulheres uma situação menos desfavorável na procura por trabalho.

Apesar disso, as pesquisas da Fundação SEADE relatam que nesta última década, de 2000 a 2011, houve crescimento contínuo e sustentado do número de mulheres ativas no mercado de trabalho nesse período. Não obstante da menor intensidade de seu crescimento em 2009 e da estabilização da taxa de participação

das mulheres em torno de 55%, na Região Metropolitana de São Paulo, essa proporção se mantém bastante elevada se comparada com os dados de 2000.

Os dados disponíveis relatam a desvantagem da inserção produtiva das mulheres quanto à qualidade do emprego e ao nível de remuneração. Também apontam uma concentração no segmento dos serviços e em ocupações consideradas como tradicionalmente femininas quase sempre exercidas em condições precárias devido à menor proteção legal e com rendimentos inferiores aos dos homens.

Conforme supraexposto soma-se a essa discussão o agravamento da situação quando relacionada à questão da mulher refugiada, que em sua maioria possui baixa escolaridade, não apresenta qualificação profissional, desconhece a cultura local e tampouco sabe de seus direitos e deveres trabalhistas, ficando por vezes susceptível a palavra do patrão, que em certas situações se aproveita da situação vulnerável em que se encontra a mulher refugiada.

Segundo Egreja e Peixoto (2012), referindo-se a grupos de estrangeiros que buscam inserir-se no mercado de trabalho, enquanto “[...] uns são mais qualificados e outros menos; uns dirigem-se diretamente para o mercado de trabalho e outros o procuram depois de uma fase inicial de inatividade” (EGREJA & PEIXOTO, 2012, p. 15).

Essa inatividade momentânea se dá por diversas razões e no caso das mulheres refugiadas que chegam ao Brasil, isso ocorre devido a fatores como: adentram ao país acometidas com certo grau de depressão pela violência sofrida em seu país; abandono de sua família e terra natal; desconhecimento do idioma e dos costumes; desqualificação para realizarem as atividades disponíveis no mercado; entre outros.

Esse período traduz um tempo crítico na vida dessas pessoas, especialmente pelo fato de chegarem a uma megalópole como São Paulo, cujo ritmo de vida é acelerado. A exclusão é grande, fazendo com que essas pessoas se sintam mais sozinhas. Na maioria das vezes são atendidas por profissionais que não falam seu idioma, recebidas pela Polícia Federal por vezes com desconfiança, devido ao aumento de quadrilhas internacionais que também se deslocam pelo mundo. Enfim, sua chegada expressa a continuidade de seus tormentos.

Além dos baixos salários, das raras possibilidades de seguirem carreira profissional e da ausência de recompensas sociais, a grande maioria dos refugiados

insere-se no mercado de trabalho precarizado e sem direitos trabalhistas, chamado flexível, como assinala Phizacklea (2005):

[...] os aspectos habitualmente considerados mais positivos da flexibilidade, como a maior autonomia individual, ocorrem, sobretudo em trabalhadores nativos, os aspectos mais negativos, como a precariedade laboral, incidem relativamente mais sobre imigrantes, refugiadas (grifo nosso) e outros grupos populacionais, incluindo as mulheres e os jovens (PHIZACKLEA, 2005, p. 161).

Dados obtidos mediante o relatório da OIT (2010), revelam a situação em que se encontram os imigrantes, inclusos os refugiados, referindo-se ao universo mundial de 214 milhões de estrangeiros economicamente ativos. Destes, somente 105,4 milhões estão inseridos no mercado de trabalho. O relatório aponta como agravante dessa situação as múltiplas discriminações sofridas pelo grupo em questão (OIT, 2012, p. 222).

No que se refere às mulheres refugiadas a situação de discriminação se apresenta com mais evidência. A condição de refugiada pejorativamente é associada à de “fugitiva”, pessoa que cometeu algum crime em seu país, o que reforça ainda mais às representações discriminatórias às refugiadas. Além disso, a mulher refugiada enfrenta discriminação por parte de seus pares, ou seja, as trabalhadoras brasileiras as acusam de virem para o Brasil tomar-lhes seus trabalhos.

Esses enclaves corroboram as dificuldades enfrentadas pelas refugiadas. Instaura-se assim a violência simbólica, que segundo Bourdieu (2007):

[...] deriva seu poder precisamente da dificuldade de ser percebida objetivamente como mecanismo de dominação. Não se trata de uma imposição material, mas de um processo que busca legitimar uma ordem que, ao separar dominantes e dominados confere aos primeiros o poder de impor uma visão específica sobre o mundo social (BOURDIEU, 2007, p. 208).

Encontra-se nessa relação uma divisão entre indivíduos que na prática estão do mesmo lado por conta de sua condição de trabalhadora, e, portanto, vilipendiadas, mas que se veem como adversárias, tendo o comportamento de rivalidade, de competição, engendrando desse comportamento a violência simbólica. Seu desdobramento se dá na exclusão dos já excluídos.

É fato que a partir de 2000 o número de mulheres vindas para o Brasil quase quadriplicou. Não são raras as situações em que as mesmas apresentam baixa

escolaridade, agravando sua situação de estrangeira no que tange a possibilidade de se inserir no mercado de trabalho.

Trata-se, na verdade, de mulheres superexploradas e superdiscriminadas no mundo do trabalho, na vida e no plano dos direitos. Resta-lhes a inserção instável, marginal e precarizada na área de serviços, em funções que requerem conhecimentos básicos, mediante grande esforço físico, um conhecimento mínimo do português e a execução da tarefa.

Outro agravante para essas mulheres refere-se ao ritmo acelerado dos paulistanos, o qual se constitui em desafios a serem enfrentados pelas refugiadas, pois em seus países de origem os ritmos e as regras de trabalho obedecem a padrões culturais específicos, estabelecendo-se em um choque entre culturas.

Em síntese, as mazelas a serem superadas pelas mulheres refugiadas na cidade de São Paulo são muitas e diversas, cujas relações se apresentam de forma complexa. Diante desse contexto e do aumento de refugiadas na capital paulistana, necessário se faz repensar acerca das condições existentes de trabalho, vida e assistência social às refugiadas. Essa entidade federativa, juntamente com o Estado tem obrigações em promover políticas públicas que atendam essas mulheres, propiciando-lhes condições dignas de trabalho, saúde, moradia, educação, assistência social para esse coletivo social.

Caso seja do interesse privado permanecer na oferta de seus serviços e colaborar com o Estado, há que se defender a permanência desse atendimento, uma vez que o Estado neoliberal minimiza seu potencial de investimento, delegando às organizações filantrópico-assistenciais parte de suas responsabilidades sociais.

Além disso, essas associações sempre atuaram em prol desse grupo social, suprindo o atendimento de responsabilidade do Estado, portanto que permaneçam, mas que o façam exigindo do Estado o cumprimento de suas funções, inclusive qualificando as diversas categorias de profissionais atuantes na área com a finalidade de implementar respostas para os vários problemas sociais vivenciados pelas mulheres refugiadas no Brasil.

No próximo capítulo, no intuito de aprofundar as reflexões até aqui expostas, adentra-se na metodologia e na análise dos dados em torno das condições de vida e de inserção da mulher refugiada no mercado de trabalho no município de São Paulo.

Naturalmente a ideologia dominante tem interesse em preservar o status quo, em que até as desigualdades mais patentes já estão estruturalmente entrincheiradas e garantidas. Em consequência, pode se permitir proclamar as virtudes dos arranjos “consensuais”, de “unidade orgânica” e participação, reivindicando para si, desse modo, também a

racionalidade evidente da “moderação” (dominante). No entanto, a ordem social que ela defende é necessariamente dilacerada por contradições e antagonismos internos.

István Mészáros 5 METODOLOGIA APLICADA E ANÁLISE