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3 O REFÚGIO: CONCEPÇÃO E HISTÓRICO

3.2 Conceituando o Refúgio

O refúgio enquanto instituição jurídica internacional teve seu surgimento e evolução somente nas primeiras décadas do século XX, através da “Liga das Nações”6 e posteriormente pela Organização da Nações Unidas – ONU.

A partir do acontecimento da 1ª Guerra Mundial os refugiados passaram a receber atenções mediante ações de proteção, vez que as minorias étnicas buscaram proteção. No início, esses deslocamentos se davam dentro do próprio Estado, havendo alguns raros casos de travessias “além - fronteiras”.

No período do pós-guerra, o fluxo de deslocamentos pelo mundo não cessou,

4 Termo utilizado por Hannah Arendt em “Origens do Totalitarismo” (1989). 5

O código penal e outras leis se reportam ao estrangeiro nesse termo - “alienígena”. Segundo o dicionário da língua portuguesa Houaiss, o termo alienígena significa “quem é natural de outro país; estrangeiro; que é de outro planeta”. Afinal, de qual planeta é a espécie humana? Qual a ideologia que está por trás dos que insistem em reforçar as seguranças das fronteiras em seu país, e porque eles podem invadir as fronteiras de outros países? Que lógica perversa é essa que mata outro ser, semelhante a si, porque o mesmo “invadiu” a fronteira? Quem são os donos desses países tão encarcerados e murados para que outros não adentrem seu espaço, o qual alguém determinou ser de posse de determinado país? Parece que o ser humano ainda não entendeu sua perenidade de ser, insistindo em apossar-se de algo que simplesmente está aí e é para todos.

6 A “Liga das Nações” Organização Internacional composta pelos países que venceram a primeira guerra

mundial, cuja finalidade era assegurar a paz mundial. Cf. ACNUR <http://www.acnur.org>. Acesso em: 04 dez. 2011.

ao contrário, acirrou-se, pois a guerra produziu perdas e destruições, devastando cidades inteiras, cujos solos tornaram-se inférteis por um longo tempo, gerando um grupo de miseráveis e famintos, pessoas emocionalmente abaladas. Esses e tantos outros acontecimentos levaram as pessoas a buscarem novas e melhores condições de vida. Nesse período, a demanda por refúgio aumentou, provocando a atenção das nações para a situação dos refugiados.

Surgiu assim a necessidade de regularização da situação na tentativa de resolver a problemática vivenciada pelas pessoas enquadradas nesse status. Nesse contexto, a Liga das Nações passou a buscar parcerias no intuito de inicialmente construir um perfil comum que pudesse representar e abranger a população refugiada em suas necessidades e emergências. Após aproximadamente trinta anos de discussões essa Liga definiu o conceito de Refugiado. Porém, como assinala Andrade (1996), foi na convenção de 1950 que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a criação de uma agência específica para questões de Refúgio, o Alto Comissariado das Nações Unidas, com a responsabilidade de:

[...] prover proteção política e jurídica aos refugiados; monitorar a entrada em vigor e a aplicação do estatuto jurídico dos refugiados, como definidos, em particular, pelas Convenções de 1933 e de 1938; facilitar a coordenação da assistência humanitária; e auxiliar os governos e as organizações privadas em seus esforços com vistas a promover a emigração e o assentamento permanente. (ANDRADE, 1996, p.115–116).

Sendo de responsabilidade conjunta dos Estados e desta agência assegurar a proteção de todos os refugiados que estivessem sob o seu mandato7. No ano de 1951, em Genebra, o Alto Comissariado das Nações Unidas, em convenção, aprovou o Estatuto dos refugiados, primeiro instrumento considerado como Carta Magna, aplicado a todas as pessoas que se encontravam na condição de solicitante de refúgio, visto que universalizou a linguagem no sentido de determinar um status

universal que garantisse condições dignas de vida, de respeito e de direitos a esse

grupo social.

A partir desse acontecimento surgiu a categoria de refugiado e sua conceituação. Assim foi se constituindo o conceito, entendendo-se como refugiado a pessoa que “[...] temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontra-se fora do país de sua

7 Ver a esse respeito: ANDRADE, José H. Fischel de. Direito Internacional dos Refugiados: evolução histórica

nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país”8.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, afirma em seu art. 14 que “[...] toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países [...]”. Percebe-se, portanto, que a Declaração assegura o direito fundamental a toda pessoa de estar livre de qualquer forma de perseguição. Piovesan (2006) também destaca que a pessoa refugiada, que teve seus direitos violados pelo Estado ao qual pertence e que também a persegue ou não lhe protege em sua necessidade, deve solicitar refúgio, vez que seus direitos não são assegurados e garantidos em seu próprio país. Nessas condições não há garantias de proteção, motivo pelo qual o direito internacional lhe confere o pedido de refúgio.

Quando uma pessoa se vê obrigada a abandonar o seu país e partir em busca de outro local que lhe possa acolher, oferecer-lhe proteção, é porque seus direitos humanos já foram violados. Essa situação denota que já houve a perda dos direitos e garantias preconizados pelos Direitos Humanos, tais como:

[...] direito a vida, a liberdade, a segurança pessoal, direito de não ser submetida à tortura, direito à privacidade, à vida familiar, à liberdade de movimento e de residência, além do direito de não ser submetida a exílio arbitrário [...]. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948).

Os refugiados são obrigados a deixar tudo, sua vida, seus bens e partir em busca de um futuro incerto, em terra desconhecida. Muitos perderam todos os membros de sua família, presenciaram cenas de violência (assassinatos- extermínios, estupros, saques) e outras formas de brutalidades a que são expostos, inclusive em certos casos eles próprios vivenciaram essa situação. Nesse sentido, pode-se dizer que os Direitos Universais desses indivíduos foram violados, ainda que lhes sejam garantido o refúgio. Para Piovesan (2006) a própria condição de refugiado já é uma violação dos Direitos Humanos.

Na atualidade, constata-se um aumento de solicitantes de refúgio. Considerando-se as colocações de Piovesan, essa condição é um desrespeito aos Direitos Humanos. Os dados apresentados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), em junho de 2009, apontaram que o número de pessoas em trânsito pelo mundo chegou a 43,3 milhões, considerado o maior fluxo

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Ver a esse respeito: <http://www.acnur.org/t3/portugues/a-quem-ajudamos/refugiados>. Acesso em: 04 dez. 2011.

desde os anos 90, dos quais 47% eram mulheres e meninas, e desse total de refugiados 80% encontravam-se em países em desenvolvimento.

As “guerras” perpetradas nos diversos países do continente africano têm contribuído para esse crescente percentual negativo de refugiados, pessoas que fogem de seus países, tentando salvar o único bem que lhes resta - a própria vida. Países como República Dominicana do Congo, Afeganistão e Somália perfazem um total de 1.137 milhão de refugiados, representando 3% do total de refugiados do mundo9.

Segundo dados do ACNUR os conflitos não cessam, ao contrário, em 2011 surgiram novos focos de guerras. Os países Árabes, que já viviam repressões, intensificaram ainda mais os ataques a civis. Diante dos fatos noticiados diariamente pelos veículos de comunicação, as estatísticas do ACNUR em 2012 trarão um aumento no número de refugiados no mundo.

Se em 2009 os dados apontaram que houve uma considerável queda no número de repatriação voluntária, o qual foi o menor dos últimos 20 anos, a atual história de conflitos ainda existentes nesses países e em seus vizinhos tende a continuar impossibilitando tentativas de retornos.

Outro dado que chama a atenção diz respeito aos países vizinhos que concedem asilo aos refugiados, os quais, por estarem mais próximos, acabam sendo o único local possível de se chegar, conforme se observa na relação de países, apresentada a seguir, relação por ordem de demanda: Paquistão, Irã, Síria, Alemanha, Jordânia, Quênia, Chade. Ao analisar os dados estatísticos do ACNUR constata-se que a maioria dos refugiados vive na mesma região dos seus países de origem.

Além dessas questões, outra vem despertando a atenção das autoridades e de diversos órgãos que atuam com essa população: o significativo número de crianças e adolescentes sozinhos que solicitam refúgio. Por que isso vem ocorrendo? A resposta a essa questão pode ser encontrada ao se acompanhar as notícias veiculadas nos meios de comunicação, as quais relatam que esses conflitos têm exterminado um número considerável da população desses países. A essas crianças e adolescentes, diante das atrocidades vivenciadas por eles e seus

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Dados obtidos no site do ACNUR. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/estatísticas. Acesso em: 04 dez. 2011.

familiares, em muitas situações a perda de seus tutores, não lhes resta outra saída: senão a fuga.