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Flexibilização Produtiva e Precarização do Mercado de Trabalho

4 PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E A MULHER REFUGIADA NO BRASIL

4.1 Flexibilização Produtiva e Precarização do Mercado de Trabalho

O mundo assiste nessas últimas décadas profundas mudanças no contexto social, econômico, político e cultural. Globalização, neoliberalismo, crise dos Estados, reestruturação e flexibilização produtiva, crise dos mercados, além de outras transformações que impuseram novas atitudes de dominação por parte do sistema capitalista, que promove novas formas de exclusões e de colonizações, por meio da exploração e do endividamento das nações. Por conseguinte, a satisfação dos direitos humanos fundamentais cede lugar a estratégias de espoliação e opressão, que camufladas em planos de ajuda, de auxílio, submetem populações inteiras a condições de extrema precariedade, de miséria, de pobreza absoluta.

A atual crise capitalista se reflete e é refletida nas condições de trabalho vivenciadas pela sociedade, caracterizada pelas recentes formas de precarização do trabalho informal, tais como o trabalho autônomo, a domicílio, sem contrato ou por tempo determinado, utilizados para o rebaixamento de custos empresariais. Essas chamadas “novas formas” de configuração do trabalho, pautadas no rebaixamento de custos e precarização do trabalho por meio do emprego autônomo e nos empreendimentos autogestionários, são apresentadas pelo sistema como alternativas viáveis de geração de emprego e renda.

Esse cenário político, econômico e social, provocado pela crise atual, gerou altos níveis de desemprego e a chamada flexibilização do mercado de trabalho incorporou no setor informal bolsões de trabalhadores excluídos do setor formal, em condições precárias de renda e sem direitos trabalhistas, tendo-se como consequência a expansão do trabalho precarizado, parcial, temporário, terceirizado, informalizado, etc.

Segundo Carvalho (2006), a precarização na atualidade não se apresenta como uma tendência, mas é uma realidade agravada no momento presente, que compõe a história do trabalho no Brasil desde os primórdios. Afirma ainda que, “[...] o capital tem se utilizado cada vez mais do trabalho precário, subcontratado, cooperativado, terceirizado para tornar mais flexível as regulamentações e para recompor sua taxa de lucro”. (CARVALHO, 2006, p.184).

Diante das atuais configurações do trabalho, ou melhor, de suas desconfigurações, a precarização do trabalho constitui-se como um novo fenômeno vivenciado no Brasil, surgido a partir da década de 1990, que gerou mudanças radicais nas formas de gestão, organização, na legislação trabalhista e social, além das mudanças influenciadas pelas inovações tecnológicas, ocasionadas pela reestruturação produtiva do capital.

Segundo Druck (2013), o caráter dessa precarização apoia-se na institucionalização do processo de flexibilização e precarização moderna do trabalho no contexto econômico, social e político globalizado, haja vista a necessidade de adaptação do capital aos novos tempos.

Apesar dessa nova conformação precarizada do trabalho atingir a todos os países, a reestruturação produtiva do capital no Brasil desenvolveu-se de forma intensiva pela implantação de variados receituários oriundos da acumulação flexível geradores das subcontratações e terceirização da força de trabalho. Verificou-se nesse processo de descentralização produtiva, caracterizada pela realocação da mão de obra, um movimento de mudanças de forma organizada, cujo objetivo consistiu em atingir os níveis mais rebaixados de remuneração da força de trabalho, acentuando os traços de superexploração do trabalho. A esse processo de reorganização do capital, Harvey (1993), sustenta que:

[...] o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado através da dispersão, da mobilidade geográfica e das respostas flexíveis nos mercados de trabalho, nos processos de trabalho flexíveis nos mercados de consumo, tudo isso acompanhado de pesadas doses de inovação tecnológica, de produto e institucional. (HARVEY, 1993, p.150-151).

Como consequência das práticas flexíveis de contratação da força de trabalho, por meio da ampliação dos processos de terceirização e das subcontratações, aumentou a precarização dos empregos e dos salários o que evidenciou a desregulamentação do trabalho e dos direitos sociais. Em concomitância a essa situação há a diminuição de postos assalariados de trabalho formal, ampliando o contingente de trabalhadores informais no mercado de trabalho, de trabalho precário e tempo parcial.

Essa ampliação de desempregados, segundo Passet (2002), exerce controle nas reivindicações trabalhistas, tornando “[...] o desemprego em um meio de gestão [...] capaz de moderar as reivindicações salariais, criando, dessa forma, a teoria das demissões de competitividade”. (PASSET, 2002, p. 179).

Nesse contexto o trabalhador passa a aceitar qualquer condição de inserção e, ao mesmo tempo, qualquer salário é aceitável. A precarização do trabalho regula a servidão e a reprodução do sistema, criando grandes bolsões de trabalhadores sobrantes, descartáveis, capazes de servirem à reprodução do capital pela redução do valor do trabalhador e da remuneração da força de trabalho em amplitude global, pela retração salarial dos que se encontram empregados.

Essa realidade neoliberal passa a influenciar inclusive a ação sindical no Brasil, responsável pela defesa dos direitos trabalhistas, flexibilizando os direitos e vantagens historicamente consagrados pelos trabalhadores brasileiros, a pretexto de modernizar a economia e as relações de trabalho com o objetivo de inserir o país na nova ordem mundial (ANTUNES, 2013).

As centrais sindicais, que antes se organizavam em defesa dos direitos trabalhistas, mostram-se, em face do neoliberalismo, mais propensas a negociar esses direitos. Esse tipo de negociação sindical acabou por se traduzir em perdas significativas de direitos aos trabalhadores, à medida que, ao fazerem concessões, ampliam o quadro de precarização destes em face da ameaça recorrente do desemprego.

A precarização crescente das relações e condições de trabalho nesse contexto de perda de direitos trabalhistas e de acomodação das lutas sindicais favoreceu o processo de informalização do mercado de trabalho, ampliando a fragilidade e a assimetria das relações entre o capital e o trabalho. Esse cenário, em última instância, traduziu-se objetivamente no cerne das questões que envolvem o mundo do trabalho na perspectiva das relações societárias.

O neoliberalismo vigente, ao reconfigurar e ampliar a precarização social do trabalho eleva os níveis de desemprego, permitindo o deslocamento do trabalho do núcleo central que ele ocupa nas relações societárias para as margens da realidade social, esvaziando-o de essencialidade. Nesse processo, grassam discursos ideológicos representativos de perda da centralidade do trabalho sob uma conjuntura na qual “[...] milhões de pessoas são condenadas à condição de supérfluos, de descartáveis pelo sistema global do capital em escala mundial” (ANTUNES, 2004, p. 08).

Segundo Gomes (2001), os efeitos do emprego ou desemprego atingem o trabalhador e seu núcleo familiar. Para esse autor, as condições precárias de trabalho promovem a insegurança e a falta de perspectiva, uma vez que:

[...] interferem no tempo livre do trabalhador, atingem um dos momentos fundamentais do ser humano, necessário para recuperação do cansaço cotidiano. [...] O ser humano sem emprego, não tem cidadania, não tem perspectiva, fica brutalizado: excluído da sociedade fica desesperado e seus atos muitas vezes não são dotados de racionalidade. [...] Além disso, o desemprego atinge o núcleo familiar do trabalhador, que também é condenado à insegurança e à desvalorização no contexto social. (GOMES, 2001, p. 304).

As precárias condições de trabalho também se constituem em constantes ameaças de desemprego, assim como a vivência de exploração acentuada da força de trabalho e o ritmo de trabalho acelerado e exaustivo acabam por comprometer as relações de sociabilidades da classe trabalhadora, intensificando os níveis de adoecimentos físicos e psíquicos. Para Antunes (2013), a ausência do emprego ou a precarização do trabalho vulnerabiliza a família, o que fragiliza as condições de equilíbrio emocional e de saúde da classe laboral. Essa fragilização corrói a dignidade humana e a autoestima dessa classe, visto que o desemprego “[...] se torna cada vez mais de longa duração, deixa de ser uma condição provisória e transforma-se numa situação de longo prazo ou mesmo permanente” (ANTUNES, 2013, p. 62).

Esses aspectos demarcam os reais objetivos que estão por trás do discurso de humanização que acompanha as relações de trabalho, pautadas na flexibilização do mercado de trabalho. O ritmo do trabalho, a pressão pelo aumento da produção, a precarização das relações de sociabilização revelam o quanto o trabalhador está exposto à violência promovida pelo capital, impondo-lhe condições de trabalho que desrespeitam os limites físicos do ser humano.

As pressões psicológicas associadas às inovações tecnológicas combinadas aos novos métodos gerenciais e a intensificação do trabalho provocaram no trabalhador graves prejuízos que se traduziram em uma série de agravos à saúde: envelhecimento prematuro, aumento do adoecimento e morte por doenças cardiovasculares e outras doenças crônico-degenerativas, especialmente as LER/DORT, além de um conjunto de sintomas na esfera psíquica (DIAS, 2000).

Agregado a essas questões tem-se a precarização das relações de trabalho, a perda de postos e a exigência de polivalência da atuação do trabalhador, além da cobrança por novas competências quanto ao domínio das inovações tecnológicas decorrentes dos processos de reestruturação produtivas que requerem diferenciadas capacitações na atividade laborativa. Diante dessas novas exigências tem-se a

ampliação e o agravamento, como supracitado, do quadro de doenças e riscos de acidentes nos espaços sociais e ocupacionais.

Os ajustamentos à nova economia global, particularmente em países em desenvolvimento como o Brasil, ocasionaram as modificações ocorridas no mundo do trabalho e a flexibilização do trabalho, deteriorando ainda mais as condições sociais e de vida do trabalhador. Como consequência tem-se o desmantelamento das políticas sociais, dos serviços públicos, das proteções aos direitos trabalhistas e a expansão sem precedentes de trabalhadores em condições precárias de trabalho.

Nesse contexto, o sistema global do capitalismo, em sua face neoliberal, exclui e inclui trabalhadores segundo seus interesses, dilapidando direitos e racionalizando os sistemas produtivos pelas políticas de subcontratações que precarizam laços empregatícios e flexibilizam o uso da força de trabalho.

Segundo Mészáros (2006), o maior problema acerca da precarização do trabalho incide na desregulamentação dos direitos trabalhistas, cuja política neoliberal decorrente tem se apresentado na realidade concreta como prática autoritária e é regulamentada por uma legislação antitrabalho. Essa desregulamentação ao mesmo tempo em que fragiliza a proteção social do trabalhador corrobora para o avanço contínuo do capitalismo. A flexibilização e a desregulamentação das relações de trabalho deterioram as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, em contrapartida o sistema financeiro aumenta vertiginosamente seus lucros.

Estudos demonstram que a desregulamentação das relações de trabalho provocou o aumento do desemprego. Segundo Boito Jr. (1999), foi a partir da década de 90 do século passado que os governos neoliberais no Brasil investiram maciçamente nesses processos de desregulamentação. O modo mais declarado assumido pelo governo nesse contexto foi a não fiscalização às empresas, permitindo que as mesmas impusessem suas regras aos trabalhadores, que sem suporte legal acatavam a ordem. O “exército de reserva” às portas das indústrias eram exemplos tácitos de sua condição descartável para o mercado.

O tripé de sustentação desse sistema, desregulamentação, flexibilização e terceirização subordinam os trabalhadores a uma exclusão integrativa marginal, como assinalado por Martins (2008), incluindo o trabalhador de maneira precária, marginal e instável, permitindo-lhe condições mínimas de sobrevida, da expropriação de sua própria vida, do não pertencimento a si mesmo.

Segundo Harvey (2011), a oferta ou ausência da demanda por emprego é provocada pelos próprios empresários que manipulam o mercado de trabalho de acordo com seus interesses, pois, “[...] em algumas ocasiões, os capitalistas [...] iniciam uma greve, recusando-se a reinvestir, porque os salários mais altos são um corte em sua rentabilidade” (HARVEY, 2011, p. 56). O desemprego resultante dessas atitudes flexibiliza as condições da oferta de trabalho, obrigando o trabalhador a aceitar precarizadas condições de inserção e salários menores. A esse respeito Harvey (2011), assinala:

As tecnologias de economia de trabalho e as inovações organizacionais podem mandar as pessoas para fora do trabalho e de volta à reserva industrial. O resultado é um exército “flutuante” de trabalhadores demitidos cuja existência coloca uma pressão descendente sobre os salários. O capital manipula simultaneamente a oferta e a demanda de trabalho (HARVEY, 2011, p. 56).

Disso resultam as precarizações impostas ao trabalhador que o condicionam como supérfluos, desnecessários, descartáveis, degradando-o na sua condição de ser humano como apontado por Antunes (2005):

[...] cada vez menos homens e mulheres trabalham muito, em ritmo e intensidade que se assemelham à fase pretérita do capitalismo, quase similarmente à época da primeira Revolução Industrial. E, na marca da superfluidade, cada vez mais homens e mulheres encontram menos trabalho, espalhando-se à cata de trabalhos parciais, temporários, sem direitos, “flexíveis”, quando não vivenciando o flagelo dos desempregados. Em pleno mito neoliberal do individualismo exacerbado, tal como a ideologia do “empreendedorismo”, presenciamos de fato um individualismo possessivo cada vez mais desprovido de posse, onde cada vez amplas parcelas de trabalhadores e trabalhadoras perdem até mesmo a possibilidade de viver da venda de sua única propriedade, a sua força de trabalho (ANTUNES, 2005, p. 17).

Em condição precarizada de inserção ou como expropriados de sua única propriedade, a força de trabalho, o capital nega aos trabalhadores a possibilidade de buscarem seus direitos, visto que estes passam a ser negociados em condições desfavoráveis. Mészáros (2006), aponta que essa situação atual representa uma fase diferenciada no desenvolvimento histórico do capitalismo, na qual o desemprego passa a se constituir como característica dominante, uma vez que nessa nova configuração o sistema capitalista,

[...] é constituído por uma rede fechada de inter-relações e de interdeterminações por meio da qual agora é impossível encontrar paliativos e soluções parciais ao desemprego [...] em agudo contraste com o período desenvolvimentista do pós-guerra, em que políticos liberais de alguns países privilegiados afirmavam a possibilidade do pleno emprego em uma sociedade livre (MÉSZÁROS, 2006, p. 31).

Nessa nova lógica neoliberal a oferta e o discurso de pleno emprego constituem-se em possibilidades falaciosas, apesar de gerarem grandes expectativas às classes trabalhadoras. A acumulação capitalista e o crescimento do desemprego em nível mundial derrubaram essas expectativas. A partir de 1994 o Brasil passou a ocupar o 4º lugar no bloco dos países com maior elevação de desemprego. (POCHMANN, 2006).

Ao final dos anos 90 do século passado aumentaram as ocupações cujas condições de trabalho eram cada vez mais precárias. A forma de inserção no mercado de trabalho dessas ocupações ocultava a face real do desemprego, em especial as que vislumbram o chamado trabalho autônomo. A esse respeito Pochmann (2006), sustenta,

[...] que as ocupações por conta própria podem ser muitas vezes identificadas como uma das novas formas de inserção ocupacional moderna, especialmente no caso do trabalho autônomo para a grande empresa, pois surgem em condições de remuneração e de trabalho mais favoráveis (técnicos especializados e mão de obra com alta escolaridade, com grande experiência profissional). No Brasil, no entanto, o trabalho por conta própria que realmente tem expandido é o tradicional, mais conhecido por trabalho autônomo para o público, que se caracteriza, em geral, por ser portador de condições de trabalho e de remuneração precárias (POCHMANN, 2006, p. 61).

Apesar dessa desconfiguração do trabalho, o discurso ideológico promovido tanto pelo capital quanto pelo Estado exacerbou (e exacerba) a necessidade de prestadores de serviços autônomos, retirando-lhes a responsabilidade dos custos com essa força de trabalho.

Incorporado o discurso ideológico do serviço autônomo restou ao trabalhador a tentativa de sobrevivência nessa condição. Entretanto, isso se constituiu como um enorme desafio, tendo em vista que as relações de trabalho associadas ao trabalho autônomo revelaram contratações de prestações de serviços temporários dissimulados e marcados pela vulnerabilidade. Nesse contexto o trabalho autônomo constituiu-se em estratégia precarizada de sobrevivência, empreendida por trabalhadores que apresentavam dificuldades de reemprego ou de ingresso no mercado de trabalho, inseridos em ocupações de baixa produtividade.

Nessa conjuntura o que se constatou foi o aumento das ocupações precárias informalizadas na qual o capital se viu desobrigado em arcar com os custos sociais. Como consequência aumentou sua lucratividade e reduziu os gastos “[...] com departamento de pessoal, [o qual era utilizado] tanto para motivar os trabalhadores

quanto para gerenciá-los em sua produção” (CACCIAMALI, 2000, p. 152). As ocupações autônomas eram efetivadas por grupos familiares de trabalhadores, sem garantias previdenciárias asseguradas.

No que diz respeito ao papel do Estado, os órgãos legalmente regulamentados para acompanhar e subsidiar os grupos de trabalhadores autônomos formaram a grande rede de apoio ao capital, nas ausências de fiscalizações quanto às condições de trabalho.

Restou ao trabalhador autônomo “[...] sonhar com as propagandas enganosas do governo e de suas agências, incentivando-o a ser seu próprio patrão, ser uma pessoa bem sucedida tendo seu próprio negócio” (CACCIAMALI, 2000, p. 152). Nessa configuração, o trabalhador “[...] não é registrado, portanto não tem acesso às convenções coletivas de sua categoria e não tem direito ao seguro desemprego” (MARTINS E DOMBROSWSKI, 2000, p. 24-39), portanto um “trabalhador descadastrado e desfiliado” (CASTEL, 2000) do sistema de proteção social.

Destarte, este trabalhador não se percebe como classe, mas prestador de um serviço isolado, cuja alienação passa pela sua não identificação com o seu grupo, com a categoria laboral que pertence. Passa a se identificar como indivíduo, identificando-se por meio de relações afetivas e domésticas, o que afeta diretamente as relações de direito e o modo de produção.

Para o trabalhador se realizar como trabalhador autônomo o Estado incentiva empréstimos e orientações empreendedoras e gerenciais. Conforme orientado pela OIT cresceu nos anos 90 o incentivo para o empreendedorismo e cooperativismo, paralelo ao aumento de situações de trabalhos precários. Estudos realizados a partir do contexto da globalização demonstram que a maioria dos trabalhadores que se empenharam em “abrir seus próprios negócios”, fecharam as portas antes mesmo de completar um ano. Outros acumularam dívidas que dificilmente teriam condições de pagar.

A lógica da flexibilização no processo de reestruturação produtiva afetou de forma desigual o emprego masculino e feminino, com a estagnação daquele e o crescimento deste (ANTUNES, 2004). Ressalte-se que apesar de ocorrer esse aumento do gênero feminino no mercado de trabalho, ele se manifestou majoritariamente em áreas nas quais predominam os empregos precários e vulneráveis.

E assim, sem o pertencimento de si mesmo, ou seja, de sua própria força de trabalho, homens e mulheres cada vez em maior número, encontram-se desprovidos do mínimo necessário para sua subsistência. No cenário das discussões contemporâneas, essa “nova” configuração do trabalho modifica não somente as relações materiais como também gera uma nova subjetividade sobre as relações de gênero na sociedade em geral.

Diversos estudos reunidos de Pollert (1996), Hirata (2002), Saffioti (1994) e Segnini (2000), têm demonstrado que gradativamente o número de mulheres inseridas no mercado de trabalho vem apresentando um aumento significativo. Esses estudos também apontam que tal inserção se dá de modo precário, no que se pode denominar de inclusão excludente. Como afirma Antunes, isso se dá pelo fato de que:

[...] quando se trata da temática salarial e dos direitos, em que a desigualdade salarial, quando as mulheres são comparadas aos homens, contradita a sua crescente participação no mercado de trabalho. Seu percentual de remuneração é bem menor do que aquele auferido pelo trabalho masculino. O mesmo frequentemente ocorre no que concerne aos direitos e condições de trabalho (ANTUNES, 2005, p. 29).

Encontra-se também em Mészáros (2002), a seguinte reflexão a respeito da participação da mulher na esfera pública:

[...] a estrutura de comando do capital sempre foi e para sempre será totalmente incompatível com a ideia de conceder a qualquer pessoa igualdade substantiva na tomada de decisões, até mesmo às “personificações do capital” que devem operar rigorosamente sob seus ditames materiais. Nesse sentido, quer as mulheres tenham quer deixem de ter o direito de votar, elas devem ser excluídas do verdadeiro poder de decisão por causa de seu papel decisivo na reprodução da família, que terá de se alinhar com os imperativos absolutos e os ditames autoritários do capital. E isto deve acontecer porque a família, por sua vez, ocupa uma posição de importância essencial na reprodução do próprio sistema do capital: ela é seu “microcosmo” insubstituível de reprodução e consumo (MÉSZÁROS, 2002, p. 277).

Apesar da importância da mulher trabalhadora na reprodução do sistema capitalista, constata-se a manutenção da desigualdade na divisão sexual do trabalho, bem como as relações de opressão do homem sobre a mulher. Essas