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3 O REFÚGIO: CONCEPÇÃO E HISTÓRICO

3.3 Histórico dos Refugiados no Brasil

A história dos refugiados no Brasil remonta os anos 60 do século passado. Na verdade o Brasil ratificou tardiamente a Convenção dos Refugiados de 1951. Enquanto nos outros países se discutiu a questão do refúgio desde 1951, somente em 1960 há a ratificação da Convenção no país, a qual foi promulgada em 1961, através do Decreto n. 50.215, sob algumas condições.

Segundo Almeida (2001), nesse período “[...] o Brasil só aceitava receber em seu território pessoas provenientes do continente europeu, portanto mediante reserva geográfica”. Além disso, este autor assinala que a Convenção não foi acatada plenamente, pois também houve restrições relacionadas aos artigos 15 e 17 da Convenção, que se referiam ao associativismo e ao exercício da atividade profissional assalariada, conforme transcritos a seguir:

Artigo 15: Os Estados Membros concederão aos refugiados que residem regularmente em seu território, no que concerne às associações sem fins políticos nem lucrativos e aos sindicatos profissionais, o tratamento mais favorável concedido aos nacionais de um país estrangeiro, nas mesmas circunstâncias.

Artigo 17: Os Estados Contratantes concederão a todos os refugiados que residam regularmente nos seus territórios o tratamento mais favorável concedido, nas mesmas circunstâncias, aos nacionais de um país estrangeiro no que diz respeito ao exercício de uma atividade profissional assalariada. (ALMEIDA, 2001, p. 115).

Nesse período, portanto, o Brasil negou ao refugiado qualquer tipo de

associativismo, assim como impossibilitou o seu acesso ao mercado de trabalho, contradizendo as recomendações da Convenção. A intenção declarada com tais medidas foi a de proteger o mercado de trabalho interno contra possíveis ameaças à sua soberania.

Naquela ocasião o País não estava preocupado com a situação dos refugiados, mas interessado em manter a aparência frente aos países estrangeiros desenvolvidos, os quais já acatavam a Convenção em sua totalidade. A ratificação da Convenção pelo Brasil ocorreu em função dos interesses políticos e econômicos no cenário internacional, daí seu explícito interesse pelos europeus, porém, mesmo

aos europeus foram feitas poucas concessões, na verdade o Brasil mantinha-se em uma espécie de redoma, fechado em relação aos direitos concedidos aos estrangeiros.

Segundo Moreira (2006) o discurso brasileiro de recepção dos refugiados esbarrou na política interna de crescimento econômico, o posicionamento do governo brasileiro ocorreu de forma contraditória em relação à acolhida dos refugiados.

Se, de um lado, demonstrou-se um país comprometido com essa problemática (razão pela qual foi escolhido para fazer parte do Comitê Consultivo do ACNUR e tornou-se membro do Comitê Executivo do mesmo organismo internacional), por outro lado deixou de acolher grande contingente de refugiados latino-americanos durante as décadas de 1970 a 1980, período em que se constatou sistemáticos conflitos armados na região. (MOREIRA, 2006, p. 71).

Em 1977 o ACNUR assina um acordo com o Brasil, o qual possibilita ao mesmo instalar um escritório na cidade do Rio de Janeiro. Segundo Barbosa, essa instalação se deu devido à instabilidade política vivenciada nesse período pelo Continente Latino Americano, cuja ordem se dava dentro dos regimes políticos ditatoriais, “[...] de violência generalizada e de maciça violação dos Direitos Humanos” (BARBOSA E HORA, 2007, p. 38).

Porém, nesse período, a atuação da Agência da ONU no Brasil se deu sobremaneira da forma mais limitada possível, conforme afirma Almeida:

Nessa fase, o escritório do ACNUR era procurado única e exclusivamente por argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios, os mesmos eram reassentados, principalmente, em países da Europa, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Estados Unidos (ALMEIDA, 2001, p. 119).

Se a esfera estatal não cumpria com suas obrigações junto ao ACNUR, conforme compromisso assumido por conta da ratificação da Convenção de 1951, os órgãos ligados à igreja católica, cujo escopo de atuação era a defesa dos Direitos Humanos, em especial a proteção aos refugiados, passou a ocupar esse espaço. São, portanto, essas organizações sociais que a ONU arregimenta na Defesa dos Direitos Humanos, as quais também passam a atuar com refugiados, tais como: a Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e de São Paulo, a Comissão Pontifícia Justiça e Paz e o Centro de Referência para Refugiados10, que era outro órgão da

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Sua função era recepcionar, encaminhar e prestar assistência social (jurídica, auxílio habitação, saúde entre outros) às pessoas que buscavam refúgio.

igreja católica, porém prestava atendimento mais específico aos vietnamitas e aos cubanos.

Dom Paulo Evaristo Arns11, bispo de São Paulo à época, destacou-se por ser um incansável na luta em defesa do ser humano, de modo especial os mais excluídos. Sem pestanejar salvou muitas vidas, arriscando a sua própria, quando em tempos da ditadura, enfrentou autoridades do regime militar, indo visitar e mandando soltar presos políticos, os quais ele chamava de irmão. Inclusive escondeu vários perseguidos em sua própria residência, a outros ajudou a fugir do país, procedendo da mesma forma com refugiados, levantando a bandeira em defesa dos mesmos, acolheu muitos refugiados em São Paulo e foi um dos precursores a discutir sobre a situação dos mesmos junto ao governo.

Contudo, só no final de 1990 o Brasil por meio do Estado inicia sua atuação com os refugiados, após pressão de diversas organizações da sociedade civil, mormente algumas instituições ligadas à igreja católica que perceberam o aumento desse fluxo de pessoas e que pela falta de apoio das autoridades governamentais brasileira, viviam em condições subumanas, sem quaisquer direito resguardados, dependendo apenas das benesses da igreja, em especial da igreja Católica.

No entanto, sendo o Brasil um país de grandes contradições, não foi diferente com a questão do refúgio. Em 1997 o Brasil assumiu a proteção aos direitos dos refugiados com a aprovação da Lei nº. 9.474, instituindo-se este ato como um marco histórico em relação aos direitos dos refugiados, o qual propiciou ao Brasil o título de pioneiro e líder na proteção internacional dos refugiados. Assim o Brasil passou a se constituir como o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 195112

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No quadro a seguir, observa-se o trâmite pelo qual passou a Lei nº 9.474/97 até a sua aprovação. Os registros cronológicos identificados retratam apenas o tempo em que a proposta foi encaminhada para o Congresso, antecedendo a esse processo vários acontecimentos que impulsionaram a sociedade civil a pressionar e exigir dos políticos uma posição efetiva sobre a questão dos refugiados.

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Sendo condecorado com a medalha Nansen, prêmio concedido pelo ACNUR às pessoas que atuam na proteção dos refugiados e homenageia em seu nome um dos precursores da proteção internacional aos refugiados, Fridtjof Nansen. Informação disponível na Cúria Arquidiocesana de São Paulo.

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Esta lei representou um grande avanço na questão do refúgio, pois normatizou e regulamentou a concessão do refúgio no Brasil.

QUADRO 01 – Registro cronológico da aprovação da Lei 9.474/1997 (Linha do Tempo)

Fonte: Refúgio no Brasil: a proteção brasileira aos refugiados e seu impacto nas Américas. Brasília: ACNUR, Ministério da Justiça, 2010. p. 44-46. Elaboração: Marisa Andrade.

Importa destacar que a lei brasileira trás positivada a definição ampliada de proteção do status de refugiado, encontrado na Convenção Relativa aos Aspectos Específicos dos Refugiados Africanos (1969) e na Declaração de Cartagena (1984).

Essa conquista histórica só ocorreu por conta da organização da sociedade civil que se mobilizou e uniu forças para pressionar o governo e exigir que fosse criada uma legislação própria que pudesse contemplar as necessidades desse grupo, o qual se encontrava em território brasileiro e sofria por não ter reconhecido seus direitos, haja vista tratar-se de situação diferente dos estrangeiros imigrantes.

A igreja católica através de vários grupos, movimentos sociais que já atendiam essas pessoas, conseguiu levar a discussão à Câmara dos Deputados,

por intermédio de audiência pública em 1996, e isso deu maior visibilidade ao tema (ANDRADE, 1996, p. 32-33).

O Brasil também foi um dos primeiros países a integrar o Comitê Executivo do ACNUR, responsável pela aprovação dos programas e orçamentos anuais da agência. Com essa relação de proximidade e interesse pela questão dos refugiados, a Organização das Nações Unidas (ONU) transferiu para Brasília o seu escritório para cuidar especificamente do tema.

O ACNUR no Brasil defende os mesmos princípios e desempenha as mesmas funções de qualquer outro país, ou seja, proteger os refugiados e promover soluções duradouras para seus problemas. Para isso, conta com diversas parcerias, como por exemplo, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Secretaria Especial de Políticas para Mulheres e com os Ministérios da Saúde, Educação, Trabalho e Desenvolvimento Social.

No mesmo período da criação da lei n° 9.474 (1997) foi criado um órgão responsável pela implementação do disposto e, concomitante a isso também foi criado o Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE, ligado ao Ministério da Justiça. Esse comitê tem por finalidade analisar as solicitações e emitir pareceres, conforme previsto na lei sobre o refúgio em seu artigo 7º, o qual dispõe sobre o direito do solicitante de refúgio, transcrito a seguir:

[...] todo estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento formal cabível. (ACNUR, LEI N° 9.474, 1997, p.11).

Essa comissão interministerial é composta por representantes do Ministério da Justiça, que a preside; Ministério das Relações Exteriores; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério da Saúde; Ministério da Educação; Departamento da Polícia Federal. Também integra à mesma um representante das organizações sociais, que faz parte a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo, em função do seu vasto envolvimento com a questão, antes mesmo de o Estado brasileiro ter reconhecido os direitos dos refugiados.

No organograma a seguir, pode-se visualizar e acompanhar como se dá a trajetória de acolhida desse grupo social pelo Brasil, além dos órgãos que prestam assistência e dão os devidos encaminhamentos.

ORGANOGRAMA 01 – Chegada ao Brasil e o processo de tramitação