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2 O PROCESSO DA PESQUISA

2.2 Problematização e Justificativa

O interesse por essa temática emergiu de vários questionamentos empíricos e teóricos formulados ao longo do processo de trabalho junto a essas mulheres, buscando compreender: as dificuldades enfrentadas pelas mesmas em relação a sua inserção no mercado de trabalho; as especificidades de suas necessidades e sua interferência na formação dessas mulheres; as condições de adaptabilidade social; os conflitos presentes no confronto de culturas distintas, entre outras questões.

Estudar essa problemática não consistiu apenas em examinar como ocorrem as inserções de mulheres refugiadas no mercado de trabalho, mas intentou-se desvelar as condições de vida e sobrevivência dessas mulheres, suas condições socioeconômicas, a partir de seus relatos, em especial os relacionados à sua inserção no mercado de trabalho, uma vez que eles reproduzem materialmente a realidade vivenciada pelas mesmas.

De posse dessa orientação nuclear elegeram-se as seguintes problematizações a serem investigadas: Estão inseridas no mercado de trabalho? Essa inserção é formal ou informal? Possuem qualificação para essa inserção? Caso estejam inseridas no mercado de trabalho, que atividades profissionais realizam? Onde as executam, em que setores? Em que condições realizam esse trabalho? Sua formação corresponde às exigências do mercado de trabalho? O fato de serem refugiadas influencia na sua inserção no mercado de trabalho? Desconhecer o idioma (português), a cultura e o modo de vida no país constitui-se em obstáculos para sua inserção no mercado de trabalho? Onde moram e quais as condições de moradia dessas mulheres?

Em síntese, objetivou-se, por meio deste trabalho, oferecer à sociedade e demais interessados no assunto algumas especificidades desse processo, considerando-se o tipo de inserção, em que setores, quais condições, mediante garantia de direitos trabalhistas ou não, além de buscar identificar se essa inserção propicia à população foco deste estudo condições dignas de sobrevivência.

Essas e outras indagações auxiliaram na realização da pesquisa, considerando-se que há muito mais a ser inquirido e respondido no que respeita à inserção dessa mulher no mercado de trabalho, assim como suas condições de vida material (concreta) vivenciadas pelas mulheres refugiadas no Brasil.

Imbuída em responder as problematizações supracitadas, procedeu-se a seleção no mestrado no curso de Serviço Social da PUC-SP, na área de concentração Serviço Social: Políticas Sociais e Movimentos Sociais. Buscou-se a inserção na linha de pesquisa Política Social: Estado, Movimentos Sociais e Associativismo Civil, como meio de estreitar a relação entre a atividade profissional e a atividade acadêmica exercida por esta pesquisadora em processo de formação.

A realização desta pesquisa, portanto, possibilitou a esta acadêmica tanto um embasamento teórico mais consistente, quanto propiciou a análise crítica da inserção no mercado de trabalho das mulheres refugiadas no município de São Paulo, considerando o tipo e as condições dessa inserção, as quais implicam nas suas condições de vida e sobrevivência.

De posse desse aporte teórico-prático, teve-se melhores condições para examinar essa questão na realidade concreta, mediante procedimentos metodológicos e técnicos definidos e implementados no decorrer da investigação. Além disso, esse processo de apropriação de conhecimento forneceu também elementos importantes à atuação profissional desta pesquisadora.

Espera-se oferecer a partir deste estudo e de seus resultados informações úteis tanto aos profissionais que atuam junto a esse público, quanto à sociedade, organismos que representam as pessoas refugiadas, pesquisadores e outros interessados no assunto, pois, acredita-se que o debate e a divulgação dos resultados de uma pesquisa podem contribuir para a melhoria das condições de vida da população examinada. Não se quer dizer com isso que se possa intervir na realidade mediante a realização de uma pesquisa, mas, por seu intermédio é possível sugerir mudanças, as quais podem ou não ser aceitas ou mesmo adotadas.

A presente pesquisa também está ligada a estudos realizados desde o início do nosso trabalho profissional com mulheres refugiadas em que se busca compreender a complexa questão dos refugiados, como já assinalado.

Os movimentos de refugiados, referentes a indivíduos que deixam seus países de origem e tentam se estabelecer em outros Estados retratam os fluxos de pessoas através das fronteiras nacionais e vêm se acentuando nas últimas décadas. Consequentemente, esse grupo de indivíduos constitui um problema para os países que os acolhem e muitas vezes para os países da região.

Essa mobilidade engrossa “o caldo” dos desarranjos sociais, provocando ainda mais as tensões na busca pela sobrevivência, pois, tem-se no sistema capitalista um mercado de trabalho que “[...] exclui em massa e inclui seletivamente” (SILVA, 2006), realidade essa vivenciada pela própria população brasileira que, quando inserida, encontra-se em condições de exploração e precarizadas. Se a situação da população brasileira é essa, será diferente a inserção de mulheres refugiadas no Brasil, sem domínio do idioma e da cultura local?

Além disso, com o avanço científico-tecnológico e das tecnologias de informação e de comunicação (TICs), o mercado de trabalho passou a requerer profissionais com características diferenciadas, considerados mais qualificados para o exercício e execução de tarefas que exigem novos saberes e novas relações. Diante dessa realidade novas funções surgem e substituem as velhas e ultrapassadas atividades exercidas no mercado de trabalho, gerando com isso uma mudança dinâmica e estrutural da força de trabalho, requerida pelo capital em sua voraz expansão.

Nesse contexto, a maioria das trabalhadoras, com mão-de-obra não qualificada, constitutiva do grande contingente de trabalhadores desempregados, passa a incorporar o rol daqueles mais excluídos entre todos, os despossuídos de tudo, em condições mais precarizadas e subumanas, de extrema miséria, de degradação absoluta.

Devido à incapacidade em acompanhar a evolução do processo produtivo, que requer nova e contínua formação, mais atualizada e qualificada, que vai desde o aprendizado de conhecimentos técnicos aos níveis mais elevados de ensino, seja ele acadêmico ou profissionalizante, os trabalhadores se deparam, com passar dos anos, com o aumento da exclusão social e consequentemente da exclusão do mercado de trabalho, o qual oferta a cada dia menor remuneração salarial.

Mas e a população refugiada? O Brasil, assim como os demais países que recebem essas pessoas em seu espaço geográfico, não são corresponsáveis por oferecer-lhes condições de vida digna e humanizada? As condições degradadas, precarizadas de sobrevivência, de subsistência no território nacional, não suscitam a emergência de viabilizar ou proporcionar a essa população refugiada condições materiais de inserção no mercado de trabalho, capazes de lhes proporcionar sobrevivência?

Se por um lado os direitos humanos preconizam o direito a uma vida digna, por outro as convenções e leis, apesar de garantirem o refúgio ou o direito a ser refugiado, não culminam em garantia dos direitos sociais, em especial das condições mínimas de sobrevivência, isto é, na inserção do refugiado ao mercado de trabalho.

Analisando-se as definições de refugiado e de direitos humanos, observa-se que o indivíduo passa a se inserir na categoria de refugiado após ter seus direitos fundamentais ameaçados ou concretamente violados (MOREIRA, 2005, p. 52).

De acordo com a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, [...] é considerado um refugiado a pessoa que em consequência dos acontecimentos de 1º de janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida [...] se encontre fora do país de que tem a nacionalidade [...].

Nesse sentido, vale destacar que a questão dos refugiados apresenta uma dupla dimensão: requer a cooperação entre os Estados, por se tratar de um problema humanitário, e, ao mesmo tempo, acarreta conflito entre eles, por se tratar de um problema também político, que abrange disputas e interesses.

Segundo Milesi (2005) os Estados raramente decidem acolher estes indivíduos por um ideal de solidariedade, norteando-se por valores éticos e morais (como justiça, respeito à dignidade humana, entre outros) e movidos pelo objetivo de solucionar este problema global, não importando os seus interesses próprios. Para Milesi, a prática de alguns Estados revela que nem sempre eles estão dispostos a permitir que considerações humanitárias obstruam seus objetivos nacionais próprios. Todavia, a decisão dos Estados em acolher refugiados se pauta, sobretudo, pelos seus interesses nacionais. Dessa forma, se os refugiados lhes propiciarem interesses políticos, econômicos ou culturais, os países optam por seu acolhimento. No entanto, se esse grupo social representar algum tipo de despesa financeira ou

apresentarem traços culturais distintos da comunidade local, esse constitui um perfil que não é de interesse para o Estado e com isso, recusam-se a abrigá-los.

Por outro lado, muitas vezes os Estados não conseguem impedir a entrada de pessoas em seus territórios, haja vista as constantes e imensas migrações internacionais. Nestes casos, cabe aos governos medidas restritivas, limitando o número de ingressantes ou até permitindo sua entrada num primeiro momento, mas não lhe concedendo o reconhecimento de refugiado. Fica permitida a estadia deles durante um período determinado e, após o prazo protocolar, cabe a esses indivíduos recorrerem da decisão, ou quando em último julgado buscarem outro país que possa lhes acolher e lhes dar o autorizo de permanência, isto é, o reconhecimento de refugiado.

Segundo o ACNUR (2005) os solicitantes de refúgio são potenciais refugiados, vale dizer, indivíduos que, após abandonar sua pátria, por motivos diversos, pedem a proteção estatal de outro país. A partir da formulação do pedido ou solicitação de refúgio, instaura-se um procedimento, de acordo com as normas internas do país, por meio do qual as autoridades competentes nacionais decidem se o indivíduo preenche todos os requisitos para ser reconhecido como um refugiado. Até o julgamento final do procedimento, o indivíduo é considerado solicitante ou requerente de refúgio, recebendo um protocolo de solicitação que o permite acessar algumas políticas públicas ofertadas no município onde o mesmo se encontra.

Conforme assinala Bastos (2001) a decisão relativa ao reconhecimento do indivíduo como refugiado é dada pelo Estado, em respeito ao princípio da soberania, mas Ele deve se ater às hipóteses legais para julgar se o indivíduo se caracteriza como um refugiado e respeitar os princípios em relação a esse grupo.

Do reconhecimento de refugiado nasce a nacionalidade, “[...] e desta decorre o vínculo de cidadania entre indivíduo e Estado, que, segundo a concepção arendtiana, é entendida como ‘o direito a ter direitos’ ou como o meio de acesso do indivíduo ao espaço público” (ARENDT, 1989, p. 333).

Porém, na efetivação desses direitos, especificamente ao que concerne à inserção no mercado de trabalho, quais são as propostas de fato que estão disponíveis para esse grupo social?

“[...] os direitos humanos constituem, hoje, um problema político. Em face disso, o rol de direitos humanos deve ser o suficiente para abarcar os direitos mais essenciais do ser humano, visto que somente se priorizando esses direitos é que se torna possível efetivá-los na prática”. (TRINDADE, 1991, p.16).

Piovesan (2001) atenta para a responsabilidade dos Estados em conceder o refúgio solicitado, devendo estabelecer padrões justos e satisfatórios para julgar os pedidos de refúgio e respeitar os princípios referentes aos refugiados.

Como afirma Trindade (1991),

“[...] os direitos humanos se fazem presentes, necessária e invariavelmente, nas três etapas, ou seja, as de prevenção, de refúgio e de solução duradoura”. Além disso, destacando a relação entre direitos humanos e refugiados, o autor conclui que “[...] a dimensão preventiva da proteção humana [...] constitui hoje um denominador comum da proteção internacional dos direitos humanos e do direito internacional dos refugiados”. (TRINDADE, 1991, p. 91).

Alguns elementos para o exame das vinculações entre a vigência dos direitos humanos e o direito dos refugiados se encontram em certas “Conclusões sobre a Proteção Internacional dos Refugiados”, ACNUR (1981), aprovadas pelo Comitê Executivo do Programa do ACNUR. Assim, as conclusões expressam sua preocupação pelas violações dos direitos humanos dos refugiados. É possível que o fenômeno contemporâneo dos deslocamentos em massa, de pessoas que buscam refúgio em situações de afluência em grande escala, tenha contribuído a evidenciar tais vinculações entre o direito dos refugiados e os direitos humanos. Assim, a Conclusão nº 22 (1981), ao deter-se neste fenômeno, enfatizou a necessidade de reafirmar as normas mínimas básicas relativas ao tratamento das pessoas admitidas temporariamente e à espera de uma solução duradoura nestas situações de busca de refúgio em grande escala. As normas mínimas básicas indicadas pela Conclusão nº 22 são próprias do domínio dos direitos humanos, como, por exemplo, o acesso à justiça, o princípio da não discriminação, a vigência dos “[...] direitos civis fundamentais reconhecidos internacionalmente, em particular os enunciados na Declaração Universal de Direitos Humanos” (ACNUR, 1981).

No entanto, a Conclusão nº 50 (1988) foi a que categoricamente assinalou “a relação direta existente entre a observância das normas de direitos humanos, os movimentos de refugiados e os problemas da proteção”. Entre os problemas de direitos humanos envolvidos, a referida conclusão mencionou “[...] a necessidade de

proteger os refugiados contra toda forma de detenção arbitrária e de violência, a necessidade de fomentar os direitos econômicos e sociais básicos [...]” (ACNUR, 1988), inclusive o emprego remunerado, necessário aos refugiados e seus familiares a fim de que alcancem a segurança e autossuficiência. Posteriormente, a Conclusão nº 56 (1989) insistiu em um enfoque dos problemas dos refugiados tomando em conta os “princípios de direitos humanos” (ACNUR, 1989).

Depreende-se, a partir de tais documentos, que os refugiados encontram-se amparados mediante normas e leis internacionais, as quais enfatizam a necessidade dos países signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos em fazerem valer os direitos dessa parcela da população já tão espoliada.

Apesar de tais direitos, garantidos em normas e leis internacionais, os Estados possuem suas próprias normas e leis que regem os direitos de sua população, inclusive os dos refugiados. No entanto, o fato de haver normas e leis, em um país como o Brasil, em nada garante a efetivação de tais direitos promulgados.

Essa realidade, além das anteriormente citadas, justifica a realização deste trabalho, haja vista a necessidade em se examinar os direitos dessa população refugiada no País, que, entre tantas outras carências, requer condições mínimas de sobrevivência, considerando-se a categoria trabalho como fundante para a promoção de todas as demais.

Assim, justifica-se a realização desta investigação, acreditando-se que a mesma poderá ultrapassar os limites das prateleiras da academia, tornando-se objeto de interesse de profissionais, acadêmicos e demais interessados no assunto, de modo a contribuir tanto no debate quanto na realidade efetiva das mulheres refugiadas.

2.3 Objetivos

2.3.1 Objetivo Geral

Examinar e analisar a inserção de mulheres refugiadas no mercado de trabalho paulistano, considerando o tipo e as condições de inserção, em que setores, com que direitos trabalhistas, com que remuneração e se a mesma

possibilita condições mínimas de sobrevivência, isto é, se lhes são garantidos os direitos sociais e econômicos básicos.

2.3.2 Objetivos Específicos

- Identificar o atual número de refugiadas no município de São Paulo;

- Levantar no Acnur e Cáritas endereços e/ou contatos com as refugiadas na capital paulistana;

- Entrevistar profissionais que representam as organizações que prestam atendimento às refugiadas partícipes da pesquisa (Comitê Nacional para os Refugiados – CONARE; o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR; a Cáritas Arquidiocesana de São Paulo; o Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH e a Polícia Federal – PF);

- Selecionar uma amostra representativa de refugiadas que vivem na capital paulistana;

- Contatar com as refugiadas referentes à amostra selecionada;

- Aplicar o questionário às mulheres refugiadas partícipes da pesquisa a fim de examinar sua realidade sócio-econômica-cultural, em especial sua inserção ou não no mercado de trabalho; tipo de inserção - formal ou informal; emprego (condições e especificidades); salário; condições de moradia; de vida e sobrevivência; etc.;

- Entrevistar as refugiadas selecionadas partícipes da pesquisa;

- Analisar, após a aplicação do questionário, o tipo e condições de inserção das mulheres refugiadas inseridas no mercado de trabalho; setores; remuneração; direitos;

- Tabular os questionários, transcrever as entrevistas, cruzar os dados, interpretá-los e analisá-los criticamente.

Esses objetivos possibilitaram inferir a relação entre o discurso proferido pelos gestores públicos e a realidade vivenciada pelas mulheres refugiadas no município de São Paulo.